Porque a verdade sobre nós pode ser muito difícil…
Porque a verdade sobre nós pode ser muito difícil, somos todos peritos a enganar-nos.
As nossas técnicas são abrangentes, diabólicas e, muitas vezes, extremamente criativas.
Aqui estão algumas das principais manobras que empregamos para atirar areia para os nossos próprios olhos:
DISTRACÇÃO / DEPENDÊNCIA
Podemos encontrar várias coisas que tenham a força suficiente para manter os nossos pensamentos longe dos inquietantes conflitos internos.
O trabalho é uma das favoritas, as notícias são outra, e a terceira, o álcool.
Não apreciamos muito estas actividades em si mesmo.
Nós gostamos delas porque têm a capacidade de nos manter afastados do que tememos.
EXULTAÇÃO
Uma tristeza que não somos capazes de admitir é muitas vezes coberta com doses exageradas de contentamento.
Em comparação, a nossa felicidade não é tão grande quanto a nossa incapacidade de nos deixarmos tocar pela tristeza.
Assim, desenvolvemos uma teimosa tendência para dizer que está tudo muito bem: “Está tudo maravilhoso, não está?!”
A insistência nesta narrativa não deixa espaço para ideias e sentimentos contrários.
Recorremos a várias coisas que têm a força suficiente para manter os nossos pensamentos longe dos inquietantes conflitos internos. O trabalho é uma das favoritas, as notícias são outra, e a terceira, o álcool.
IRRITABILIDADE
A Negação da raiva em relação a uma determinada pessoa ou situação, muitas vezes transforma-se numa irritabilidade generalizada.
Esta mentira é tão bem sucedida que na verdade ficamos realmente impedidos de perceber o que se está a passar.
Acreditamos piamente que estamos a perder a paciência com as coisas:
“Alguém mudou o comando da televisão de sítio, não há ovos no frigorífico, a conta da luz é ligeiramente maior que o esperado…”
Estamos tão fixados neste funcionamento que não conseguimos considerar outras possibilidades.
Os nossos cérebros estão tão cheios de ser tudo tão frustrante e irritante que habilmente não deixamos espaço para nos focarmos na verdadeira questão.
DENIGRAÇÃO
Dizemos a nós mesmos que, simplesmente, não nos importamos com nada.
Seja o amor, a vida profissional/intelectual ou o quotidiano.
E, estamos muito empáticos com a nossa falta de interesse e desprezo pelas coisas.
Fazemos um grande esforço para torná-lo muito claro para os outros e para nós mesmos – estamos completamente despreocupados.
Não há margem para erro. Nós, simplesmente, não nos importamos.
“Eles são todos estúpidos. É um desperdício de dinheiro. Que idiotas.”
Podemos continuar com incessantes explicações altamente respeitáveis e argumentos valiosos sobre as razões de nada nos impressionar.
Sempre muito racionais e objectivos.
Somos mais eloquentes e espertos em eliminar qualquer ideia de que podemos estar interessados em algo, do que a defender tudo o que realmente amamos.
CRITICAR / DESAPROVAR
Nós crescemos a censurar e a desaprovar profundamente certo tipo de comportamentos e de pessoas.
O que não admitimos é que somos tão condenadores porque necessitamos afastar da consciência que uma parte nossa, de facto, gosta daquilo que condena.
Nós atacamos certos gostos sexuais como sendo totalmente depravados – precisamente por sabermos que os compartilhamos em algum lugar dentro de nós.
Ficamos encantados quando determinadas pessoas são apanhadas ou envergonhadas na imprensa; “o que eles fizeram foi totalmente horrível”, insistimos, na nossa indignação que esconde qualquer risco de manchar a conexão entre nós e eles.
Quando os nossos sentimentos ficam muito confusos, na verdade, acabamos por passa-los para outra pessoa.
Ao invés de aceitá-los como os nossos, convencemo-nos que eles só existem nos outros – que nós atacamos e censuramos por os terem.
A Negação da raiva em relação a uma determinada pessoa ou situação, muitas vezes transforma-se numa irritabilidade generalizada.
DEFENSIVIDADE
Quando surge algo de indesejável e nos coloca numa situação complicada, podemos recorrer a uma estratégia altamente eficaz: ficar ofendido.
Um colega tenta dar-nos um ponto de vista, mostrar-nos outro ângulo, mas é instantaneamente acusado de indelicadeza e de arrogância.
Alguém nos aponta algo e ficamos furiosos porque estão a colocar-nos em cheque em algo difícil para nós.
O sentimento de ofendido ocupa-nos por completo.
Deixamos de prestar atenção à situação em si, que apesar de ser correcta é indesejável. Desta forma ficamos impedidos de lidar com ela.
CINISMO/DESESPERO
Estamos tristes com algo mas confrontarmo-nos com isso seria muito difícil.
Assim, generalizamos e universalizamos a tristeza. Não dizemos que o X ou o Y nos deixou tristes.
Dizemos que tudo é terrível e todo mundo é horrível.
Vamos espalhar a dor – de modo a que a nossa dor particular e com causas concretas não possa ser alvo da nossa atenção.
A nossa tristeza é, dessa forma, afastada e diluída no mundo.
Traduzido/Adaptado por Pedro Martins
a partir de Alain de Botton
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