A dor crónica é puramente física?
A dor crónica não é simplesmente uma questão biomédica – é também psicológica e social.
Embora o British Journal of Medicine faça referência a um problema grave no que diz respeito à dor crónica e ao consumo de opioides nos Estados Unidos (Mackey & Kao, 2019), outros países enfrentam problemas semelhantes.
A dor crónica (DC); dor que dura três ou mais meses ou além do tempo de cura esperado, é uma epidemia que afecta actualmente milhões de pessoas.
A DC pode deixar vidas em pausa, uma vez que impede a pessoa de trabalhar, exercitar-se, ter relações sexuais, hobbies ou até sair de casa.
Uma razão pela qual nos encontramos nesta situação deve-se ao facto de a dor ser historicamente enquadrada como um problema “biomédico”.
Portanto, foi tratado principalmente com soluções biomédicas, como comprimidos e procedimentos médicos. No entanto, a dor crónica não está a ser tratada.
As taxas de dependência de opioides aumentam rapidamente e a prevalência de dor crónica continua a subir (Nahin et al., 2019).
Embora isso não signifique que se deva tirar os medicamentos das mãos de pessoas que sofrem de dor a longo prazo – o que é anti-ético na melhor das hipóteses e cruel na pior -, mas, claramente, algo tem mudar.
Graças aos recentes avanços da ciência e da medicina, agora entendemos a dor melhor do que nunca.
Pesquisas sobre manejo e tratamento da dor avançam diariamente, e os erros anteriores estão a ser corrigidos.
A dor “física” também é, – sempre -, afectada pelas emoções.
Para entender melhor a dor, vamos primeiro defini-la:
É uma “experiência sensorial e emocional desagradável”. Dito de outra forma, a dor é física e emocional 100% do tempo. Nunca é apenas emocional ou física.
Isto é confirmado por pesquisas em neurociência que indicam que a dor é processada por várias partes do cérebro, incluindo o sistema límbico – unidade responsável pelas emoções (Martucci & Mackey, 2018).
A dor “física” também é, – sempre -, afectada pelas emoções.
Por que temos dor?
A dor serve como sistema de resposta a perigos no corpo, mantendo-nos seguros e vivos, alertando-nos sobre possíveis riscos, e ensina-nos a evitar situações perigosas.
Quando queimamos a mão numa coisa quente, as probabilidades de aprender com esse acidente e não o repetirmos são altas.
Se torcemos um pé numa corrida, a dor leva-nos a parar, procurar ajuda e tratar o pé.
Você pode razoavelmente acreditar que a dor está localizada exclusivamente no corpo, na parte que dói.
Mas enquanto as informações sensoriais do corpo são críticas para o processamento da dor, ela é, realmente, construída pelo cérebro.
A evidência disso está na condição designada por “dor fantasma” nos membros, na qual uma vítima de um acidente perde um membro e continua a sentir uma dor enorme na parte do corpo que não está lá.
Se a dor estivesse localizada exclusivamente no corpo, a ausência de um membro deveria significar ausência de dor.
A dor serve como sistema de resposta a perigos no corpo, mantendo-nos seguros e vivos.
Também é razoável acreditar que a dor se deve exclusivamente a problemas biológicos com base no corpo, conforme sugerido pelo modelo biomédico (por exemplo, “o problema está nos tecidos”).
No entanto, o que sabemos actualmente – e na verdade, sabemos há décadas – é que a dor não é biomédica, mas biopsicossocial (Gatchel, 2004).
Isso significa que há três domínios sobrepostos (igualmente importantes), a termos em conta, se queremos tratar efectivamente a DC: biologia, psicologia e o funcionamento social.
O domínio biológico, geralmente, recebe mais atenção, mas restam dois terços do modelo.
Os factores psicossociais, essenciais para o tratamento eficaz, são frequentemente ignorados.
A pesquisa revela que as emoções negativas, pensamentos catastróficos e comportamentos pouco saudáveis exacerbam a dor crónica
O domínio psicológico da dor inclui pensamentos e crenças (por exemplo, “estou mal; nunca melhorarei”); expectativas e experiências anteriores; emoções (por exemplo, ansiedade, raiva, depressão) e comportamentos.
Os factores sociais incluem status socioeconómico, acesso a cuidados, família, amigos, cultura, comunidade, contexto e outros factores sócio-ambientais.
A pesquisa em neurociência revela que as emoções negativas, pensamentos catastróficos e comportamentos pouco saudáveis, efectivamente, exacerbam a dor, agravam os sintomas e mantêm a pessoa presa num ciclo de medo, inactividade, miséria e dor.
Dito de outra maneira: stress, ansiedade, depressão, pensamentos catastróficos, expectativas negativas com foco na dor, retraimento social e falta de exercício, pioram a dor.
Ao mesmo tempo a pesquisa refere que podemos exercer algum controle sobre a dor, através do manejo das emoções, pensamentos e crenças, mediante vários tipos de terapia.
Além disso, facultar aos pacientes educação e compreensão sobre a dor pode reduzi-la, assim como a incapacidade associada.
As abordagens psicossociais para o tratamento da dor são tão promissoras que foram incorporados nas clínicas de tratamento da dor da UCSF e de Stanford.
Portanto, se você tem dor crónica, lembre-se do seguinte: mudar o seu cérebro pode modificar a sua dor.
A saúde emocional afecta directamente sua saúde física, porque o cérebro e o corpo estão conectados.
Traduzido/adaptado por Pedro Martins
A partir de “Think Pain Is Purely Medical? Think Again.” – Rachel Zoffness
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