“Há um fenómeno social, que se vê muito na família e na escola, e que a mim me impressiona particularmente, que é o não reconhecimento por parte dos adultos que as crianças têm direito de estar tristes, ou a ter tristezas, ou a ter desgostos, ou a sofrer com as suas tristezas.”
A recusa do adulto em reconhecer a tristeza da criança corresponde à recusa do adulto em reconhecer a sua própria tristeza infantil e até a sua tristeza actual.
Quer dizer, ele também foi vítima disso, ele também teve tristezas que teve de esconder, que teve de disfarçar, que teve de resolver de uma certa maneira, porque os adultos, no seu tempo de criança, também já não lhe concediam o direito à sua tristeza.
Porque a tristeza conduz a uma reflexão sobre a própria pessoa, sobre o próprio eu, leva-nos a olhar para dentro e a procurarmos ver o que se passa dentro de nós.
Enquanto, que na paixão, por exemplo, a pessoa está toda voltada para fora e só vê o objecto amado, o objecto de amor.
Quando se está apaixonado por uma pessoa, ou por uma ideia, ou seja lá o que for, a pessoa está toda voltada para fora.
Na tristeza, pelo contrário, a pessoa está toda voltada para dentro.
E na cultura ocidental nós recusamos muito a depressão, ao contrário do que acontece muito com os orientais que aproveitam muito para meditar, para pensar, para reflectir, para atingir o discernimento das coisas.
A palavra discernimento creio que significa compreender sentindo.
Corresponde mais a descobrir do que propriamente a compreender no sentido racional.
E a tristeza dá um discernimento, uma compreensão, nesse sentido, de que aliás todos nós nos apercebemos se voltarmos um pouco atrás e virmos o que foi a nossa vida.
A pessoa cresce, desenvolve-se e aperfeiçoa-se à custa desses movimentos de voltar para fora e de voltar para dentro o seu olhar.
Vemos que os momentos de tristeza nos conduziram a modificações importantes na vida.
Muitas vezes há essa reflexão, esse olhar para dentro de que às vezes a gente não se apercebe, de que não damos conta por isso, mas a verdade é que ele existe, porque a pessoa está voltada para dentro.
Nessas alturas, quer seja na adolescência quer seja na idade adulta, está de facto, a reflectir sobre todos os seus problemas, os mais íntimos, os mais pessoais, e menos voltada para as coisas de fora e para os problemas dos outros.
Esse discernimento corresponde mais a um fazer-se luz dentro de nós e portanto a compreendermo-nos melhor através de um fechar de olhos ao que está para fora e voltar o nosso olhar, a nossa compreensão das coisas para dentro.
Isso na infância é fundamental para que a pessoa cresça.
A pessoa cresce de facto, desenvolve-se, aperfeiçoa-se à custa desses movimentos de voltar para fora e de voltar para dentro o seu olhar.
De uma certa maneira são, movimentos de paixão e movimentos de tristeza.”
“Eu agora quero-me ir embora”
João dos Santos
Conversas com
João Sousa Monteiro
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