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Por que as Crises são tão importantes?

Um dos grandes problemas dos seres humanos é que somos muito bons a “continuar”, a “andar para a frente”.

Somos especialistas em render-nos às exigências do mundo externo, a viver de acordo como o que é esperado de nós e seguir as prioridades definidas pelos outros.

Continuamos a dar a imagem de sermos uns excelentes rapazes ou raparigas – e podemos, sem grandes marcas visíveis, manter esse feito mágico durante décadas.

Até que um dia, de repente, para a surpresa de todos, incluindo nós mesmos, quebramos.

A crise pode assumir várias formas.

Já não conseguirmos sair da cama. Cairmos numa depressão catatónica.

Desenvolvermos ansiedade social. Deixarmos de dormir e comer. Balbuciarmos incoerentemente. Perdemos o comando sobre uma parte do nosso corpo.

Somos levados a fazer coisas totalmente contrárias ao nosso Eu normal. Tornamo-nos completamente paranóicos em relação a qualquer coisa.

Recusamo-nos a agir de acordo com as “regras” nos nossos relacionamentos, temos um caso, fazemos uma fuga para a frente – ou, pelo contrário, colocamos um pau na engrenagem do dia-a-dia.

Uma crise não é apenas qualquer coisa a funcionar mal, é um apelo para a saúde.

As crises são extremamente inconvenientes para todos, e, sem surpresa, há uma urgência em medicalizar o problema e tentar retirá-lo de cena, para que as coisas, como de costume, possam continuar.

Mas isso é não compreender o que está a acontecer quando temos uma crise.

Uma crise não é apenas uma loucura fortuita ou qualquer coisa a funcionar mal, é algo muito real – um apelo para a saúde.

É uma tentativa de uma parte da nossa mente forçar a outra a um processo de crescimento, auto-compreensão e auto-desenvolvimento, que até então se recusou a empreender.

Se pudermos colocá-lo paradoxalmente, é uma tentativa de impulsionar o processo de ficar bem, verdadeiramente bem, através da doença.

O perigo de apenas medicalizarmos o problema e tentar fazê-lo desaparecer instantaneamente, é perder a lição embutida na nossa doença.

Uma crise não é apenas uma dor, embora também seja isso, é claro; é uma oportunidade extraordinária para aprender.

A razão pela qual quebramos é porque nós, durante anos, não quisemos ver as coisas.

Havia algo que era preciso ouvir dentro das nossas mentes, que colocámos habilmente de lado.

Existiam mensagens que precisávamos ter prestado atenção, aprendizagens emocionais e conexões que era necessário fazer e não fizemos.

E agora, depois de termos assobiado para o lado durante tanto tempo, demasiado tempo, o Eu emocional está a tentar fazer-se ouvir da única maneira que nesta fase ele sabe.

Está totalmente desesperado – e devemos entender e até empatizar com a sua raiva silenciosa.

Uma crise não é apenas uma dor, é uma oportunidade extraordinária para aprender.

O que a crise nos está a dizer acima de tudo é que as coisas não podem ser levadas como de costume.

Que as coisas têm que mudar ou (e isso pode ser assustador de testemunhar) o suicídio pode surgir no horizonte.

Por que não podemos simplesmente ouvir a necessidade emocional calmamente e, em tempo útil – evitar o melodrama de uma crise?

Porque a mente consciente é inerentemente preguiçosa e muito relutante em se envolver com o que a crise – de forma brutal – tem para dizer.

Durante anos, recusa-se a ouvir uma tristeza particular, uma ansiedade crescente, ou um problema num relacionamento.

Podemos comparar o processo com uma revolução.

Durante anos, as pessoas pressionam o governo para ouvir as suas exigências e agir em conformidade.

Durante anos, o governo diz “ok”, mas na prática não faz nada – até que um dia, as pessoas não aguentam mais, derrubam os portões do palácio, destroem as coisas à sua passagem e disparam aleatoriamente contra inocentes e culpados.

Normalmente, em revoluções, não há bons resultados.

As queixas legítimas e as necessidades das pessoas não são ouvidas nem tidas em consideração.

Há uma guerra civil muito feia – às vezes, literalmente, a morte. O mesmo se aplica às crises.

No entanto, perante as queixas físicas, os bons profissionais – tentam arduamente escutar em vez de censurar a doença.

Eles detectam entre as particularidades um pedido de mais tempo para nós mesmos, para um relacionamento mais próximo, para um modo de ser mais honesto e, para a aceitação de quem realmente somos.

É por isso que começamos a beber e a isolar-nos, ou a crescer inteiramente paranóicos ou maniacamente sedutores.

Uma crise representa uma vontade de crescimento que não encontrou outra forma de se expressar.

Muitas pessoas, depois de um horrível período de meses ou anos, dirão: “Eu não sei como é que eu teria ficado bem se eu não tivesse adoecido”.

No meio de uma crise, muitas vezes perguntamos se enlouquecemos.

Não, não enlouquecemos. Estamos a comportar-nos estranhamente, sem dúvida, mas sob a agitação superficial, estamos numa busca escondida e lógica para a saúde.

Nós não ficámos doentes; já estávamos doentes.

A nossa crise, se a pudermos superar, é uma tentativa de mudar o estado das coisas, um alarme insistente para reconstruirmos as nossas vidas numa base mais autêntica e sincera.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “The importance of having a breakdown” – Alain the Botton

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