Quão bons foram os seus pais?
Estranhamente, parece que nenhum ser humano pode crescer realmente saudável, a não ser que tenha sido amado muito profundamente por alguém (pais) durante os primeiros anos da sua vida.
Mas ainda estamos a aprender o que o amor dos pais pode realmente envolver. Então, quão bons foram os seus pais?
Aqui estão oito princípios de boa paternidade que podem ser usados para os avaliar.
1 – Sintonia
Os pais afectuosos descem ao nível da criança – às vezes literalmente, quando se dirigem a ela – para ver o mundo através dos seus olhos.
Eles compreendem que uma criança muito nova não se pode encaixar facilmente nas exigências externas e que, nos primeiros tempos, deve ser-lhe dada prioridade e colocada no centro das coisas, não para a “mimar”, mas para lhe dar uma oportunidade de crescer.
2 – Pequenas Coisas
Os pais afectuosos compreendem que a vida dos seus filhos gira em torno de particularidades que são, por qualquer medida adulta, muito pequenas.
As crianças de tenra idade sentir-se-ão enormemente felizes porque podem pôr as mãos numa massa qualquer ou ter a oportunidade de “espetar” uma colher numa tigela de ervilhas com energia ou dizer ‘bah’ muito alto.
E sentir-se-ão extremamente tristes porque o coelho de estimação perdeu um dos seus botões ou uma página do livro seu favorito rasgou-se.
O progenitor suficientemente bom sente que tem recursos suficientes dentro de si para não criticar a criança que está a fazer um grande alarido com o chamado ‘nada’.
Seguirá a criança na sua excitação com uma poça de água e na sua dor por causa de uma meia desconfortável.
Os bons progenitores sabem que aqueles que acabam por se apegar com segurança e capazes de tolerar a ausência são aqueles a quem originalmente foi permitido ter tanta dependência e ligação quanto necessário.
Compreende que a capacidade futura da criança ser atenciosa para com as outras pessoas e de lidar com desastres genuínos estará criticamente dependente de ela ter recebido por parte dos pais a sua grande cota de simpatia por uma série de tristezas adequadas à idade.
3 – Perdão
Os pais afectuosos saberão dar a melhor interpretação possível a um comportamento que possa parecer infeliz e desagradável para os outros:
a criança pequena não é ‘um desordeiro’, mas é claro que ficou muito perturbada com o nascimento do irmão. Não é ‘anti-social’, mas sente-se bem num pequeno círculo de pessoas conhecidas e especialmente reconfortantes.
A capacidade dos pais para dar explicações gentis e criativas continuará a moldar o funcionamento da própria consciência da criança; aprenderá a arte do perdão a si mesma. Não terá de se torturar pelos seus erros.
Não sofrerá as devastações da auto-aversão, nem, quando estragar tudo, será tentada a tirar a sua própria vida.
4 – Fases Estranhas
O progenitor afectuoso sentir-se-á suficientemente saudável para permitir que um filho seja esquisito durante algum tempo, sabendo que o chamado esquisito faz parte do desenvolvimento normal.
Não se sentirá nervoso por a criança ter decidido fingir que é um animal ou que quer comer apenas alimentos de cor vermelha ou ter um amigo imaginário a viver numa árvore do jardim.
O adulto terá fé no surgimento da sanidade – e na sabedoria de explorar uma série de opções possíveis antes de optar pela sensatez.
Será capaz de permanecer calmo diante de algumas birras e obsessões intensas, não precisará de desligar a irreverência a cada passo, será paciente em torno da infelicidade e não se deixará abater pelo mau humor do adolescente.
Os pais não atribuirão etiquetas à criança que a possam fixar num papel que estava apenas a experimentar.
A recompensa dos pais por todo o seu trabalho nunca será directa; chegará ao fim de muitos anos, observando que o seu filho se tornou ele próprio um bom pai.
Terão o cuidado de dizer a uma criança que ela é “a zangada”, “o filósofozinho”, “o sabichão” ou mesmo “a gentil”: isso permitirá à criança o luxo de escolher a sua própria identidade.
5 – Apegado
Os bons pais sabem que as crianças podem muito bem apegar-se por muito tempo, e nunca olharão para esta necessidade natural de tranquilidade em termos pejorativos.
Não dirão à criança para se animar e ser um “homenzinho” ou uma “jovem senhora” para sentirem-se orgulhosos.
Sabem que aqueles que acabam por se apegar com segurança e capazes de tolerar a ausência são aqueles a quem originalmente foi permitido ter tanta dependência e ligação quanto necessário.
6 – Perfeição
Um bom pai não se apresentará como sendo hollywoodesco, distante ou uma pessoa inalcançável, uma figura que a criança possa ser tentada a idealizar e a contemplar de longe.
Os bons pais saberão estar presentes e mostrar-se pessoas comuns na sua casa; dignos talvez, mas também, por vezes, inquinados, esquecidos, tolos e desejosos de tempo livre sem os filhos.
O bom pai saberá que os pais têm peculiaridades e defeitos para levar a criança a reconciliar-se com a sua própria humanidade – e também, eventualmente, sair de casa e seguir em frente com a sua própria vida.
7 – Bondade
Um bom pai saberá como fazer parecer ser monótono. Compreenderá que o que a criança precisa principalmente é de uma fonte de calma fiável, e não de fogos-de-artifício e excitação (tem o suficiente disso dentro da sua própria mente).
Os bons pais compreendem que deve ser dada prioridade à criança, não para a “mimar”, mas para lhe dar uma oportunidade de crescer.
Deve estar lá, no mesmo lugar, a dizer mais ou menos as mesmas coisas, durante décadas.
Deve ter o cuidado de ser previsível e de editar os seus estados de espírito inesperados, a criança não precisa de uma imagem completa de cada perturbação e tentação que percorre a mente dos seus cuidadores.
Os pais aceitam que ‘mamã’ ou ‘papá’ são papéis, não representações completas; deveria ser um privilégio das crianças não terem de conhecer os seus pais em todos os pormenores.
8 – Amor não-correspondido
Os bons pais não estão à procura de uma relação equilibrada. Ficam felizes por dar de forma unilateral. Não precisam que as crianças lhe perguntem como foi o seu dia ou o que pensa das novas medidas do governo.
Sabem que uma criança deve poder tomar um progenitor substancialmente por garantido.
A recompensa dos pais por todo o seu trabalho nunca será directa; chegará ao fim de muitos anos, observando que o seu filho se tornou ele próprio um bom pai.
Dito de forma simples: o amor é o comportamento atencioso, terno e extremamente paciente demonstrado por um adulto durante muitos anos em relação a uma criança que não pode deixar de estar largamente fora de controlo, confusa, frustrada e desconcertada – para que, com o tempo, possa tornar-se num adulto capaz de tomar o seu lugar na sociedade sem demasiada perda de espontaneidade, sem demasiado terror e com uma confiança básica nas suas próprias capacidades e possibilidades de realização.
Deveria ser uma questão de consternação global que, apesar dos nossos grandes avanços, ainda estamos apenas no alvorecer de saber como assegurar que todos tenhamos a infância amorosa que merecemos.
Traduzido/adaptado por Pedro Martins
A partir de: “ A test to Judge how good your parents were – Alain de Botton
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