Por que comemos demais?
É claro que muitos de nós comemos demais. E em resposta, cresceu uma enorme indústria que nos aconselha a consumir e proporciona tudo o que existe de mais saudável.
Mas isso é não compreender de todo porque começámos a comer quantidades excessivas. Não tem nada a ver com comida, e, portanto, tentar mudar a nossa dieta não é o foco mais lógico para concentrar os nossos esforços. Nós comemos muito porque estamos realmente com fome daquilo que não está disponível.
Parece natural que tudo o que poderíamos querer deveria estar à mão. Os supermercados e as lojas gourmet são templos icónicos da sociedade de consumo e os restaurantes não se poupam a esforços para nos satisfazer.
Poderíamos ser tentados por uma mariscada? Ou uma selecção de vegetais regionais regados com azeite proveniente de uma pequena quinta nos Pirinéus?
Mas se pudéssemos realmente escolher será que não quereríamos um menu ligeiramente diferente? Por exemplo:
– Conversa sincera com o pai, marinada em perdão mútuo.
– Amor maternal carinhoso * (* adequado para aqueles que estão em dieta livre de críticas).
– Amizade madura servida com farripas de memórias.
– Conversa fresca, polvilhada com boa disposição (para dois).
– Flirt ao natural (o nosso Sommelier recomenda, como acompanhamento ideal, um copo de Chateau Fantaisie).
E para a sobremesa, talvez:
– Uma generosa fatia de cumplicidade com chocolate derretido.
Ou:
– Enternecidos momentos de compaixão, acompanhados com lágrimas de compreensão (especialidade da casa)
Por outras palavras, não é comida que desejamos.
Os menus dos nossos restaurantes (apesar de tentadores) conduzem-nos em direcções muito limitadas e restritas. Eles entendem – e respondem – apenas a um segmento estreito dos nossos verdadeiros apetites.
Na verdade, falamos muito de comida e tão pouco do que necessitamos. Não é de marisco, queijo da serra ou picanha do Brasil que nós precisamos, mas de amizades onde possamos confessar as nossas ansiedades, sermos ouvidos e perdoados; Precisamos de ajuda para nos acalmar em momentos-chave, assegurando que podemos suportar o pior que possa estar a acontecer. Precisamos de alguém que nos possa ajudar a descobrir os nossos verdadeiros talentos no local de trabalho e oferecer-nos um guia para alcançar nosso verdadeiro potencial.
Sabemos que não é num pacote de batatas fritas ou numa fatia de pizza que está a resolução do problema mas não sabemos para onde nos virar e temos, pelo menos, uma satisfação imediata.
A tragédia não está no nosso apetite insaciável, mas na dificuldade em ter acesso às coisas emocionais e psicológicas para alimentar as nossas almas desnutridas.
A indústria alimentar tem travado os sintomas da nossa infelicidade, não as suas causas – e, portanto, as soluções que oferece são frágeis e temporárias.
Há umas centenas de anos era quase impossível para a maioria das pessoas a encontrar algo delicioso para comer. Desde então, uma grande quantidade de engenho humano tem sido dedicado a seduzir o paladar. Nós conseguimos ir muito além das nossas expectativas. Mas em tantas outras áreas, mal começámos a suprir o que ansiamos consumir, que são, para dizer mais claramente: compreensão, ternura, perdão, reconciliação e proximidade.
Nós não comemos muito porque somos insaciáveis, mas porque vivemos num mundo onde as prateleiras ainda estão vazias dos ingredientes que verdadeiramente desejamos.
Adaptado e traduzido por Pedro Martins a partir
de Alain de Botton
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