Mês: <span>Fevereiro 2020</span>

O Medo de Ser Mau na Cama Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

O Medo de ser Mau na Cama

Em momentos de baixa auto-estima, pode ser difícil evitar o medo de que se possa – e isso pode explicar certos altos e baixos nos relacionamentos – ser “mau na cama”.

Três ansiedades tendem a predominar:

– Que nossos corpos não são suficientemente atraentes

– Não praticamos ou não conhecemos certas posições

– Que nos cansamos com demasiada facilidade

 

Estes receios reflectem a visão subjacente de que o sexo é predominantemente uma actividade física – e que, portanto, o “bom sexo” depende de ter uma grande resistência e flexibilidade corporal.

Desta forma arriscamos a não entender o que está no cerne do erotismo.

Embora tradicionalmente o sexo faça uso do nosso corpo, o prazer sexual pode estar mais relacionado com certas “posições mentais”.

Como a tecnologia nos mostra, é bem possível que duas pessoas provoquem um erotismo extraordinário enquanto os seus corpos estão perfeitamente encaixados ou sem tocarem um no outro.

Isto porque o erotismo é – na verdade – sobre algo completamente diferente: ideias, fantasias.

Ser um bom amante é, antes de tudo, uma competência da mente.

O sexo torna-se tanto mais agradável quanto mais funciona como uma libertação de muitas das ideias pré-concebidas do que é normal.

 

Mau na cama? O prazer sexual depende mais de certas “posições mentais” do que corporais.

 

O bom sexo permite-nos admitir e compartilhar uma enorme quantidade de pensamentos e fantasias que normalmente mantemos escondidas.

No bom sexo, ser-nos-á permitido – por exemplo – mostrar:

– Que estamos mais interessados em controlar e dominar alguém do que normalmente acontece na nossa vida não sexual

– Ou, pelo contrário, que estamos interessados em submeter-nos e sermos dominados.

– Podemos querer subverter as hierarquias da vida normal, explorando cenários de pilotos e assistentes de bordo, professores e estudantes, pacientes e médicos.

– Podemos confessar que, embora monógamos por natureza, a ideia de outras pessoas nos observarem ou se juntarem a nós excita-nos bastante.

– Ou podemos revelar que os nossos interesses eróticos não circulam – como é suposto – exclusivamente em torno dos genitais; que estamos muito mais interessados na nuca, nos pulsos ou mesmo sapatos ou collants.

– Podemos ter a coragem de desafiar as regras cronológicas normais, revelando que gostaríamos de passar mais tempo com as nossas roupas vestidas, ou despirmo-nos apressadamente.

Sexualidade é a excitação de nos sentirmos livres dos tabus restritivos do resto das nossas vidas. É um lugar seguro, onde podemos levar outra pessoa para o lado não inteiramente responsável, um pouco cruel e louco de nós.

Que alguém nos dê permissão para fazer isso, está no cerne do que é a sensualidade.

A pessoa que é boa na cama não é aquela que se sabe articular ritmicamente por longos períodos: é a pessoa que encoraja, defende e legitima os segredos do parceiro ao mesmo tempo que está muito consciente e é verdadeira com os seus próprios desejos.

Trata-se de uma mútua nudez da mente, tornada possível através da confiança.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton

 

As Mães são Sempre as Culpadas? Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

As Mães São Sempre as Culpadas?

“As Mães São Sempre as Culpadas”. Mito ou realidade?

O que é que o mito da mãe esquizofrenogénica nos impede de tentar compreender?

 

Nenhum relato da história da psiquiatria do século XX está completo sem uma discussão sobre a “mãe esquizofrenogénica”, uma invenção sinistra da saída da imaginação dos psiquiatras misóginos.

A “mãe esquizofrenogénica”, como referem, foi considerada a única responsável pela génese do sofrimento rotulado como “esquizofrenia” nos seus filhos.

Como Allan F. Mirsky e colegas observaram num artigo sobre as Irmãs Genain, “Os anos 50 foram a era em que o conceito de ‘mãe esquizofrenogénica’ foi amplamente aceite.

No livro “Mística Feminina”, Betty Friedan referiu:

“De repente, descobriu-se que a mãe podia ser responsabilizada por quase tudo.

Em todos os casos de crianças perturbadas, mas também de adultos alcoólicos, suicidas, esquizofrénicos, psicopatas, neuróticos; na homossexualidade masculina, impotência;  promiscuidade feminina, frigidez; asma, e em todas as perturbações dos americanos, poderia ser encontrada uma mãe…

Claramente, algo estava ‘errado’ com as mulheres americanas.”

Este culpar da mãe é frequente na literatura psiquiátrica de meados do século, como escreveu a psicóloga Stella Chess em 1965:

“O procedimento padrão é assumir que o problema da criança é reactivo (à relação com a mãe) ao contacto materno num relacionamento individual.

Situações particulares que se encaixam nestas especulações são citadas como típicas dos sentimentos da criança e das atitudes da mãe, e são tomadas como prova da universalidade da tese das atitudes maternas nocivas.”

Ou como John Neill, MD, observou uma geração depois:

“Tornou-se prática comum acreditar que as mães eram a causa da psicose dos seus filhos.”

Mas será que os psiquiatras realmente “culparam a mãe” com exclusão de todas as outras causas? De onde veio essa noção?

 

O conceito de mãe esquizofrenogénica não era suficiente para explicar a génese da esquizofrenia

 

Como na maioria dos mitos, o mito do foco da psiquiatria na mãe esquizofrenogénica tem um fundo de verdade.

Num artigo de 1948, a psiquiatra alemã Frieda Fromm-Reichmann escreveu:

“O esquizofrénico é dolorosamente desconfiado e ressentido com as outras pessoas, devido à severa manipulação e rejeição que encontrou nas pessoas importantes da sua infância e juventude, como regra, principalmente uma mãe esquizofrenogénica.”

A Dra. Fromm-Reichmann era uma psicanalista famosa pela sua compaixão e habilidade em manejar até os casos mais complicados, aparentemente intratáveis ​​de “esquizofrenia” com psicoterapia intensiva e sem medicação.

É importante referir que as observações acima foram retiradas dum artigo que nem sequer se referia directamente à etiologia da esquizofrenia, mas era dedicado quase exclusivamente à dinâmica da relação terapeuta-paciente.

A análise dos escritos dos colegas de orientação psicanalítica da Dra. Fromm-Reichmann nos anos 50 e 60 revela que desde o início eles entenderam perfeitamente que o conceito de mãe esquizofrenogénica não era suficiente para explicar a génese da esquizofrenia e que essa condição era provavelmente o resultado de famílias perturbadas, e não apenas de mães perturbadas.

Por exemplo, Trude Tietze (1949), escreveu sobre o papel do pai:

“Pouco se sabe sobre os pais de crianças esquizofrénicas. Nenhuma investigação sistemática ao pai foi realizada em conexão com o presente estudo.

No entanto foram entrevistados oito pais e a impressão era de que eles também tinham muitos problemas de personalidade. Pareciam pessoas perfeccionistas e obsessivas, tão doentes quanto as esposas.”

Da mesma forma, os psiquiatras Ruth e Theodore Lidz escreveram:

“Nos nossos dados, é visível que as influências paternas são tão nocivas quanto as maternas.”

As suas descobertas foram replicadas nos estudos de Clardy,  Nuffield, Wahl, entre outros, que confirmaram o papel de todos os membros da família.

 

É realmente um exagero sugerir que consequências terríveis podem ocorrer quando esse relacionamento corre mal?

 

O psiquiatra DD Jackson achou que a esquizofrenia deveria ser estudada como uma “doença de origem familiar que envolve um ciclo complicado de vetores que vão muito para além do que pode ser conotado pelo termo ‘mãe esquizofrenogénica’.

Lidz e seus colegas concordaram, observando:

“Uma vez que os nossos estudos estavam a pôr a descoberto sérias dificuldades em quase todas as áreas nessas famílias, preferimos equilibrar o assunto, direccionando a atenção para a situação total ao invés do foco na mãe.”

De qualquer forma, a relação mãe-filho é sem dúvida o relacionamento humano mais importante que existe.

É realmente um exagero sugerir que consequências terríveis podem ocorrer quando esse relacionamento corre mal?

O artigo de Tietze, acima, discute o caso clínico de uma jovem mulher com esquizofrenia cuja mãe estava obcecada em impedir a filha de se masturbar.

Essa mulher cheirava as mãos da filha durante o dia para verificar se ela se tinha masturbado, e efectuou duas mutilações cirúrgicas no clitóris da criança; uma quando tinha um ano e outra quando ela tinha dois.

Essa mesma mãe inspeccionava a vulva da sua filha todas as noites e batia-lhe se julgasse que os lábios da vulva estavam “irritados”.

Será que as acções desta mãe tiveram algo a ver com os problemas que a filha apresentou mais tarde? Com toda a certeza.

Mas reconhecer o papel do trauma infligido pela mãe a uma determinada pessoa não é o mesmo que culpar a mãe por toda a “doença mental”.

A questão é meramente académica? Não.

Olhemos a resposta do psicólogo L. Alan Sroufe a um artigo publicado no New York Times em 2012.

 

É visível que as influências paternas são tão nocivas quanto as maternas

 

O artigo discutiu o estudo de 2009 do MTA por Brooks e colegas nos quais 600 crianças com o rótulo de diagnóstico “TDAH” (Perturbação de hiperatividade com défice de atenção) foram seguidos por oito anos, e que não encontraram benefícios a longo prazo da medicação para essa perturbação em nenhuma das vinte e quatro variáveis ​​de resultado.

Dr. Sroufe concluiu:

“A ilusão de que os problemas de comportamento das crianças podem ser curados com drogas impede-nos como sociedade de procurar as soluções mais complexas e necessárias.

As drogas deixam toda gente – políticos, cientistas, professores e pais – livres de responsabilidades. Todos, excepto as crianças, claro.

Nem todos viram as coisas dessa maneira.

Numa resposta à opinião do Dr. Sroufe a autora Judith Warner acusou-o de querer fazer “uma viagem de volta a uma época… em que se acreditava que as crianças com doenças psiquiátricas eram vítimas de ‘mães esquizofrenogênicas tóxicas'”.

Mas nem o estudo do MTA nem o artigo do Dr. Sroufe fizeram menção às “mães esquizofrenogénicas”.

Esta tempestade num copo de água acaba por nos afastar da questão principal:

Um amplo estudo desenvolvido ao longo de vários anos não encontrou benefícios a longo prazo para o uso de poderosas drogas (dadas a milhões de crianças) que provocam alterações no cérebro.

Essas foram as conclusões que merecem uma discussão séria – e não evocações de “mães esquizofrenogénicas”.

Mais recentemente, surgiu um artigo no Washington Post descrevendo um pouco da história da Chestnut Lodge, a instituição privada no Maryland onde a Dra. Fromm-Reichmann realizou o seu trabalho inovador.

 

Reconhecer o papel do trauma infligido pela mãe a uma determinada pessoa não é o mesmo que culpar as mães por toda a “doença mental

 

O artigo foi bastante sobranceiro:

“À medida que a compreensão das causas biológicas e químicas das doenças mentais crescia, a ligação de Chestnut Lodge à psicanálise freudiana passou a parecer datado. Poderia realmente ser tratada uma psicose debilitante – e ocasionalmente perigosa – falando sobre a mãe? ”

Além do facto de que a psicoterapia não poder ser reduzida a “falar sobre a mãe”, ainda não há evidências confiáveis ​​de uma causa química ou biológica da esquizofrenia ou de qualquer outro “distúrbio funcional” comummente tratado com drogas.

Enquanto isso, desde o tempo que Fromm-Reichmann desenvolveu o seu trabalho, uma montanha de evidências se tem acumulado, conectando a esquizofrenia ao abuso sexual, abuso físico, abuso emocional, e uma grande variedade de outras categorias de experiências adversas na infância.

A correlação entre experiências adversas na infância e esquizofrenia é robusta e confiável.

Ele atravessa fronteiras nacionais, estratos sociais e etnias. Foi verificado repetidamente em estudos longitudinais, estudos transversais, e em estudos de casos.

Os autores do abuso podem ser pais, padrastos, avós, tios, irmãos mais velhos, primos, não parentes – e sim, às vezes mães.

Estes estudos também demonstraram que não existe um estilo de parentalidade especificamente ” esquizofrenogénico “.

Pelo contrário, qualquer uma das várias influências tóxicas (algumas em grande parte fora do controle dos pais, como doenças infantis ou morte de um dos pais) pode fazer com que o equilíbrio se incline para a esquizofrenia ou qualquer outra “doença mental”.

Por exemplo, um estudo descobriu que entre 45% e 60% dos pacientes diagnosticados com esquizofrenia foram sujeitos a abuso sexual na infância.

 

A ilusão de que os problemas de comportamento das crianças podem ser curados com drogas impede-nos como sociedade de procurar outras soluções

 

E, como o leitor sem dúvida já sabe, a grande maioria dos abusos sexuais na infância é perpetrada por homens, não por mulheres.

Esta é uma descoberta que deve ser recebida com alarme, e não como piada sobre “culpar a mãe”.

Mas também deve ser recebido com esperança, já que o abuso sexual infantil e outras experiências adversas na infância são problemas sobre os quais podemos agir.

O verdadeiro mito da mãe esquizofrenogénica é a ideia de que os psiquiatras sempre difundiram a ideia de que as mães são as únicas responsáveis ​​pela esquizofrenia nos seus filhos.

E esse mito tem sido usado por muito tempo como um espantalho para desviar a atenção da discussão séria sobre o papel do abuso e do trauma na génese da esquizofrenia e de outros tipos de sofrimento mental, e para promover explicações biológicas e intervenções farmacológicas para essas condições.

É hora de acabar com esse mito de uma vez para sempre.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “The Real Myth of the Schizophrenogenic Mother” – Patrick Hahn

Por que a Terapia Funciona Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Por que a Terapia Funciona?

Actualmente a discussão já não anda tanto à volta da eficácia das psicoterapias, mas na razão por que a terapia funciona; quais os factores que estão na base da sua eficácia.

Em 2006, uma equipa de investigadores noruegueses começou a estudar como os psicoterapeutas com vasta experiência ajudam as pessoas a mudar.

Liderada por Michael Rønnestad, professor de psicologia clínica da Universidade de Oslo, a equipa acompanhou cinquenta pares terapeuta-paciente, analisando minuciosamente o que tornou os terapeutas tão eficazes.

Margrethe Halvorsen, uma pós-doutorada na época, teve a função de entrevistar os pacientes no final do tratamento.

Foi assim que conheceu Carrie – uma mulher de quase 40 anos, solteira, sem filhos e fácil de gostar.

Quando criança, Carrie (pseudónimo) tinha sido, de forma repetida, abusada sexualmente às mãos da mãe e dos amigos dela.

Antes de iniciar a terapia, costumava automutilar-se e tentou matar-se várias vezes. O seu corpo apresenta marcas das tentativas de suicídio.

“A história dela estava ali… à minha frente”, refere Halvorsen, depois fica em silêncio enquanto tenta encontrar palavras para transmitir a forte impressão que Carrie lhe causou.

Sete anos depois de se conhecerem, ainda é difícil articular: “Talvez “presença” seja a palavra certa”.

Foi a forma como Carrie falou das atrocidades de que foi vítima – com voz firme e olhos bem abertos – que levou a investigadora a interrogar-se sobre como alguém tão marcado poderia parecer tão vivo e inteiro.

A certa altura da entrevista, quando Halvorsen pediu a Carrie que descrevesse a sua terapia numa imagem ou palavra, ela deixou escapar: ‘Salvou a minha vida’.

Intrigada, convidou três colegas psicólogos para ajudá-la a aprofundar o caso de Carrie e descobrir o que aconteceu na terapia. “Não sabíamos onde estávamos a entrar”, disse-me Halvorsen.

 

Duas pessoas sentam-se numa sala e conversam, todas as semanas, por um período de tempo determinado, e a certa altura uma delas sai uma pessoa diferente. Por quê? Como?

 

Após as entrevistas iniciais com Carrie e com o seu terapeuta, os investigadores obtiveram um total de 242 notas resumidas que os dois tinham escrito após cada sessão ao longo dos três anos do estudo.

A partir desses dados, a equipa seleccionou e transcreveu literalmente 25 sessões que pareciam particularmente importantes. O material final era composto por 500 páginas.

Halvorsen e os seus colegas permaneceram intrigados por mais de dois anos, numa tentativa de entender o que exactamente tinha salvado a vida de Carrie.

Quando mergulhamos na questão de como as pessoas mudam através da terapia podemos ficar com a cabeça às voltas.

Aqui está uma intervenção psicológica que parece funcionar tão bem quanto as drogas (e, sugerem os estudos, provavelmente, melhor a longo prazo), e, no entanto, como é que exactamente isso funciona?

Duas pessoas sentam-se numa sala e conversam, todas as semanas, por um período de tempo determinado, e a certa altura uma delas sai uma pessoa diferente, que já não está atormentada pela dor, refém do medo ou esmagada pelo desespero. Por quê? Como?

As coisas ficam ainda mais intrigantes se você considerar o grande número de terapias disponíveis e os diferentes métodos que elas costumam usar.

Algumas querem que você sinta mais (por exemplo, abordagens psicodinâmicas e focadas na emoção); outras – sentir menos e racionalizar mais (por exemplo, terapias cognitivo-comportamentais ou CBT).

As primeiras veem as emoções difíceis como algo que precisa sair, ser trabalhado, elaborado e re-assimilado; as segundas – como algo a ser estimulado e controlado através da modificação consciente de pensamentos negativos.

Alguns terapeutas falam pouco, deixando espaço para que certos sentimentos ​​dos pacientes venham à superfície; outros dificilmente param entre sequências estruturadas de exercícios e trabalhos de casa.

 

O que acontece entre o paciente e o terapeuta vai além da mera conversa e é mais profundo do que o tratamento clínico

 

Em mais de 400 psicoterapias disponíveis actualmente, o seu terapeuta pode assumir a forma de um curandeiro, um confidente, um clínico, um coach, um treinador de condicionamento mental ou qualquer combinação ou derivação disto.

Nos últimos três anos, conversei com dezenas de terapeutas de várias escolas, tentando perceber a eficácia da psicoterapia, como a terapia funciona – e com isso quero dizer – curas.

Ultimamente, ampliei a minha pesquisa para perceber as bases da eficácia terapêutica para incluir investigadores, terapeutas e profissionais da área, mas a maioria dessas conversas fez-me sentir que nem os estudiosos em mudanças terapêuticas, nem os que as efectuavam poderiam, quando pressionados, explicar de maneira convincente como é que as pessoas se curam.

A contragosto, eu voltava novamente ao que Alan Kazdin, professor de psicologia e psiquiatria infantil na Universidade de Yale, referiu em 2009, num artigo amplamente citado:

‘É notável que, após décadas de pesquisa em terapia, não possamos fornecer uma explicação baseada em evidências de como ou porque, até mesmo as nossas intervenções mais estudadas produzem mudanças.’

Para complicar, numerosos estudos nas últimas décadas chegaram ao que parece ser uma conclusão contraintuitiva: que todas as psicoterapias têm efeitos relativamente parecidos.

Isto é conhecido como o “veredicto das aves Dodo” – em homenagem a um personagem de Alice no País das Maravilhas (1865) que declara após um concurso: “Todos ganharam e todos devem ter prémios”.

O facto de nenhuma forma isolada de terapia se ter mostrado significativamente melhor de que as outras pode surpreender os leitores, mas é familiar aos pesquisadores da área.

 

O vínculo emocional e a colaboração entre paciente e psicoterapeuta – chamada aliança terapêutica – emergiram como um forte preditor de melhorias

 

“Há tantos dados para essa conclusão que, se não fosse tão ameaçadora para certas teorias, seria aceite há muito tempo como uma das principais descobertas da psicologia”, escreve Arthur Bohart, professor emérito da California State University, Dominguez Hills, e autor de vários livros sobre psicoterapia.

Mesmo assim, essa alegada equivalência entre várias terapias é um produto da estatística.

Não diz nada sobre o que funciona melhor para cada indivíduo em específico, nem implica que você possa escolher um qualquer tipo de terapia e obter o mesmo benefício.

Talvez algumas pessoas se deem bem com a forma estruturada duma abordagem cognitiva, enquanto outras respondam melhor à exploração aberta e à procura e criação de sentido oferecidas pelas perspectivas psicodinâmicas/psicanalíticas.

Quando agregadas, essas diferenças individuais podem ser anuladas, fazendo com que todas as terapias pareçam igualmente eficazes.

Muitos pesquisadores, no entanto, acreditam que essa não é a única explicação.

Para eles, a razão mais profunda pela qual nenhuma terapia parece oferecer vantagens únicas sobre qualquer outra, é que todas elas são eficazes por causa dos elementos que compartilham.

A principal delas é a relação terapêutica; associada a resultados positivos por uma quantidade de evidências.

O vínculo emocional e a colaboração entre paciente e psicoterapeuta – chamada aliança terapêutica – emergiram como um forte preditor de melhorias, mesmo em terapias que não enfatizam factores relacionais.

Ver: Psicanálise e Psicoterapia Relacional – Uma Introdução

Até recentemente, a maioria dos estudos sobre a aliança terapêutica mostrava que ela se correlacionava apenas com uma melhoria da saúde mental nos pacientes, mas os avanços nos métodos de pesquisa permitiram encontrar evidências através de um nexo de causalidade, sugerindo que a relação terapêutica pode realmente estar na base da cura.

 

Bowlby percebeu que “o vínculo mãe-bebé não é puramente gerado pelo desejo de agarrar o seio como fonte de alimento, mas também é motivado pela ideia de ligação ao outro”

 

Da mesma forma, a investigação sobre os traços dos psicoterapeutas que apresentam bons resultados revelou que a maior experiência ou a adesão mais rigorosa a uma abordagem específica não resulta em maior eficácia, ao passo que a empatia, a afectividade, a esperança e a expressividade emocional se traduz em melhorias.

Tudo isso sugere uma alternativa tentadora à visão da terapia, tanto do profissional quanto do leigo: que o que acontece entre o paciente e o terapeuta vai além da mera conversa e vai mais fundo do que o tratamento clínico (propriamente dito).

A relação é superior e mais primitiva, e compara-se aos avanços no desenvolvimento que ocorrem entre mãe e bebé, e que ajudam a transformar um bebé envolto num turbilhão de sensações e emoções, numa pessoa normal e saudável.

Estou a referir-me à vinculação.

Para levar a analogia ainda mais longe, e se, pergunta a teoria da vinculação, a terapia lhe der a oportunidade de voltar atrás e reparar os seus primeiros laços emocionais e corrigir o funcionamento nocivo que está na base do seu sofrimento mental?

A teoria da vinculação foi desenvolvida pelo psicanalista britânico John Bowlby, que na década de 1950 combinou a teoria evolutiva e a psicanálise num corajoso novo paradigma.

Agastado com a falta de rigor académico na sua profissão, Bowlby voltou-se para a etologia.

Experiências com macacos recém-nascidos (algumas tão cruéis que nenhum conselho de ética as permitiria hoje) desafiaram a noção predominante de que os bebés veem as mães, principalmente, como fonte de alimento.

Bowlby percebeu que “o vínculo mãe-bebé não é puramente gerado pelo desejo de agarrar o seio como fonte de alimento, mas também é motivado pela ideia de ligação ao outro”, diz Jeremy Holmes, professor britânico de terapias psicológicas (agora aposentado) e co-autor do livro Attachment in Therapeutic Practice (2018).

 

As pesquisas sobre a teoria da vinculação sugerem que as interacções precoces com os cuidadores podem afectar drasticamente as crenças sobre si mesmo

 

Bowlby demonstrou que a busca por uma ligação ou segurança é uma necessidade inata: evoluímos para procurar um vínculo com os cuidadores ‘mais velhos e mais sábios’ para nos proteger do perigo durante o longo período de desamparo conhecido como infância.

A figura do apego, geralmente um ou ambos os pais, torna-se uma base segura a partir da qual explorar o mundo, e um porto seguro para o qual retornar para ser revigorado.

Segundo Holmes, Bowlby viu na teoria da vinculação “o começo de uma ciência dos relacionamentos íntimos” e a promessa de que ’se pudéssemos estudar pais e filhos, e a maneira como eles se relacionam, poderíamos começar a compreender o que acontece entre paciente e terapeuta’.

As pesquisas sobre a teoria da vinculação sugerem que as interacções precoces com os cuidadores podem afectar drasticamente as crenças sobre si mesmo, as expectativas em relação aos outros, a maneira como você processa as informações, lida com o stress e regula as emoções enquanto adulto.

Por exemplo, filhos de mães com sensibilidade – do tipo afectuoso e tranquilizante – desenvolvem uma vinculação segura, aprendem a aceitar e expressar sentimentos negativos, pedem ajuda e apoiam-se nos outros, e confiam na própria capacidade de lidar com o stress. 

Por contraste, filhos de cuidadores que não são responsivos ou são insensíveis desenvolvem uma vinculação insegura.

Eles tornam-se ansiosos e angustiados ao menor sinal de separação da sua figura de vinculação.

Os filhos de mães severas ou depreciadoras desenvolvem um padrão de vinculação inseguro evitante; suprimem as suas emoções e lidam sozinhos com o stress.

Finalmente, crianças com cuidadores abusivos ficam desorganizadas; elas alternam entre o evitante e o ansioso, envolvem-se em comportamentos estranhos e, como Carrie, geralmente têm comportamentos auto-destrutivos.

 

Impulsionadas por uma necessidade desesperada de segurança, as pessoas com vinculação insegura procuram “fundir-se” com os seus parceiros

 

Estilos de vinculação insegura ansiosa, insegura evitante e desorganizada desenvolvem-se como respostas a cuidados inadequados; um caso de: ‘tirar o melhor proveito de uma situação má’.

As interacções repetidas com figuras de vinculação não responsivas podem ser codificadas de maneira neutra e, mais tarde na vida, subconscientemente activadas, especialmente na intimidade e em situações stressantes.

É assim que os padrões de vinculação na infância se podem solidificar numa parte corrosiva da personalidade, distorcendo a forma como a pessoa se vê, experimenta o mundo e interage com os outros.

O psicólogo Mario Mikulincer, do Centro Interdisciplinar Herzliya em Israel, é um dos pioneiros da moderna teoria da vinculação, estudando precisamente os efeitos em cascata.

Em várias experiências ao longo de duas décadas, ele descobriu que, enquanto adultos, as pessoas ansiosas têm baixa auto-estima e são facilmente dominadas por emoções negativas.

Eles também tendem a aumentar os perigos e a duvidar da sua capacidade de lidar com eles.

Impulsionadas por uma necessidade desesperada de segurança, essas pessoas procuram “fundir-se” com os seus parceiros e podem ficar desconfiadas, com ciúmes ou com raiva deles, geralmente, sem uma causa objectiva.

Se os ansiosos entre nós desejam a conexão, as pessoas evitantes lutam pela distância e pelo controlo.

Eles desapegam-se de emoções fortes (positivas e negativas), retiram-se dos conflitos e evitam a intimidade.

A autoconfiança deles significa que se veem fortes e independentes, mas essa imagem positiva é fabricada às custas de manter uma visão negativa dos outros.

Como resultado, os seus relacionamentos íntimos permanecem superficiais, frios e insatisfatórios.

E embora ficar emocionalmente entorpecido possa ajudar as pessoas evitantes nos desafios do dia-a-dia, a pesquisa mostra que, no meio de uma crise, as suas defesas podem desmoronar e deixá-las extremamente vulneráveis.

Não é difícil ver como esses padrões de vinculação podem prejudicar a saúde mental.

 

O bom terapeuta torna-se uma figura de apego temporária

 

Tanto os que têm uma vinculação insegura ansiosa como insegura evitante têm sido associados a um maior risco de desenvolver ansiedade, depressão, solidão, distúrbios alimentares, dependência do álcool, abuso de substâncias e violência.

A forma de tratar esses problemas, dizem os teóricos da vinculação, é através de um novo relacionamento.

Nesta perspectiva, o bom terapeuta torna-se uma figura de apego temporário, assumindo as funções de uma mãe nutridora, reparando a confiança perdida, restaurando a segurança e desenvolvendo duas das principais capacidades geradas por uma infância normal: a regulação das emoções e uma intimidade saudável.

Quando Carrie começou a terapia, ficou claro que ela seria uma paciente que colocaria vários desafios.

A carta do seu médico pedia alguém “corajoso” para tratá-la, e podemos ver porquê: ela insistia em manter o direito de se auto-mutilar e de se suicidar.

“Tive a sensação de que ela se poderia matar a meio da terapia mas tive de correr esse risco”, disse o terapeuta aos investigadores no final do estudo.

Então, como é que ele conseguiu trazer Carrie de volta?

Ao analisar algumas respostas da enorme quantidade de dados recolhidos, Halvorsen e a sua equipa descobriram um padrão entre Carrie e o terapeuta análogo às interacções mãe-bebé.

Primeiro, Carrie desvalorizava-se e afundava-se mais, depois o terapeuta reconhecia as suas emoções negativas, e de imediato interpretava as suas tendências destrutivas como um mecanismo de sobrevivência que ela usara em criança para se proteger do trauma, mas que a prejudicavam enquanto adulta.

Gentilmente, mas com firmeza, ele desafiou a auto-aversão de Carrie, reestruturando o que ela via como condenável e inaceitável em si mesma, em algo humano e compreensível.

Frequentemente, ele pedia que ela pensasse na “criança na escada”, referindo-se a uma memória que Carrie tinha compartilhado numa sessão anterior.

 

Não entendemos as nossas experiências internas até vê-las acontecer nas reacções dos cuidadores

 

“É uma cena realmente perturbadora”, disse-me Halvorsen – em que a mãe de Carrie fica enfurecida com ela. – A mãe encheu uma mala com algumas das roupas da menina e mandou-a embora.

E a menina ficou sentada na escada por longas horas, sem saber o que fazer ou para onde ir.

Halvorsen notou que o terapeuta voltava a essa cena repetidamente, tentando evocar a auto-compaixão de Carrie e combater a sua implacável autocrítica.

Este padrão empático com reenquadramento e restruturação parece-se com as trocas de espelhamento e mitigação entre mãe e bebé nos primeiros anos de vida.

Esteja algum tempo junto de um recém-nascido e você verá que, quando ele chora, a mãe entra, pega-o ao colo e depois a sua expressão facial imita exageradamente a angústia do bebé.

De acordo com o psicanalista Peter Fonagy, da University College London, este espelhamento amplificado da mãe, esta imagem que devolve ao bebé, constitui uma parte fundamental para a criança poder desenvolver um senso de si e um controlo emocional.

“A ansiedade, por exemplo, é para o bebé uma mistura confusa de mudanças físicas, ideias e comportamentos”, refere Fonagy. ‘Quando a mãe reflecte, ou espelha a ansiedade da criança, ele agora ‘sabe’ o que está a sentir.’

Fonagy refere que este conhecimento não vem pré-instalado em nós. Não entendemos o significado das nossas experiências internas até vê-las exteriorizadas ou representadas nos rostos e nas reacções dos nossos cuidadores.

“Paradoxalmente, mesmo que agora eu saiba perfeitamente bem quando me sinto ansioso”, explica Fonagy numa entrevista em vídeo de 2016, “a ansiedade que reconheço como minha ansiedade não é propriamente a minha própria ansiedade, mas é a imagem da minha mãe a olhar para trás quando eu, em bebé, me senti ansioso.

 

A imagem que a mãe devolve ao bebé, constitui uma parte fundamental para este poder desenvolver um senso de si e um controlo emocional.

 

A mãe sensível capta o estado mental e emocional do bebé e espelha-o. Desta forma a criança aprende a reconhecer a sua experiência interna como “tristeza” ou “ansiedade” ou “alegria”.

As sensações anteriormente caóticas agora tornam-se coerentes e integradas no senso de quem ele é, permitindo que as emoções sejam processadas, previstas e manejadas adequadamente.

Mas a mãe não se limita a espelhar a dor emocional do bebé; ela acalma-o.

Embalando o bebé nos braços ou murmurando com uma voz suave, a mãe responsiva sustem o choro e contém os sentimentos negativos do bebé.

A angústia, escreve Holmes em 2015, “é transmitida do bebé para mãe, “metabolizada”, ou seja, pré-digerida, e devolvida ao bebé com menor intensidade e num formato que ele possa digerir.

O terapeuta de Carrie também a ajudou a assimilar os seus sentimentos mais dolorosos. Ao aprender a tolerar estados negativos, ela poderia desenvolver resiliência face às suas experiências internas mais sombrias.

Ele encorajou-a a deixar sair a vergonha e a raiva, e devolveu-as empaticamente de uma forma que a fizesse sentir-se vista e reconhecida.

Mas ele também conteve e transformou essas emoções para ela, devolvendo-as em termos de adaptação, protecção e sobrevivência.

Como uma boa mãe, pré-digeriu a angústia de Carrie, dando-lhe um sentido, um significado e uma explicação.

O terapeuta transformou-as em algo que agora poderia ser aceite e suportado.

Eventualmente, a co-regulação das emoções entre mãe e filho, ou terapeuta e paciente, abre o caminho para o auto-domínio e auto-regulação.

Uma forma de isso acontecer nos primeiros anos, escreve Mikulincer, em 2003, é internalizando o cuidador:

A voz e a atitude do cuidador tornam-se parte de si e, quando você se depara com uma fase difícil, começa a usar as mesmas falas, o mesmo tom, que a sua mãe costumava usar para o acalmar.

 

O bom terapeuta sintoniza inconscientemente os estados internos dos quais o paciente pode nem estar ciente

 

Ao mesmo tempo, a progressiva emancipação da dependência emocional na infância passa pelo crescimento dos seus próprios recursos internos, enfrentando e aprendendo com os desafios.

Ao fazer um movimento para o exterior a jovem criança enfrenta o risco inevitável do fracasso.

“Com o apoio, a segurança, a orientação e o incentivo de uma figura de apego cuidadosa e afectuosa, as crianças podem lidar melhor com o fracasso, persistir na tarefa apesar dos obstáculos, e inibir outros impulsos e distracções”, referiu Mikulincer.

Dessa forma, as crianças aumentam a sua tolerância a emoções negativas e desenvolvem capacidades preciosas para lidar com os problemas por conta própria.

Um processo semelhante ocorre na terapia. Passado algum tempo, os pacientes internalizam o afecto e a compreensão do seu terapeuta, transformando-o num recurso interno para obter força e apoio.

Uma voz nova e compassiva cintila na vida, silenciando a do crítico interno – ele próprio um eco de figuras insensíveis de apegos anteriores.

Mas esta transformação não é fácil. Como escreveu o poeta W H Auden em The Age of Anxiety (1947): ’Preferimos estar arruinados a mudar…’

É função do terapeuta é orientar os pacientes enquanto viajam por águas desconhecidas, ajudando-os a permanecer esperançosos e a persistir através da dor, tristeza, raiva, medo, ansiedade e desespero que possam ter de enfrentar.

Isso acontece não apenas através das conversas, mas também no silêncio.

De facto, de acordo com o psicólogo Allan Schore, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que estudou o apego do ponto de vista da neurobiologia nos últimos 20 anos, a mudança na terapia não ocorre tanto na comunicação verbal entre paciente e terapeuta, mas de uma maneira mais imperceptível – através de uma diálogo entre dois cérebros e dois corpos.

Talvez este modo de vinculação predomine nas terapias que procuram aprofundar as emoções.

 

A mãe sensível capta o estado mental e emocional do bebé e espelha-o. Desta forma a criança aprende a reconhecer a sua experiência interna

 

Mais uma vez, o processo espelha a boa prestação de cuidados no início da vida.

Muito antes da fala, mãe e bebé comunicam-se por meio de vias não-verbais – expressão facial, contemplação mútua, nuances vocais, gestos e toques.

A mãe sensível “lê” os estados emocionais do filho e responde apropriadamente através do seu próprio corpo.

Estas comunicações não-verbais, escreve Schore, são registadas e processadas pelo hemisfério direito do bebé, moldando os sistemas neuronais nascentes, envolvidos no processamento emocional e nas respostas automáticas ao stress.

Os sinais não-verbais da mãe são codificados como estratégias inconscientes implícitas que o hemisfério direito do bebé mais tarde activará inconscientemente para regular as suas emoções.

Mais uma vez, algo semelhante ocorre na terapia. O bom terapeuta sintoniza subconscientemente as emoções não verbalizadas; estados internos dos quais o paciente pode nem estar ciente.

Momento a momento, o terapeuta ajusta a sua própria linguagem corporal em resposta aos ritmos internos do paciente, envolvendo-os num tipo de dança na qual ambos os parceiros se sincronizam e se influenciam mutuamente.

De acordo com Schore, com o tempo, as comunicações não-verbais do terapeuta podem ficar impressas no hemisfério direito do paciente, examinando os padrões de coping guardados, e dando origem a padrões mais flexíveis e adaptáveis.

Para Fonagy, um factor igualmente fundamental na terapia para a restauração do bem-estar é a aprendizagem social.

Do ponto de vista da evolução, podemos estar desconfiados das outras pessoas, porque um viés negativo serve para a sobrevivência.

No entanto, para uma espécie intensamente social como a nossa, estar constantemente à defesa não é um bom presságio.

Como, então, confiamos, cooperamos e conectamos com as outras pessoas, além de nos protegermos da ameaça que elas podem representar?

 

O principal valor da psicoterapia reside no seu potencial de reavivar a nossa confiança epistémica

 

A teoria da pedagogia natural, proposta em 2011 por Gergely Csibra e György Gergely, professores de ciências cognitivas da Universidade da Europa Central em Budapeste, sugere uma resposta.

Nesta visão, a evolução criou um mecanismo sofisticado para relaxar a nossa vigilância natural, para que possamos aprender com os outros.

Para reconhecer fontes de informação relevantes e confiáveis, confiamos em certas pistas ou sinais visuais e verbais.

Na infância, escreve Fonagy em 2014, estes sinais são os mesmos que estão subjacentes a uma ligação segura (as vocalizações ‘maternais’, por exemplo).

Noutras palavras, os bebés estão preparados para confiar no cuidador sensível, que, por sua vez, os ensina a confiar nos outros e a navegar no mundo social.

Um estudo da Universidade de Harvard em 2009 mostra que crianças seguramente vinculadas são juízes exigentes e credíveis – confiam na mãe quando ela está a ser razoável, mas seguem os seus próprios julgamentos quando as posições desta são contrárias à realidade.

A segurança em si e nos outros transforma as crianças em adultos abertos a novas informações, confortáveis ​​com a incerteza e flexíveis para mudarem de opinião à luz de novos dados.

O oposto verifica-se para os que têm uma vinculação insegura.

As pessoas ansiosas tendem a distorcer os sinais sociais e exagerar as ameaças, e isso pode induzi-las a ver os seus parceiros como não confiáveis, solidários ​​ou desinteressados.

As pessoas com o padrão evitante de vinculação estão concentradas em proteger-se, o que pode fazer com que se agarrem a estereótipos negativos dos outros face a amplas evidências em contrário.

Por exemplo, no estudo de Mikulincer em 2003, casais avaliavam o comportamento dos seus parceiros ao longo de três semanas.

 

A angústia é transmitida do bebé para mãe, “metabolizada”, ou seja, pré-digerida, e devolvida ao bebé com menor intensidade e num formato que ele possa digerir.

 

Enquanto as pessoas ansiosas deram classificações mais altas quando os seus cônjuges eram objectivamente mais solidários, as pessoas com o padrão evitante inseguro falharam completamente em registar as mudanças positivas dos seus parceiros.

Aparentemente, o apego inseguro perpetua a nossa suspeita natural, mantendo-nos fechados e não receptivos a informações socialmente relevantes.

Fonagy chama a isto “desconfiança epistémica” e, para ele, pode ser o denominador comum de muitos problemas de saúde mental, explicando a sua gravidade e persistência.

O principal valor da terapia reside no seu potencial de reactivar a nossa confiança epistémica e impulsionar a capacidade de aprendermos com os outros no nosso ambiente social.

Ao restaurar a vinculação segura, a terapia reduz a nossa vigilância social e abre-nos a possibilidade confiar numa pessoa – o terapeuta – que eventualmente nos permite sair para o mundo e confiar nas outras pessoas.

A importância deste reconhecimento é tal que mesmo nas sessões de CBT, quando os terapeutas são bombardeados pelos sentimentos perturbados dos pacientes, eles mudam temporariamente o foco ou postura habitual para empatizar com o sentimento presente e depois voltam a enfatizar os temas cognitivos e controle racional da experiência emocional.

A restauração da vinculação segura foi o que aconteceu com Carrie.

Nas últimas sessões, ela percebeu que não estava realmente sozinha. Ela tinha um amigo em quem podia confiar e uma irmã que compartilhou as suas memórias de infância.

Não era que essas pessoas estivessem ausentes anteriormente; ela simplesmente não as estava a ver, ou talvez não pudesse confiar no que estava bem à sua frente.

Mas a sua crescente confiança – primeiro no terapeuta, depois na boa vontade do mundo e na sua própria capacidade de navegar – permitiu-lhe ver os outros, ‘mais como oportunidades de contacto social do que como ameaças’.

 

Passado algum tempo de terapia, os pacientes internalizam o afecto e a compreensão do seu terapeuta, transformando-o num recurso interno ao qual podem recorrer

 

A terapia de Carrie não a curou: o seu trauma era demasiado profundo. Mas ela foi salva. Agora estava pronta para viver e continuar o processo de cura.

Na sua última sessão, Carrie deixou um presente de despedida para o terapeuta – um mosquetão (anel metálico usado em desportos que usam cordas, como por exemplo, a escalada).

É assim que nas montanhas, dois alpinistas ficam presos/vinculados com segurança por uma corda, de modo que, se um escorrega, o vínculo impede o outro de cair no precipício.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Cradled by Therapy – Elitsa Dermendzhiyska

 

Procrastinação: dificuldade em gerir tempo ou emoções? Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Procrastinação: dificuldade em gerir tempo ou emoções?

A investigação tem procurado esclarecer se a procrastinação é uma dificuldade em gerir o tempo ou em lidar com as emoções.

Tim Pychyl, de Carleton University, no Canadá, e a sua colaboradora Fuschia Sirois, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, propuseram que a procrastinação é uma dificuldade em lidar com as emoções, e não o tempo.

Adiamos uma tarefa porque ela faz-nos sentir mal – talvez seja chata, complicada ou estamos com medo de não a conseguirmos fazer bem, ou seja, do fracasso – e para nos sentirmos melhor (nesse momento) começamos a fazer outra coisa.

Uma das primeiras investigações a relacionar as emoções com a procrastinação foi publicada em 2001 por pesquisadores da Case Western Reserve University, no Ohio.

Ao pedirem às pessoas que lessem histórias tristes (tarefa) induziram-lhes sentimentos negativos.

Posteriormente, verificaram que isso aumentava a sua tendência para procrastinar,

Isso levou os participantes a distraíram-se com quebra-cabeças ou a jogar videojogos em vez de se prepararem para o teste de inteligência que estava incluído na investigação e do qual foram previamente informados.

Estudos subsequentes da mesma equipa mostraram que os sentimentos negativos só aumentam a procrastinação se estiverem disponíveis actividades agradáveis para se distraírem, e apenas se as pessoas acreditarem que podem mudar o seu humor.

Em investigações onde os sujeitos não contemplavam possibilidade de alterar o seu humor, não se verificou um adiamento da tarefa.

 

A tendência a procrastinar está associada à dificuldade em lidar com as emoções

 

A teoria da regulação emocional da procrastinação faz sentido de forma intuitiva.

A perspectiva da procrastinação como regulador emocional ajuda a explicar alguns novos e estranhos fenómenos, como a moda de assistir a vídeos de gatinhos, que tiveram milhões de visualizações no YouTube.

Uma pesquisa envolvendo milhares de pessoas, efectuada por Jessica Myrick, da Universidade de Indiana, confirmou a procrastinação como um motivo comum para ver os vídeos de gatos e que vê-los levou a uma melhoria do humor.

A pesquisa de Myrick também destacou outro aspecto emocional associado à procrastinação – a culpa.

Muitos dos inquiridos sentiam-se culpados depois de verem os vídeos dos gatos.

Isso mostra como a procrastinação é uma estratégia de regulação emocional ineficaz.

Embora possa trazer alívio a curto prazo, ela apenas adia os problemas para mais tarde.

Em certos casos, ao retardar o trabalho as pessoas começam a sentir mais stress, culpa e frustração.

Talvez não cause admiração que a pesquisa de Fuschia Sirois tenha mostrado que a procrastinação sistemática está associada a uma série de consequências na saúde física e mental, incluindo ansiedade, depressão, infecções e doenças cardiovasculares.

Sirois acredita que a procrastinação tem estas consequências adversas através de duas vias:

  1. a) – É stressante continuar a adiar tarefas importantes e não cumprir os objectivos
  2. b) – A procrastinação geralmente retarda comportamentos saudáveis, tais como fazer exercício físico ou consultar um médico.

Ao longo do tempo, o stress elevado e a ausência de comportamentos saudáveis teem um efeito negativo na saúde.

Isto significa que superar a procrastinação pode ter um impacto positivo na vida das pessoas.

A pesquisa de Sirois sugere que “diminuir a tendência de procrastinar sistematicamente em 1 ponto [numa escala de 5 pontos de procrastinação] significaria (potencialmente) que o seu risco de ter problemas de saúde cardíaca se reduziria em 63%”.

 

A procrastinação é uma estratégia de regulação emocional ineficaz

 

Outro dado importante das pesquisas indica que aqueles que procrastinam mais tendem a ter uma inflexibilidade psicológica:

– definida como o domínio rígido de certas reacções psicológicas sobre os valores pessoais na orientação das acções.

O estudo de Nikolett Eisenbeck e seus colegas, publicado no Journal of Contextual Behavioral Science, indica que os níveis mais altos de procrastinação estavam relacionados com um elevado sofrimento psicológico.

Tanto a procrastinação como a angústia foram associadas à inflexibilidade psicológica.

Além disso, a inflexibilidade psicológica mediou a relação entre o sofrimento psicológico e a procrastinação.

Este papel mediador foi observado nos três estados emocionais negativos: depressão, ansiedade e stress.

Estes resultados indicam a existência de uma ligação entre que os estados emocionais negativos e a procrastinação.

Outras pesquisas, mas também a experiência vivida, mostram muito claramente que, uma vez começada uma tarefa, normalmente somos capazes de continuar. Começar não é tudo, mas pode ser uma grande ajuda.

Aborde os verdadeiros motivos pelos quais procrastina e é provável que comece a alcançar os seus objectivos de forma mais rápida e menos angustiante.

Pensamento mágico. Pedro Martins Psicólogo clínico Psicoterapeuta

Pensamento Mágico

O termo pensamento mágico designa o pensamento que se apoia numa fantasia de omnipotência para criar uma realidade psíquica …

Identificação Projectiva. Pedro Martins - Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Identificação Projectiva

Em situações desconfortáveis com outra pessoa, por vezes é difícil saber de onde vem o desconforto, de nós ou do outro. …

Adoecer Mentalmente. Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Adoecer Mentalmente

Adoecer Mentalmente: Durante bastante tempo podemos conseguir lidar suficientemente bem com as coisas. Conseguimos ir trabalhar …