Mês: <span>Outubro 2017</span>

psicólogo clínico psicoterapeuta

Por que a minha psicoterapeuta não me diz o que devo fazer?

Cara Psicoterapeuta,

Eu sou uma mulher que está prestes a completar os 30, e iniciou a psicoterapia pela primeira vez o ano passado. Eu iniciei porque se tornou evidente que aquilo que eu pensava ser apenas “eu” era realmente “eu com depressão“, e a terapia ajudou-me realmente a reconhecê-lo e a partir daí continuar a avançar. Agora, talvez pela primeira vez na minha vida, eu sei o que é não estar constantemente temperamental (eu pensava que isso era “normal”) e isso foi incrível. O meu argumento é que a terapia tem sido muito útil, até mesmo na forma como olho para a vida – excepto numa coisa.

Não entendo porque a minha terapeuta não me dá conselhos! Obviamente, não quero dizer constantemente, mas acho que em determinadas situações, ela poderia dizer-me o que pensa, mas não. Ela sabe que um dos meus problemas foi a falta de orientação enquanto crescia – que, basicamente, tive que descobrir tudo por minha conta porque os meus pais ou não sabiam o que aconselhar-me (por exemplo, deixaram a escolha do curso superior completamente para mim) ou deram-me conselhos inadequados (uma vez quase perdi um amigo depois de seguir um conselho quando eu era muito jovem para perceber que o conselho era muito mau).

Não é que os meus pais não sejam pessoas bem-intencionadas. Só que em muitas questões não souberam o que fazer. Eles tomaram sempre más decisões nas suas próprias vidas (algumas desastrosas, a ponto de quase perdermos a casa), então, quando se tratava da minha vida – amigos, namoro, faculdade, carreira – eu não tinha modelos ou orientadores nos meus pais como a maioria dos meus amigos.

Para ser justa com a minha terapeuta, eu entendo que já não sou uma criança e que ela quer que eu descubra as coisas sozinha como um adulto, e entendi isso – até certo ponto. Mas se é uma pergunta simples, algo prático ou algo que não é um problema psicológico profundo, porque é que ela não me diz o pensa? Estou a falar do tipo de perguntas que as pessoas da minha idade rotineiramente fazem aos seus pais: Faz sentido comprar uma casa agora, tendo em conta que a posso pagar, ou devo manter-me no meu apartamento arrendado até as coisas estarem mais assentes com a minha família? Ou se devo aceitar sair com um rapaz com quem uma colega de trabalho teve um relacionamento há mais de um ano, podendo ela ficar chateada?

Eu só quero saber o que ela sugeriria – não que eu, necessariamente, fizesse isso, mas pelo menos eu teria a opinião de um adulto estável em quem confio.

Uma vez que você é uma terapeuta com uma coluna num jornal onde dá conselhos, já alguma vez deu conselhos a pessoas em terapia? Você deve ter opiniões sobre se as pessoas devem terminar os relacionamentos, afastarem-se de um amigo, ou comprar uma casa agora ou esperar até as coisas assentarem. Alguma vez compartilhou coisas com os seus pacientes? E se não, por que não dar-lhes a sua perspectiva? Eu acho essa parte da terapia tão frustrante.

 

Atenciosamente,
Se Não for Pedir Muito (SNFPM)

 

 

Cara Se Não For Pedir Muito,

 

Adivinhe?! Vou dar-lhe alguns conselhos. Eis o que eu acho que você deve fazer:

1. Compre uma casa agora.
2. Saia com alguém.

Mas espere – antes de aceitar este conselho, deixe-me dar-lhe um último conselho: não aceite o meu conselho. Porque se fizer isso, é provável que acabe por ficar desapontada comigo como ficou com os seus pais. O meu conselho – como seus pais ou mesmo como sua terapeuta (caso ela dê) – pode ser bem-intencionado, mas não irá ajudá-la da maneira que imagina.

Por um lado, apesar das minhas boas intenções, qualquer coisa que eu sugira será mediada pelos meus próprios preconceitos e experiências de vida. Então, enquanto eu considero a sua situação e pensamos a sua vida, também é verdade que a aconselho a comprar uma casa, em parte porque comprei a minha primeira casa nos meus 30 e, em retrospectiva, gostaria de a ter comprado mais cedo. Noutras palavras, o meu conselho está condicionado pelas minhas crenças pessoais sobre questões imobiliárias. Da mesma forma, sugeri que você aceitasse o convite para sair, porque se fosse eu – se eu tivesse quase 30 anos e realmente gostasse de um rapaz e não fosse próxima da mulher que andou a sair com ele há mais de um ano – eu sairia com ele. Mas você pode ter ideias, valores e uma tolerância diferente para lidar com algumas coisas. O que pode ser uma boa ideia para mim pode ser um desastre para si. E, ao dar-lhe conselhos, eu poderia projetar os meus próprios valores e crenças em você, em vez de ajudá-la a construir uma noção mais profunda de si própria.

Haverá sempre uma distância entre o que o psicoterapeuta pode aconselhar e o que é melhor para o paciente. Um terapeuta pode ver um casal e achar que eles devem divorciar-se, mas algumas pessoas preferem estar num casamento altamente conflituoso do que estarem sozinhas, não importa o quanto o terapeuta possa defender pessoalmente que é melhor estar sozinho por um tempo do que num casamento altamente conflituoso, onde o parceiro se recusa a mudar. A vida dos nossos pacientes tem que ser vivida por eles, e não por nós.

Ainda assim, não está sozinha ao querer que a sua terapeuta lhe diga o que fazer. Ao longo do tempo colocaram-me todo o tipo de perguntas: que profissão uma pessoa deveria escolher, se deveria ter outro filho ou congelar os óvulos, e se deveriam ir passar férias a casa da sua família caótica, ou fazer algo mais agradável em vez disso. E quando eu não correspondo a esse desejo sinto que estou sadicamente reter a “resposta” que, na sua opinião, poderia fornecer facilmente, e assim, resolver o seu problema premente.

Uma das surpresas que ser terapeuta me trouxe foi a frequência com que as pessoas querem saber exactamente o que fazer, como se eu tivesse a “resposta correcta” – ou como se as respostas “correctas” ou “erradas” existissem para a maior parte das escolhas que nós fazemos no nosso dia-a-dia. A minha formação como terapeuta prepara-me para compreender as pessoas e ajudá-las a decidir o que querem fazer, mas não posso fazer certas escolhas por elas. Eu não sou uma especialista em imóveis, consultora de orientação profissional ou, o mais importante, adivinha. Parte do que as pessoas querem dos meus conselhos é o alívio da incerteza – se o meu terapeuta diz X, eu não tenho que lidar com minha ansiedade em torno da dúvida. Mas se existe uma coisa certa na vida é a incerteza, e a incapacidade de tolerar a incerteza do que acontecerá se decidirem que X ou Y ou Z impede as pessoas de tomarem decisões.

Aprender a diminuir a velocidade e a reflectir sobre as escolhas e antecipar as possíveis consequências das nossas acções ajuda a diminuir a ansiedade a longo prazo. Receber conselhos de um terapeuta alivia a ansiedade no momento, mas não vai perdurar.

No início da minha formação, senti uma tremenda pressão para dar um conselho de tipo benigno (pelo menos foi o que pensei), até que percebi que as pessoas ficavam ressentidas de lhes dizerem o que fazer. Sim, elas podem perguntar – repetida e categoricamente – mas depois de se lhes realmente responder, o seu alívio inicial é muitas vezes substituído pelo ressentimento. Isso acontece mesmo que as coisas corram bem, porque, em última análise, os seres humanos querem ser responsáveis pelas suas vidas, e é por isso que as crianças passam a infância a implorar para que as deixem tomar as suas próprias decisões, em vez de que as tomem por elas.

Mas se você foi um certo tipo de criança, uma criança como você, SNFPM, uma criança que teve que tomar decisões por si mesma antes de estar pronta – ou porque ninguém lhe ofereceu, ou você não podia confiar nos conselhos que lhe davam – a tomada de decisão com as implicações que a acompanham pode gerar muita ansiedade. Em vez de procurar mais autonomia no caminho da vida adulta, esse tipo de criança provavelmente irá crescer pedindo que essa liberdade lhe seja retirada.

Então, você pergunta ao seu terapeuta: devo fazer isto? Devo fazer aquilo? Vá lá, diga-me: o que você faria?

Por trás destas questões reside a suposição de que a sua terapeuta é um ser humano mais competente do que você. O pensamento é: quem sou eu para tomar decisões importantes na minha vida? Estou realmente qualificada para isso? A sua terapeuta, por outro lado, é considerada especialista, o pai substituto, “Aquele que a Conhece Melhor”. E você é a criança no corpo adulto que fantasia sobre o quão agradável seria sentir-se livre de toda a responsabilidade e deixar um adulto ficar com o peso de fazer as escolhas difíceis. Mesmo que corra mal, ter outra pessoa a decidir parece mais seguro. Que alívio poder culpar outra pessoa por uma decisão errada, de modo que a dor de uma má decisão não seja amplificada por ter sido a única pessoa responsável pelo erro. (Nesse sentido pensa: Oh, Deus, eu sou como os meus pais – tomo decisões horríveis!)

Isso é um tipo de proteção enganadora, porque o conselho do seu terapeuta na verdade, fará com que se sinta com raiva e insegura. Você pode implorar e até persuadir o seu terapeuta, às 7 da tarde de uma longa sexta-feira, a oferecer-lhe o conselho que deseja. E sua primeira reação pode ser: Finalmente! Inicialmente, você pode sentir-se apoiada e cuidada de uma forma que não sentiu com os seus pais.

Mas o que você pode fazer com essa pepita, esse presente terapêutico, esse tão desejado conselho? Apesar de obter exactamente o que você pediu, pode não o pôr em prática. Pode procrastinar, arranjar todo o tipo de desculpas pelas quais ainda não avançou. Então, vai sentir-se mal por ainda não o ter concretizado. E vai começar a pensar, eu sinto-me mal porque a minha terapeuta me fez sentir mal ao tentar dizer-me o que fazer. Como ela ousa! Eu não vou fazer isso só porque ela me disse para fazer. Quem é ela para mandar em mim? E você vai sentar-se no sofá todas as sextas-feiras às sete, sem lhe dizer que não fez o que ela sugeriu, porque está ressentida por ela se intrometer, por fazer você sentir que sua própria opinião não tem valor; e, acima de tudo, você será consumida pela vergonha que sente por desagradá-la ao não fazer o que ela quer. Em tudo isto há uma inversão, pois, na verdade, a sua terapeuta só lhe deu um conselho para lhe agradar a si, e não a ela. No final, ninguém está feliz.

É por isso que receber conselhos não é a solução para os seus problemas, SNFPM. Subjacente a todo esse “empurrão” sobre o que fazer com o seu apartamento e com o rapaz que a convidou para sair, e as dezenas de outros conselhos que você pode ter tentado obter, está a esperança da sua terapeuta de que você a deixará. Não agora, mas quando estiver pronta, e o objectivo dela em cada sessão é ajudá-la a “preparar-se”. Desde o primeiro dia, pensamos em como ajudar os nossos pacientes a deixarem-nos, não porque não nos preocupamos, mas porque é o que nós fazemos. Nós não queremos que você tenha que fazer um grande esforço para se libertar. Queremos que você aprenda a confiar em si mesma. Queremos que você pare de nos pedir para brincar ao Deus com sua vida porque não somos deuses. Somos mortais que fazemos o nosso melhor para entender os nossos modelos e tendências, a nossa dor e os nossos anseios, para que possamos assumir a responsabilidade pelas nossas vidas. E queremos que você faça o mesmo.

Até certo ponto, todos nós travamos essa batalha interna: criança ou adulto? Segurança ou liberdade? E não importa onde nos posicionamos nesse continuum, em última análise, cada decisão que tomamos é baseada em duas coisas: medo e amor. Às vezes ganha o medo, às vezes o amor, e às vezes é sensato ouvir o medo, e outras vezes o amor. Se há uma coisa que a sua terapeuta está a tentar mostrar, é como distinguir os dois. E ela mostra-o através da prática da escuta para que você possa usar os seus sentimentos como uma bússola para a orientar na melhor direcção possível.

Os terapeutas podem não dar conselhos, mas damos orientação. E se há uma coisa que seu psicoterapeuta sabe, é que as verdades mais poderosas – as que as pessoas tomam mais a sério – são aquelas que elas obtiveram por conta própria.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

“Why Won’t My Therapist Just Tell Me What to Do?” – Lori Gottlieb

 

 

Insónias Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Insónias

Insónias: Sonhar é pensar. Como se diz muito sabiamente, não se pode sonhar sem pensar. Não se pode dormir sem sonhar, como não se pode pensar sem sonhar.

O sonho é a base de tudo, porque é aquilo que está na base de todos nós, na base do pensamento, na base do imaginário.

Sonhar é muito importante para resolver certos problemas, entre os quais os medos.

Um pesadelo é um sonho que é tão insuportável que a pessoa acorda, ou seja, faz intervir o corpo, faz intervir os movimentos, faz intervir a consciência.

O pesadelo pode ser considerado um sonho falhado;

um sonho que não se consegue levar até ao fim, em que a pessoa não consegue dar uma solução satisfatória para aquele problema. Daí que muitas vezes se repita até se encontrar a solução.

Insónias: Não se pode dormir sem sonhar.

Para João dos Santos, as insónias é sempre, seja qual for a justificação que se dê, a presença de uma situação de angústia que não foi completamente resolvida:

“A insónia significa o medo de ter um pesadelo, ou seja, o medo de sonhar.

E, portanto, se a pessoa está acordada, diz que não consegue dormir, porque está a fazer contas para saber como é que vai pagar a dívida no dia tantos e tal, mas não creio que seja isso.

Isso é um álibi que justifica uma angústia que eu não sei qual é.

O que eu sei é que não são os melhores remédios para a insónia que a curam. Ou, se curam, fazem-no de uma forma artificial e pouco saudável porque uma grande parte dos medicamentos que se tomam para dormir inibem também a função do sonho.

Hoje já há medicamentos que permitem dormir e sonhar.

Os farmacologistas já descobriram isso, mas, de qualquer forma, a maneira mais saudável de dormir é realmente sonhar, é a pessoa ser capaz de acabar de sonhar, porque então o seu pensamento evolui.

A insónia começa por ser realmente uma história qualquer que a pessoa tem para pensar e que é incómoda, que é desagradável, que é triste, e depois, quando as pessoas já estão há muito tempo sem dormir, acabam por ter medo de não dormir, Parece uma contradição, não é?

A insónia é o medo de não dormir. Porque, quando se adormece, sonha-se, e o sonho pode ser mau.”

psicoterapeuta pedro martins

Sonhar Acordado

Tendemos a nos repreender por olhar pela janela. Devias estar a trabalhar, a estudar, ou a fazer uma lista de tarefas. Pode parecer quase uma definição de tempo desperdiçado. Parece não produzir nada, não ter um propósito. É equiparado ao tédio, à distracção e à futilidade. O acto de colocar o queixo nas mãos junto de uma janela e deixar os olhos vaguear não goza de muito prestígio. Não andamos a dizer: “Eu tive um excelente dia: o ponto alto foi olhar pela janela”. Mas talvez numa sociedade melhor, esse é o tipo de coisa que as pessoas diriam umas às outras.

A questão do olhar através de uma janela é, paradoxalmente, não descobrir o que está a acontecer lá fora. É, antes, um exercício para descobrir o conteúdo das nossas próprias mentes. É fácil imaginar que sabemos o que pensamos, o que sentimos e o que se está a passar nas nossas cabeças. Mas raramente o fazemos inteiramente. Há uma grande parte daquilo que somos que circula inexplorado. O seu potencial está por explorar. É uma parte tímida que não surge sob a pressão do questionamento directo. Quando nos deixamos levar, o olhar pela janela oferece uma maneira de ouvir as sugestões mais silenciosas e as perspectivas das nossas partes mais profundas.

Platão sugeriu uma metáfora para a nossa mente: as nossas ideias são como pássaros pulsando na passareira dos nossos cérebros. Mas, para que as aves se estabelecessem, Platão entendeu que precisávamos de períodos de calma, livres de um propósito. Olhar pela janela oferece essa oportunidade. Nós vemos o mundo acontecer mas não precisamos de responder; não temos uma intenção particular e, portanto, as nossas partes mais profundas têm a possibilidade de serem ouvidas, como os sinos das igrejas, quando a cidade adormece.

O potencial de sonhar acordado não é reconhecido pelas sociedades obcecadas com a produtividade. Mas algumas das nossas maiores ideias surgem quando deixamos de nos sentir pressionados e, em vez disso, respeitamos o potencial criativo do devaneio. Sonhar acordado é uma rebelião estratégica contra as pressões imediatas (mas, de facto, insignificantes) – em favor da busca difusa, mas muito séria, do nosso Self.

psicoterapeuta

A importância da Vulnerabilidade

Há aspectos nossos que ao serem expostos a uma crítica pouco simpática podem resultar em humilhação.

Visto de perto nenhum de nós é impressionante. Ficamos acanhados, agitados, irritáveis e mal-humorados.

Sobre a pressão de certas situações gritamos, batemos com as portas e deixamos sair os nossos lamentos.

Vamos contra portas de vidro e damos quedas aparatosas na rua, aumentando a nossa colecção de episódios constrangedores.

Estamos constantemente preocupados como os outros nos vêem.

Desejamos o amor, mas somos distantes e pouco sensíveis com aqueles que nos são próximos.

Somos desajeitados nos nossos esforços para seduzir e dignos de pena na busca de atenção.

Os nossos corpos estão cheios de minudências e vulnerabilidades. De certos ângulos somos verdadeiramente embaraçosos.

Lutamos para esconder todas essas coisas. O nosso idiota interno é monitorizado com muito cuidado e implacavelmente silenciado.

Aprendemos desde os primeiros anos que a prioridade, quando se trata de vulnerabilidade, é disfarçá-la completamente. Sem arrependimento usamos o que podemos para parecer serenos, para apagar evidências das nossas tontices e para tentar aparentar sermos muito mais “normais” do que achamos que somos.

Estamos constantemente preocupados como os outros nos vêem.

Estamos, compreensivelmente, muito focados nas partes más da vulnerabilidade.

No entanto, a vulnerabilidade tem lados muito profundos e significativos.

Há momentos em que revelar fraquezas, longe de ser uma catástrofe, é a via para criar uma conexão.

Em certas situações podemos arriscar explicar, com rara franqueza, que estamos com medo, que às vezes nos sentimos mal e que fizemos muitas coisas disparatadas.

E ao invés de afugentarmos o outro, essas revelações podem servir para que nos vejam como mais humanos e, quem sabe, sentir que as suas próprias vulnerabilidades têm eco na vida dos outros.

Noutras palavras, as vulnerabilidades podem ser a primeira pedra de uma amizade, uma amizade propriamente dita, e não apenas um processo de admiração mútua, como troca de simpatias e consolos perante as dificuldades da vida.

Também há, é claro, formas más de lidar com a vulnerabilidade:

– Quando de forma agressiva impomos aos outros ajuda, ou quando as nossas falhas se repetem constantemente, ou quando ficamos mais perto da raiva ou da histeria, do que da tristeza e da melancolia.

A vulnerabilidade tem lados muito profundos e significativos.

A boa vulnerabilidade não espera que a outra pessoa resolva as nossas dificuldades.

Nós deixamos que eles vejam uma parte complicada de quem somos, simplesmente, na esperança que eles se sintam encorajados e mais confortáveis com eles mesmos para mostrar as partes que costumam esconder.

A boa vulnerabilidade é fundamentalmente generosa:

– Precisa do primeiro passo para ser revelada, assim como para torná-la mais segura para que as outras pessoas possam libertar-se e revelar algo do seu próprio Eu. É um presente em forma de um risco tomado por outra pessoa.

Para além disso, mostrar a vulnerabilidade é uma forma curiosa de mostrar quem nós somos, pois apesar das coisas embaraçosas, estamos longe de sermos vistos como ridículos ou dignos de pena.

Somos, pelo contrário, fortes o bastante para sermos fracos.

Deixamos que os nossos disparates e idiotices, a nossa raiva e a nossa tristeza sejam vistas, com a confiança de que essas características não têm que ser o veredicto final de quem nós somos.

É uma pequena tragédia gastar tanto tempo das nossas vidas a lutar para esconder as fraquezas, quando compartilhar abertamente a nossa vulnerabilidade é a via para que a amizade e amor possam acontecer.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins
A partir de Alain de Botton “The importance of vulnerability”

psicólogo clínico psicoterapeuta

A Confiança

Uma das razões pela qual a nossa confiança falha está em nos sentirmos muito ansiosos com a possibilidade de perda da nossa dignidade.

Há muitas situações que podem ser bastante interessantes e divertidas, mas também representam um perigo palpável de fazermos figura de parvos.

Se tentarmos beijar alguém, pode ser o começo de algo fantástico, mas também existe o risco que se afastem e pensem que somos idiotas por estupidamente termos presumindo que poderiam estar interessados em nós.

Se formos sozinhos a uma festa onde não conhecemos ninguém, podemos acabar por ter uma noite agradável – mas também é possível que nos sintamos muito sozinhos.

Podíamos em consciência pedir um aumento ou uma promoção, mas algumas pessoas seniores podem ver no nosso pedido um sinal de que estamos errados na avaliação do nosso mérito.

Quando dizemos que nos falta confiança, o que muitas vezes queremos dizer é que normalmente desistimos de oportunidades atractivas, mas incertas, de modo a evitar um possível golpe no nosso orgulho.

O nosso medo decorre da ideia comovente de que precisamos proteger a nossa dignidade para viver bem.

A imagem mental de nós mesmos é de que não somos idiotas – e, portanto, seria terrível se os outros começassem a pensar que somos.

Mas o facto estranhamente útil é que nós definitivamente já somos tontos.

Não porque haja algo particularmente estranho sobre nós como indivíduos: esta é apenas uma verdade básica sobre estar vivo.

É claro que somos estimulados por impulsos irracionais.

É claro que queremos coisas que não vamos conseguir.

Obviamente vamos perder coisas e fazer observações das quais mais tarde nos arrependeremos.

Inevitavelmente, interpretaremos mal certas situações e deixaremos os outros a pensar que somos estranhos.

Isso é o que acontece de forma regular se temos um cérebro humano que vagueia pelo mundo e interage com outras pessoas.

Para a pessoa com pouca confiança, o caminho para diminuir a ansiedade é a admissão firme e inteligente de que já somos tontos e, portanto, temos pouco a perder.

O pior que pode acontecer é os outros reconhecerem o que já reconhecemos como verdade. Assim não seremos afrontados por um ataque à nossa auto-imagem, teremos apenas a confirmação do que sabemos muito bem desde o início.

E – se nós assumirmos o risco – às vezes as coisas vão correr a nosso favor:

– O nosso pedido de promoção será recebido com um sorriso caloroso, faremos um novo amigo, e quem sabe, receberemos aquele beijo.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins
a partir de “On Confidence” – Alain de Botton

não pensar

Pensar demasiado e Pensar muito pouco

Pensar em nós – nos nossos sentimentos, no nosso passado, desejos e esperanças – é uma tarefa extremamente complicada, daí que se gaste muita energia a tentar evitá-lo.

Mantemo-nos afastados de nós porque muito do que podemos descobrir pode ser doloroso.

Podemos descobrir que no fundo estamos profundamente furiosos e ressentidos com certas pessoas que deveríamos gostar muito.

Podemos descobrir a existência de muito espaço para nos sentirmos inadequados e culpados em virtude dos erros e dos julgamentos que fizemos.

Podemos descobrir que embora desejássemos ser pessoas honestas, respeitadoras da lei, abrigamos fantasias que entraram em direcções terrivelmente opostas.

Podemos reconhecer o quanto precisamos alterar as nossas relações e carreiras.

Nós não só temos muito a esconder, como somos mestres do embuste.

Faz parte do ser humano sermos auto-enganadores de forma muito natural. Usamos muitas técnicas e de forma quase imperceptível.

Duas delas merecem destaque particular: o nosso hábito de pensar demais. E a nossa propensão para pensar muito pouco.

Quando pensamos demais, em essência, estamos a preencher as nossas mentes com ideias capazes de impressionar, que anunciam manifestamente a nossa inteligência ao mundo, mas subtilmente dá-nos a garantia de que não teremos muito espaço para redescobrir sentimentos confusos que estão muito longe e, sobre os quais, o desenvolvimento das nossas personalidades, no entanto, repousa.

Escrevemos livros densos sobre o papel dos laços governamentais nas guerras napoleónicas ou publicamos extensivamente sobre a influência de Chaucer no romance japonês do meio do século XIX. Obtemos diplomas em instituições de renome ou cargos em conselhos editoriais de revistas científicas.

As nossas mentes estão abarrotadas de informações encobertas. Podemos falar das coisas mais singulares, mas não nos lembramos muito de como era a nossa vida lá para trás, a nossa antiga casa, quando o pai se foi embora, a mãe deixou de sorrir e a nossa confiança partiu-se em pedaços.

Nós implantamos conhecimentos e ideias que possuem um prestígio indubitável para proteger o surgimento de um conhecimento mais humilde, mas essencial, do nosso passado emocional.

Enterramos as nossas histórias pessoais sob uma avalanche de saberes.

A possibilidade de uma análise íntima e profundamente consequente é deliberadamente deixada por parecer fraca e supérflua comparada com a tarefa supostamente mais grandiosa de abordar uma conferência sobre as estratégias militares de uma tribo africana ou sobre o ciclo de vida do polvo indonésio.

Nós recostamo-nos no glamour de ter aprendido a garantir que não precisamos aprender muito daquilo que dói.

Quanto ao nosso hábito de pensar muito pouco.

Aqui, nós fingimos que somos mais simples do que realmente somos e que muita psicologia pode ser absurda, e demasiado barulho para nada.

Apoiamo-nos numa versão robusta de senso comum para evitar indícios da nossa incomum complexidade.

Concluímos que não pensar muito é, na base, evidência de um tipo superior de inteligência.

Entre nós ridicularizamos os relatos mais complexos da natureza humana.

Nós consideramos os caminhos do conhecimento pessoal como excessivamente extravagantes ou estranhos, implicando que, levantar a tampa da vida interior nunca poderia ser frutífera.

Usamos o humor prático das 9 da manhã de segunda-feira para afastar os insights complexos das 3 da manhã.

Implantando uma atitude de vigoroso bom senso, esforçamo-nos para que os nossos momentos de inquietação profunda pareçam aberrações – e não ocasiões fundamentais de compreensão.

Compreensivelmente ansiamos que as nossas personalidades não sejam intrincadas, pelo contrário: sejam simples e facilmente compreendidas.

Assim rejeitamos o estranho, mas ao mesmo tempo, factos muito úteis sobre o nosso intrincado Eu real.

A defesa da honestidade emocional não tem nada a ver com elevada moral. É, em última instância, cautelosa e egoísta.

Precisamos ser mais sinceros connosco próprios porque pagamos um preço muito alto pelas nossas mentiras. Através das nossas decepções, separamo-nos das possibilidades de crescimento.

Nós desligamos grandes partes das nossas mentes e acabamos desinteressantes, rabugentos e defensivos, enquanto os outros ao nosso redor têm que sofrer a nossa irritabilidade, melancolia, alegria fabricada ou racionalidades defensivas.

A nossa negligência com os lados estranhos de nós mesmos abrange o nosso próprio ser, aparecendo em forma de insónia ou impotência, gagueira ou depressão; vingança por todos os pensamentos que temos tido tanto cuidado para não ter.

O auto-conhecimento não é um luxo, mas uma condição prévia para a sanidade e para o conforto interno.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins
a partir de “Thinking Too Much; and Thinking Too Little”

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