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tendências suicidas

Tendências suicidas tratadas em Psicoterapia

O caso de uma paciente com tendências suicidas tratada em psicoterapia

A Sra. F. recorreu à medicação como substituto da falta de “apoio” das pessoas, quando começou a sentir que a sua auto-suficiência começava a desmoronar. Ela necessitava que alguém lhe desse mais do que qualquer um parecia poder dar-lhe. Portanto, tornou-se cada vez mais dependente da medicação como substituto para essa situação. No fim tentou suicidar-se com uma dose excessiva de comprimidos – e (inconscientemente) punir aqueles que falharam em ficar do seu lado quando mais precisava deles.

A Sra. F. (50 anos) foi-me enviada pelo hospital depois de uma tentativa de suicídio. Por pouco não morreu. Ocorreu num período em que se sentia muito angustiada e via aqueles que a rodeavam afastarem-se do contacto com o que ela estava a sentir.

Quando comecei a segui-la, disseram-me que existiam razões de ordem prática pelas quais ela só poderia vir uma vez por semana. Ela continuava medicada para os seus estados de ansiedade e insónia; e continuava com dificuldades para dormir. Mesmo quando conseguia dormir, acordava regularmente com crises de ansiedade que costumavam chegar ao ponto do terror.

Numa determinada sessão a Sra. F. pediu-me para eu falar com o psiquiatra que a enviou para mim para que ele mudasse ou aumentasse a medicação, dizendo que precisava tomar alguma coisa para amenizar aqueles sentimentos que estavam, outra vez, a tornar-se insuportáveis. Estava convencida que nem eu nem o Dr. Y (psiquiatra) tínhamos noção dos horrores que ela passava todos os dias. E não existia nada que melhorasse essa situação. Lamentava profundamente que no hospital tivessem conseguido salvar a sua vida.

Concordei em discutir o problema com o Dr. Y, mas não prometi qualquer mudança na sua medicação. Disse-lhe que não estava convencido de que era de mais comprimidos que ela, realmente, precisava.

Paciente: “Você, obviamente, não entende. Não está a ver que é insuportável? Você tem que fazer alguma coisa. Eu, simplesmente não posso continuar a viver com esta ansiedade e estes terrores, e sem conseguir dormir. EU PRECISO DE MAIS COMPRIMIDOS.”

Terapeuta:Vejo que existe algo de que você precisa mais. Não creio que sejam comprimidos, mas, sim, o que eles estão a substituir. Acredito que em certas alturas você precisou de uma pessoa que estivesse mais disponível para você, mas sentiu essa pessoa relutante ou incapaz de enfrentar a intensidade dos seus sentimentos. Então, em vez disso, você tem procurado sufocar esses sentimentos com comprimidos.”

Paciente: “Eu não posso continuar assim. Você tem que pedir ao Dr. Y que me dê mais comprimidos, ou mais fortes.”

Terapeuta: “Vou falar com o Dr. Y; mas gostaria de sugerir que você considerasse vir mais vezes esta semana. Poderia vê-la 3 vezes por semana se você estivesse preparada para vir.”

A Sra. F. disse que viria a uma sessão extra. Entretanto falei com o Dr. Y, que concordou que seria um retrocesso ceder ao pedido de aumentar a medicação. Estava claro que ela era depende da eliminação dos seus sentimentos., em vez de ousar experimentá-los e partilhá-los com outra pessoa de modo a compreendê-los.

Três dias depois a Sra. F. veio à sessão. Estava mais calma e parecia um pouco embaraçada. Explicou o que acontecera.

Depois da última sessão, emergiram várias coisas. Ela tinha separado o segundo comprimido para tomar depois da meia-noite se não conseguisse dormir (como era seu hábito fazer). De manhã viu que tinha dormido sem necessidade do comprimido.

Contou-me, então, sobre um período da sua infância, quando tinha cerca de três anos e a sua mãe estava ocupada com a irmã mais nova. A Sra. F. costumava ir a uma loja na esquina de onde morava, e o homem que ficava atrás do balcão tinha por hábito dar-lhe um chupa. A sua mãe não concordava e costumava tirá-lo, mas o homem da loja dava-lhe outro sempre que ela pedia.

Sugeri à Sra. F. que os chupas que o homem lhe costumava dar representavam a sua mãe, de quem ela estava a precisar, mas tendo que abrir mão. Parecia que a mãe não reagia aos sinais de angústia que a Sra. F. apresentava quando buscava os chupas como forma de dizer à mãe que precisava de mais tempo com ela. Então, quando a mãe lhe tirava os chupas sem lhe dar mais atenção a Sra. F. pode ter começado a sentir que aquilo que ela precisava era de mais chupas. Querer mais comprimidos agora era como querer mais chupas para a criança ansiosa que existia dentro dela.

A Sra. F. contou-me então que se surpreendera com uma lembrança na noite em que dormiu sem o comprimido extra. “Era tão nítida que parecia uma experiência real do presente.” Ela teve a sensação de estar na cama com a sua mãe (o que acontecia por vezes quando era pequena) e de sentir “as costas grandes e fortes” da mãe ali ao lado dela. Essa costumava ser uma das suas experiências infantis mais felizes; ser capaz de ficar perto da mãe quando dormia.

Eu disse que essa pode ter sido das poucas vezes em que ela se sentiu capaz de se abrigar na mãe. De fazer-lhe exigências ocultas enquanto esta dormia, já que não havia perigo de a mãe a censurar ou de se afastar dela. A Sra. F. concordou e começou a chorar. Tornou-se, então, evidente que encontrava alívio em relação à angústia primeva ao ser capaz de expressar a situação através do choro na presença de alguém que estava preparado para ficar em contacto com o que ela estava a sentir.

Toda a vida a Sra. F. fora considerada uma pessoa forte e auto-confiante; em quem toda a gente se podia apoiar. Ela sentia que não poderia nunca deixar alguém conhecer o seu Eu assustado e dependente. Em vez disso, geralmente tentava escondê-lo, a fim de preservar algum contacto com os outros, pois sabia, por experiência própria, que a abandonavam quando mostrava sinais de carência. Usava a medicação para encobrir essa parte. Quando a supressão não era suficiente para bloquear os seus sentimentos, aumentava a dose a ponto de quase se bloquear a si mesma. A sua tendência para o suicídio era, então, uma tentativa de eliminar os sentimentos que não conseguia dominar sozinha.

Se eu tivesse seguido o próprio diagnóstico da Sra. F., de que as pessoas não podiam lidar com ela quando se sentia mais carente, e que, portanto, ela precisava de medicação mais forte, eu estaria a ser conivente com a sua fantasia sobre a qualidade ingovernável dos seus sentimentos mais difíceis. Em vez disso, fez mais sentido desafiar a sua própria limitação a uma sessão por semana. Numa altura em que mais esperava que eu relutasse em permanecer em contacto com o que ela estava sentindo, ofereci mais disponibilidade. Na sua terapia tinha a oportunidade de reexperimentar o período da carência infantil negada, sendo que eu representaria a mãe que se afastaria dela. Isto fez surgir novas lembranças, que tinham a ver com a sua busca de substitutos para a presença da mãe (chupas), e com o facto de ela encontrar segurança na presença adormecida da sua mãe – uma dependência secreta que lhe parecia segura porque a mãe não estava ciente dela.

Aos poucos a Sra. F. ousou sustentar-se na minha disponibilidade de forma aberta em vez de secreta, e o efeito dessa “sustentação pelo relacionamento” foi espantoso. Começou a descobrir que os seus sentimentos de angústia mais difíceis poderiam ser contidos dentro de um relacionamento. É claro que tivemos que trabalhar bastante a partir desse novo movimento hesitante em direcção a permitir a si mesma confiar outra vez em alguém. Não obstante, tornou-se claro que a minha firmeza acerca da sua necessidade de mais tempo com uma pessoa ajudou-a a sentir-se apoiada em mim, em vez de buscar alívio, unicamente, através dos medicamentos.

Num período de vários meses a Sra. F. começou a desenvolver um tipo diferente de segurança, agora baseada no seu uso de uma dependência de fora que ela podia internalizar e consolidar dentro de si mesma. Essa recém-encontrada força era diferente da sua permanente auto-suficiência. A sua antiga maturidade precoce, adquirida defensivamente para proteger a mãe sobrecarregada, pode agora dar lugar a uma maturidade mais sólida, conseguida ao seu próprio ritmo e não ao ritmo dos outros.

 

 

Taduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

On Learning from the Pacient – Patrick Casement

 

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