Cara Psicoterapeuta,
Eu sou uma mulher que está prestes a completar os 30, e iniciou a psicoterapia pela primeira vez o ano passado. Eu iniciei porque se tornou evidente que aquilo que eu pensava ser apenas “eu” era realmente “eu com depressão“, e a terapia ajudou-me realmente a reconhecê-lo e a partir daí continuar a avançar. Agora, talvez pela primeira vez na minha vida, eu sei o que é não estar constantemente temperamental (eu pensava que isso era “normal”) e isso foi incrível. O meu argumento é que a terapia tem sido muito útil, até mesmo na forma como olho para a vida – excepto numa coisa.
Não entendo porque a minha terapeuta não me dá conselhos! Obviamente, não quero dizer constantemente, mas acho que em determinadas situações, ela poderia dizer-me o que pensa, mas não. Ela sabe que um dos meus problemas foi a falta de orientação enquanto crescia – que, basicamente, tive que descobrir tudo por minha conta porque os meus pais ou não sabiam o que aconselhar-me (por exemplo, deixaram a escolha do curso superior completamente para mim) ou deram-me conselhos inadequados (uma vez quase perdi um amigo depois de seguir um conselho quando eu era muito jovem para perceber que o conselho era muito mau).
Não é que os meus pais não sejam pessoas bem-intencionadas. Só que em muitas questões não souberam o que fazer. Eles tomaram sempre más decisões nas suas próprias vidas (algumas desastrosas, a ponto de quase perdermos a casa), então, quando se tratava da minha vida – amigos, namoro, faculdade, carreira – eu não tinha modelos ou orientadores nos meus pais como a maioria dos meus amigos.
Para ser justa com a minha terapeuta, eu entendo que já não sou uma criança e que ela quer que eu descubra as coisas sozinha como um adulto, e entendi isso – até certo ponto. Mas se é uma pergunta simples, algo prático ou algo que não é um problema psicológico profundo, porque é que ela não me diz o pensa? Estou a falar do tipo de perguntas que as pessoas da minha idade rotineiramente fazem aos seus pais: Faz sentido comprar uma casa agora, tendo em conta que a posso pagar, ou devo manter-me no meu apartamento arrendado até as coisas estarem mais assentes com a minha família? Ou se devo aceitar sair com um rapaz com quem uma colega de trabalho teve um relacionamento há mais de um ano, podendo ela ficar chateada?
Eu só quero saber o que ela sugeriria – não que eu, necessariamente, fizesse isso, mas pelo menos eu teria a opinião de um adulto estável em quem confio.
Uma vez que você é uma terapeuta com uma coluna num jornal onde dá conselhos, já alguma vez deu conselhos a pessoas em terapia? Você deve ter opiniões sobre se as pessoas devem terminar os relacionamentos, afastarem-se de um amigo, ou comprar uma casa agora ou esperar até as coisas assentarem. Alguma vez compartilhou coisas com os seus pacientes? E se não, por que não dar-lhes a sua perspectiva? Eu acho essa parte da terapia tão frustrante.
Atenciosamente,
Se Não for Pedir Muito (SNFPM)
Cara Se Não For Pedir Muito,
Adivinhe?! Vou dar-lhe alguns conselhos. Eis o que eu acho que você deve fazer:
1. Compre uma casa agora.
2. Saia com alguém.
Mas espere – antes de aceitar este conselho, deixe-me dar-lhe um último conselho: não aceite o meu conselho. Porque se fizer isso, é provável que acabe por ficar desapontada comigo como ficou com os seus pais. O meu conselho – como seus pais ou mesmo como sua terapeuta (caso ela dê) – pode ser bem-intencionado, mas não irá ajudá-la da maneira que imagina.
Por um lado, apesar das minhas boas intenções, qualquer coisa que eu sugira será mediada pelos meus próprios preconceitos e experiências de vida. Então, enquanto eu considero a sua situação e pensamos a sua vida, também é verdade que a aconselho a comprar uma casa, em parte porque comprei a minha primeira casa nos meus 30 e, em retrospectiva, gostaria de a ter comprado mais cedo. Noutras palavras, o meu conselho está condicionado pelas minhas crenças pessoais sobre questões imobiliárias. Da mesma forma, sugeri que você aceitasse o convite para sair, porque se fosse eu – se eu tivesse quase 30 anos e realmente gostasse de um rapaz e não fosse próxima da mulher que andou a sair com ele há mais de um ano – eu sairia com ele. Mas você pode ter ideias, valores e uma tolerância diferente para lidar com algumas coisas. O que pode ser uma boa ideia para mim pode ser um desastre para si. E, ao dar-lhe conselhos, eu poderia projetar os meus próprios valores e crenças em você, em vez de ajudá-la a construir uma noção mais profunda de si própria.
Haverá sempre uma distância entre o que o psicoterapeuta pode aconselhar e o que é melhor para o paciente. Um terapeuta pode ver um casal e achar que eles devem divorciar-se, mas algumas pessoas preferem estar num casamento altamente conflituoso do que estarem sozinhas, não importa o quanto o terapeuta possa defender pessoalmente que é melhor estar sozinho por um tempo do que num casamento altamente conflituoso, onde o parceiro se recusa a mudar. A vida dos nossos pacientes tem que ser vivida por eles, e não por nós.
Ainda assim, não está sozinha ao querer que a sua terapeuta lhe diga o que fazer. Ao longo do tempo colocaram-me todo o tipo de perguntas: que profissão uma pessoa deveria escolher, se deveria ter outro filho ou congelar os óvulos, e se deveriam ir passar férias a casa da sua família caótica, ou fazer algo mais agradável em vez disso. E quando eu não correspondo a esse desejo sinto que estou sadicamente reter a “resposta” que, na sua opinião, poderia fornecer facilmente, e assim, resolver o seu problema premente.
Uma das surpresas que ser terapeuta me trouxe foi a frequência com que as pessoas querem saber exactamente o que fazer, como se eu tivesse a “resposta correcta” – ou como se as respostas “correctas” ou “erradas” existissem para a maior parte das escolhas que nós fazemos no nosso dia-a-dia. A minha formação como terapeuta prepara-me para compreender as pessoas e ajudá-las a decidir o que querem fazer, mas não posso fazer certas escolhas por elas. Eu não sou uma especialista em imóveis, consultora de orientação profissional ou, o mais importante, adivinha. Parte do que as pessoas querem dos meus conselhos é o alívio da incerteza – se o meu terapeuta diz X, eu não tenho que lidar com minha ansiedade em torno da dúvida. Mas se existe uma coisa certa na vida é a incerteza, e a incapacidade de tolerar a incerteza do que acontecerá se decidirem que X ou Y ou Z impede as pessoas de tomarem decisões.
Aprender a diminuir a velocidade e a reflectir sobre as escolhas e antecipar as possíveis consequências das nossas acções ajuda a diminuir a ansiedade a longo prazo. Receber conselhos de um terapeuta alivia a ansiedade no momento, mas não vai perdurar.
No início da minha formação, senti uma tremenda pressão para dar um conselho de tipo benigno (pelo menos foi o que pensei), até que percebi que as pessoas ficavam ressentidas de lhes dizerem o que fazer. Sim, elas podem perguntar – repetida e categoricamente – mas depois de se lhes realmente responder, o seu alívio inicial é muitas vezes substituído pelo ressentimento. Isso acontece mesmo que as coisas corram bem, porque, em última análise, os seres humanos querem ser responsáveis pelas suas vidas, e é por isso que as crianças passam a infância a implorar para que as deixem tomar as suas próprias decisões, em vez de que as tomem por elas.
Mas se você foi um certo tipo de criança, uma criança como você, SNFPM, uma criança que teve que tomar decisões por si mesma antes de estar pronta – ou porque ninguém lhe ofereceu, ou você não podia confiar nos conselhos que lhe davam – a tomada de decisão com as implicações que a acompanham pode gerar muita ansiedade. Em vez de procurar mais autonomia no caminho da vida adulta, esse tipo de criança provavelmente irá crescer pedindo que essa liberdade lhe seja retirada.
Então, você pergunta ao seu terapeuta: devo fazer isto? Devo fazer aquilo? Vá lá, diga-me: o que você faria?
Por trás destas questões reside a suposição de que a sua terapeuta é um ser humano mais competente do que você. O pensamento é: quem sou eu para tomar decisões importantes na minha vida? Estou realmente qualificada para isso? A sua terapeuta, por outro lado, é considerada especialista, o pai substituto, “Aquele que a Conhece Melhor”. E você é a criança no corpo adulto que fantasia sobre o quão agradável seria sentir-se livre de toda a responsabilidade e deixar um adulto ficar com o peso de fazer as escolhas difíceis. Mesmo que corra mal, ter outra pessoa a decidir parece mais seguro. Que alívio poder culpar outra pessoa por uma decisão errada, de modo que a dor de uma má decisão não seja amplificada por ter sido a única pessoa responsável pelo erro. (Nesse sentido pensa: Oh, Deus, eu sou como os meus pais – tomo decisões horríveis!)
Isso é um tipo de proteção enganadora, porque o conselho do seu terapeuta na verdade, fará com que se sinta com raiva e insegura. Você pode implorar e até persuadir o seu terapeuta, às 7 da tarde de uma longa sexta-feira, a oferecer-lhe o conselho que deseja. E sua primeira reação pode ser: Finalmente! Inicialmente, você pode sentir-se apoiada e cuidada de uma forma que não sentiu com os seus pais.
Mas o que você pode fazer com essa pepita, esse presente terapêutico, esse tão desejado conselho? Apesar de obter exactamente o que você pediu, pode não o pôr em prática. Pode procrastinar, arranjar todo o tipo de desculpas pelas quais ainda não avançou. Então, vai sentir-se mal por ainda não o ter concretizado. E vai começar a pensar, eu sinto-me mal porque a minha terapeuta me fez sentir mal ao tentar dizer-me o que fazer. Como ela ousa! Eu não vou fazer isso só porque ela me disse para fazer. Quem é ela para mandar em mim? E você vai sentar-se no sofá todas as sextas-feiras às sete, sem lhe dizer que não fez o que ela sugeriu, porque está ressentida por ela se intrometer, por fazer você sentir que sua própria opinião não tem valor; e, acima de tudo, você será consumida pela vergonha que sente por desagradá-la ao não fazer o que ela quer. Em tudo isto há uma inversão, pois, na verdade, a sua terapeuta só lhe deu um conselho para lhe agradar a si, e não a ela. No final, ninguém está feliz.
É por isso que receber conselhos não é a solução para os seus problemas, SNFPM. Subjacente a todo esse “empurrão” sobre o que fazer com o seu apartamento e com o rapaz que a convidou para sair, e as dezenas de outros conselhos que você pode ter tentado obter, está a esperança da sua terapeuta de que você a deixará. Não agora, mas quando estiver pronta, e o objectivo dela em cada sessão é ajudá-la a “preparar-se”. Desde o primeiro dia, pensamos em como ajudar os nossos pacientes a deixarem-nos, não porque não nos preocupamos, mas porque é o que nós fazemos. Nós não queremos que você tenha que fazer um grande esforço para se libertar. Queremos que você aprenda a confiar em si mesma. Queremos que você pare de nos pedir para brincar ao Deus com sua vida porque não somos deuses. Somos mortais que fazemos o nosso melhor para entender os nossos modelos e tendências, a nossa dor e os nossos anseios, para que possamos assumir a responsabilidade pelas nossas vidas. E queremos que você faça o mesmo.
Até certo ponto, todos nós travamos essa batalha interna: criança ou adulto? Segurança ou liberdade? E não importa onde nos posicionamos nesse continuum, em última análise, cada decisão que tomamos é baseada em duas coisas: medo e amor. Às vezes ganha o medo, às vezes o amor, e às vezes é sensato ouvir o medo, e outras vezes o amor. Se há uma coisa que a sua terapeuta está a tentar mostrar, é como distinguir os dois. E ela mostra-o através da prática da escuta para que você possa usar os seus sentimentos como uma bússola para a orientar na melhor direcção possível.
Os terapeutas podem não dar conselhos, mas damos orientação. E se há uma coisa que seu psicoterapeuta sabe, é que as verdades mais poderosas – as que as pessoas tomam mais a sério – são aquelas que elas obtiveram por conta própria.
Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:
“Why Won’t My Therapist Just Tell Me What to Do?” – Lori Gottlieb
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