Do Domínio ao Abuso Narcisista
Mães-Filhas – Do Domínio ao Abuso Narcisista
Toda a mulher que alcança a condição de mãe vê-se confrontada com dois modelos de realização, que correspondem a aspirações geralmente contraditórias: ou mãe, ou mulher.
É verdade que estes dois modelos podem coexistir numa mesma pessoa, numa mesma identidade, num mesmo corpo.
Mas existem mulheres que se tornam quase exclusivamente mães, demitindo-se do seu papel de mulher.
A patologia do apego consiste em dar ao filho (bebé) todo o espaço, exercendo uma omnipotência sobre um ser totalmente dependente, exigindo em troca uma entrega igualmente infinita.
Ruth Klüger: “Só as crianças são mais dependentes que (algumas) as mulheres, é por isso que as mães são muitas vezes tão dependentes da dependência dos seus filhos em relação a elas.”
Devido à dependência total, embora transitória, os bebés de ambos os géneros esperam dedicação total da mãe.
Para a menina a mãe é também sua semelhante.
É por isso que a dependência originária não tem a mesma ressonância e não terá as mesmas consequências para cada um dos géneros.
Por esse mesma razão, observaremos esta questão, maioritariamente, na relação mãe-filha.
Nos primeiros meses de vida, a chegada de uma criança exige muito tempo e atenção, até mesmo uma certa abnegação.
Mas isso não é motivo para que uma mulher tenha por missão dedicar-se exclusivamente à filha, nem, sobretudo, obter a satisfação que deveria sentir ou reencontrar junto do parceiro.
Pelo contrário, muitas encontram a sua razão de viver na simbiose com a filha-espelho, tendo o pai sido reduzido, no melhor dos casos à transparência ou – no pior – à condição de obstáculo a ser removido.
O abuso narcisista é também um “abuso identitário” porquanto os filhos são despojados da sua própria identidade
Totalmente dedicada à filha – mas sobretudo através da filha, a si mesma e aos seus sonhos de grandeza – afasta-se do parceiro.
O lugar do pai junto da filha é inexistente pois a mãe apropriou-se da criança.
A filha é apenas o brinquedo passivo do abuso narcisista, o objecto indefeso do todo-poderoso amor devorador da mãe.
Protegido pelas virtudes da maternidade, e depois de ter “despachado” o pai, a mãe pode usar a criança para projectar nela as suas próprias fantasias de sucesso – glória e amor total – que ela não conseguiu realizar na sua vida de mulher.
Embora também exista domínio da mãe sobre o menino, é antes de tudo sobre a filha que ela se exerce, nas formas mais obscuras e mais arcaicas, chegando por vezes à violência.
Obrigação de conformidade aos modelos, depreciação do sexo feminino, imposição de segredos, culpabilizações e intrusões de toda a ordem são as formas mais visíveis – entre as quais, a confusão de identidades constitui provavelmente a forma mais subtil, mas também a mais perigosa.
A filha é o brinquedo passivo e indefeso do abuso do todo-poderoso amor devorador da mãe.
O “abuso narcisista” da criança pelos pais e, em particular, pela mãe, é a projecção do progenitor sobre a criança.
Os dons da criança são explorados, não para desenvolver os seus próprios recursos, mas para satisfazer as necessidades de gratificação dos pais.
Mas, se o abuso narcisista pode adoptar várias configurações:
– pai-filho, mãe-filho, pai-filha, mãe-filha – é no entanto esta última que assume as formas mais puras e devastadoras.
O abuso narcisista é também um “abuso identitário”, sendo que os filhos são colocados num lugar que não é o seu.
E, ao mesmo tempo, despojados da sua própria identidade justamente por aquela – a mãe – que tem a responsabilidade de ajudar a construí-la.
Sejam quais forem as causas, é muito provável que o resultado, para as meninas, seja a reprodução da insatisfação materna.
Pois o sobre-investimento pela mãe vem acompanhado de um défice de amor real, que a criança transforma em falta de auto-estima,
A insaciável busca de reconhecimento e necessidade de amor nunca é apaziguada.
(continuação no artigo: Conquistar o Amor da Mãe Narcisista)
Bibliografia: Meres-Filles ; Une Relation A Trois – Caroline Eliacheff e Nathalie Heinich
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