Mês: <span>Novembro 2016</span>

clínica

Psicoterapia vs. Fast-Therapy

Psicoterapia versus Fast-Therapy

Como terapeuta sou procurado por pessoas que têm um problema concreto para resolver, outras que se encontram num sofrimento agudo, mas também sou contactado por muitas que não estão satisfeitas com a forma como a vida corre.

São pessoas que tendo condições para ter uma vida melhor, não conseguem usufruir das relações afectivas, do estatuto profissional conquistado ou da situação financeira desafogada. Neste caso procuram na psicoterapia ajuda para compreender o seu mal-estar, o que está “errado” com elas.

Também há quem procure na terapia uma forma rápida de livrar-se do mal-estar. Na versão fast-therapy, não há muito espaço para questionar nem para compreender. Desejam libertar-se com a maior rapidez e de preferência, sem reflexão, daquilo que as faz sofrer.

Bastam cinco minutos para enumerarmos várias contrariedades, receios e angústias que ultrapassámos. Coisas que precisaram de tempo. Coisas que fazem da vida, aquilo que ela é, e, de nós, aquilo que somos.

O meu pai guardava com algum zelo uma bola de futebol que trazia da sua adolescência, até que um dia, muito menos zeloso, entre chutos e cabeçadas, cheguei a casa sem ela. Não me disse grande coisa, mas a tristeza nos olhos dele perdurou em mim uma eternidade. A culpa desmesurada que sentia ultrapassava a dimensão do que uma criança deve sentir numa situação daquelas. Provavelmente, a culpa não vinha só da perda da bola, mas era a parte mais visível.

Se pensarmos porque nos sentimos culpados mais facilmente ultrapassamos os sentimentos de culpa. Quando deixamos de nos interrogar estamos a paralisar o processo contínuo de crescimento, e a perder a oportunidade de retocar aspectos da nossa personalidade.

Aquela bola não volta mais, mas poder olhar para o meu pai sem me sentir culpado, poder jogar com ele com outra bola, – que não substitui a antiga, mas que está investida do mesmo afecto -, permite que o “jogo” possa continuar. Após um trambolhão, levantarmo-nos e voltar-mos ao jogo, é tudo o precisamos.

 

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A escolha de um terapeuta no Google

As ondas provocadas pelo artigo publicado no New York Times – What brand is your therapist?, onde Lori Gottlieb dá conta das dificuldades no exercício da sua profissão de terapeuta, têm-se feito sentir na comunicação social e noutros espaços ligados aos “psis”.

Após a sua formação Lori tinha a expectativa de poder estabelecer-se, iniciar a sua prática clínica e colher os frutos do investimento pessoal e financeiro: satisfação no trabalho e remuneração justa. Não foi preciso muito tempo para que as suas expectativas fossem goradas pela falta de pacientes que, concluiu, se alargava até aos terapeutas mais antigos e experientes. Isso, devia-se em parte, às seguradoras que tinham deixado de reembolsar os gastos com as terapias.

Uma nova realidade esperava por Lori; Branding consultants for therapists. Vários colegas seus tinham recorrido ao auxílio de branding consultants para através de estratégias de marketing conseguirem distinguir-se dos concorrentes, tornando-se visíveis ao grande público.

No meio de um conflito entre questões técnicas e éticas acabou por procurar um destes profissionais. Segundo ele, as pessoas já não estavam interessadas nas terapias convencionais, desejavam soluções rápidas e fáceis para os seus problemas e, estavam susceptíveis a propostas mais atraentes. Os terapeutas generalistas – old-school – estavam ultrapassados e o que atraía as pessoas eram especialistas, por exemplo, em cyberbullying e sexting.

Para além disso, para evitar ser considerado frio e distante, era sugerido que o terapeuta, juntamente com o anúncio da actividade profissional, expusesse a sua vida pessoal na redes sociais, principalmente os seus problemas, para que os pacientes se identificassem com eles e assim criassem uma proximidade.

O artigo de Lori é extenso e merece uma leitura atenta porque foca aspectos até aqui pouco abordados e com enormes implicações. Acredito que a escolha de um terapeuta no Google passe pela capacidade de sedução da mensagem, seja através da falsa intimidade ou pelo milagre prometido, e, quiçá, uma atraente foto da terapeuta numa praia das caraíbas, mas temo que o processo nasça inquinado.

Se o terapeuta estiver mais interessado nos seus proveitos financeiros do que no paciente, então, aconselho uma profissão mais leve e rentável. Isto não implica que se ignore o drama que se está a colocar aos terapeutas, que tanto investiram na sua formação para estarem aptos ajudar e se vêem numa situação desesperante. No entanto, há limites, não vale tudo.

Os terapeutas, para além de serem pessoas como as outras e terem que pagar as suas contas, têm também a responsabilidade de impedir, no mínimo, não contribuir, para que as psicoterapias passem a ser vistas como fórmulas/produtos de consumo, propiciadores de bem-estar imediato e constante, negando a realidade numa atitude delirante.

Desde os tempos idos do início das psicoterapias, mérito seja dado a Freud, até hoje, várias mudanças se verificaram. Actualmente, sabe-se que o poder “curativo” está na relação – autêntica – com o outro. Os estudos com bebés mostram que desde o nascimento, aquele pequeno “Ser” procura o outro – a relação –. É a partir do outro que verdadeiramente se nasce e se faz o homem.

Mascarada de múltiplas formas, lá está, a patologia dos nosso dias – o vazio -. A ilusão do preenchimento para esconder a incompletude fornecida por qualquer gadget é efémera, dura até sair o modelo seguinte.

As responsabilidades não devem ser atribuídas exclusivamente à publicidade que vende prazer imediato e a fantasia de que tudo é possível com um cartão de crédito, elas são também de todos nós que fomos sendo alegremente corrompidos pelo desenfreado consumismo como forma de alienação.

Se tiver que ficar para trás por não acompanhar os novos tempos, ficarei. Ficarei com as minhas convicções, com aquilo que acredito e do lado certo da história.

(Post publicado originalmente em 2012)

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