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mundo moderno

Como o Mundo Moderno nos está Afectar

O mundo moderno tem muitas coisas maravilhosas (a odontologia é boa, os carros são confiáveis, podemos facilmente entrar em contacto a partir do México com a nossa avó na Escócia) – mas também é poderosa e tragicamente capaz de causar um alto nível de ansiedade e estados depressivos.

Existem seis características particulares da modernidade que têm um efeito psicologicamente perturbador. Cada uma tem uma cura potencial, que só pode ser colocada em acção colectivamente quando conhecermos mais sobre o problema em questão.

 

  1. Meritocracia:

As nossas sociedades dizem-nos que todas as pessoas são “livres de fazer”, caso tenham talento e energia. A desvantagem dessa ideia, ostensivamente libertadora e apaixonante, é que qualquer insucesso sentido não é, como no passado, um acidente ou infortúnio, mas um sinal claro de falta de talento ou preguiça. Se aqueles que estão no topo merecem todo o seu sucesso, então aqueles que estão no fundo, certamente, devem merecer todo o seu fracasso. Uma sociedade que pensa em si mesma como meritocrática em vez de olhar para os que falharam como desafortunados, rotula-os de perdedores.

A cura é uma crença forte e culturalmente apoiada em duas grandes ideias: a sorte, que diz que o sucesso não depende apenas do talento e do esforço; e a tragédia, que diz que as pessoas boas e decentes podem falhar, e merecem compaixão em vez de desprezo.

 

  1. Individualismo:

Uma sociedade individualista prega que o indivíduo e suas realizações são “tudo” e que todos são capazes de ter um destino especial. Não é a comunidade que importa; A união, o grupo, é para os desesperançados. Ser “comum” é considerado uma maldição. Como resultado a maioria de nós acabará, estatisticamente falando, associada ao fracasso.

A cura passa pelo culto da boa vida trivial – e apreciar os prazeres simples do quotidiano.

 

  1. Secularismo:

As sociedades seculares não acreditam em qualquer coisa que seja maior ou superior a elas mesmas. As religiões costumavam ter o papel de manter os nossos caminhos insignificantes e batalhas internas em perspectiva. Mas agora não há nada para admirar ou relativizar nos seres humanos, cujos triunfos e percalços acabam por ser um tudo ou um nada.

A cura envolveria a utilização regular de fontes de transcendência para gerar uma perspectiva benigna e relativizada sobre as nossas mágoas: a música, as estrelas à noite, os vastos desertos ou os oceanos tornar-nos-iam mais humildes.

 

  1. Romantismo:

A filosofia do romantismo diz-nos que para cada um de nós há uma pessoa muito especial que nos pode tornar completamente felizes. No entanto, de uma maneira geral, temos que nos contentar com relacionamentos aceitáveis com alguém que é muito agradável em várias coisas e muito difícil noutras. Parece um desastre – em comparação com as nossas grandes expectativas.

A cura passa por perceber que não errámos: fomos encorajados a acreditar num sonho muito improvável. Em vez disso, devemos construir as nossas ambições em torno da amizade e do amor fraternal.

 

  1. Os média:

Os meios de comunicação têm um prestígio enorme e um lugar gigantesco nas nossas vidas – mas rotineiramente orientam a nossa atenção para as coisas que assustam, preocupam e irritam, ao mesmo tempo que nos retiram o poder de termos uma acção pessoal efectiva sobre essas coisas. Normalmente foca os lados menos bons da natureza humana, e deixa por mostrar a existência de boas intenções, responsabilidade e decência.

A cura passaria por notícias que se concentrassem em apresentar soluções ao invés de gerar indignação; despertar uma consciencialização para problemas sistémicos ao invés de enfatizar os bodes expiatórios e os monstros emblemáticos – e isso nos lembraria, frequentemente, que as notícias sobre as quais precisamos focar-nos veem das nossas próprias vidas e experiências directas.

 

  1. Aperfeiçoamento:

As sociedades modernas enfatizam que depende de nós sermos profundamente felizes, sanos e realizados. Como resultado, acabamos a detestar-nos, sentir-nos fracos e que estamos a desperdiçar a vida.

Uma cura seria uma cultura que promove permanentemente a ideia de que a perfeição não está ao nosso alcance – que esta, do ponto de vista mental, ligeiramente (e por vezes muito) tristonho é uma parte inescapável da condição humana e do que precisamos, acima de tudo, são bons amigos com quem podemos estar e conversar honestamente sobre nossos verdadeiros medos e vulnerabilidades.

As causas do sofrimento psicológico no nosso mundo são – actualmente – muito maiores e mais activas do que as curas que necessitamos. Nós merecemos muita pena pelo preço que pagamos por termos nascido nos tempos modernos. Mas, mais esperançosamente, as curas estão disponíveis de forma individual e colectiva, se reconhecermos, com clareza suficiente, as fontes das nossas verdadeiras ansiedades e tristezas.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “How the modern world makes us mentally ill” – Alain de Botton

pais filhos

Porque os bons pais têm filhos mal comportados

Pais / Filhos

Imagine dois tipos muito diferentes de famílias, cada uma na sua própria mesa de jantar numa noite habitual.

Na Família 1: As crianças são muito bem comportadas: dizem que a comida é muito boa, falam sobre o que aconteceu na escola, ouvem os pais com atenção e no fim terminam os trabalhos de casa.

Na Família 2: É bastante diferente. Chamam nomes à mãe, resmungam e gozam quando o pai diz algo; fazem um comentário ligeiramente indecente que revela uma falta de vergonha sobre os seus corpos; Se os pais perguntam se já fizeram os trabalhos de casa, dizem que a escola é uma porcaria viram costas e batem a porta.

Parece que tudo vai muito bem na Família 1 e muito mal na Família 2. Mas se olharmos para dentro da mente da criança, podemos ter uma imagem muito diferente.

Na Família 1, os chamados bons filhos têm dentro de si toda uma série de emoções que retêm longe da vista, não porque queiram, mas porque sentem que não podem ser tolerados como realmente são. Sentem que não podem deixar os seus pais ver que estão com raiva ou entediados, porque parece que os pais não têm recursos internos para lidar com a realidade deles; Devem reprimir as suas partes mais corporais, mais rudes e mais voláteis. Qualquer crítica a um adulto é (imaginam) tão devastadora que não pode ser proferida.

Na Família 2, os chamados filhos mal comportados sabe que as coisas são sólidas. Eles sentem que podem dizer que a mãe é uma idiota, porque nos seus corações sabem que ela os ama e que eles a amam e que um ataque de raiva não destruirá isso. Eles sabem que o pai não se desintegrará ou se vingará por ser gozado. O ambiente é quente e forte o suficiente para absorver a agressão, a raiva, a troça ou o desapontamento da criança.

No final, temos um resultado inesperado: o bom filho está com problemas na vida adulta, tipicamente relacionados com concordância excessiva, rigidez, falta de criatividade e uma consciência insuportavelmente pesada que pode levar a pensamentos suicidas. E a criança impertinente caminha saudavelmente para a maturidade, onde se encontra a espontaneidade, a resiliência, a tolerância ao fracasso e o sentimento de auto-aceitação.

O que chamamos de maldade é na verdade uma exploração inicial da autenticidade e da independência. Tendo sido crianças impertinentes, podemos ser mais criativos porque podemos experimentar ideias que não necessitam imediatamente de aprovação; podemos cometer um erro, meter-nos numa embrulhada ou parecer ridículos e não será um desastre. As coisas podem ser reparadas ou aperfeiçoadas. A nossa sexualidade é aceitável para nós e, portanto, não precisamos sentir-nos excessivamente embaraçados ao apresentá-la a um parceiro. Podemos ouvir críticas a nós mesmos e conseguir lidar com o que é verdade e rejeitar o que é maldade.

Devemos aprender a ver crianças malcriadas, algumas cenas caóticas e levantar de voz ocasionais como pertencentes à sanidade, em vez da delinquência – e, ao mesmo tempo, a temer pessoas que não causam qualquer problema.

E, se tivermos momentos ocasionais de felicidade e bem-estar, devemos sentir-nos especialmente agradecidos pelo facto de ter havido, certamente alguém, num passado distante, que optou por olhar com os olhos do amor para algum comportamento profundamente desproporcionado e desagradável da nossa parte.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de Why good parents have naughty children – Alain de Botton

A crítica Pedro Martins Psicoterapeuta

A Crítica – entre o desagradável e o insuportável

A crítica nunca é fácil.

Lidar com o facto de os outros nos considerarem ridículos, feios, desagradáveis ou incompetentes é um dos aspectos mais desafiadores de qualquer vida.

No entanto, o impacto da crítica é extremamente variável – e depende, em última análise, de um detalhe um pouco inesperado: o tipo de infância que tivemos.

O facto de a crítica ser experimentada como meramente desagradável ou completamente catastrófica depende do que aconteceu connosco há muitos anos com os nossos cuidadores.

O que se entende por uma “infância má” é aqui, simplesmente, uma questão de amor.

Uma criança chega ao mundo com uma capacidade muito limitada para lidar consigo própria.

É a tolerância, o entusiasmo e o perdão do outro que gradualmente nos acomoda à existência.

A forma dos nossos cuidadores nos olharem torna-se na forma como nos vemos.

É por sermos amados pelos outros que adquirimos o dom de olhar com simpatia para nós próprios.

Simplesmente, não está na nossa incumbência acreditar em nós mesmos por conta própria.

Estamos totalmente dependentes de um sentimento interior de termos sido valorizados de forma indirecta por outra pessoa, como uma protecção contra a subsequente negligência do mundo.

Nós não precisamos ser amados por muitos.

Nós não precisamos ser amados por muitos, um bastará, e doze anos podem ser suficientes (idealmente dezasseis).

No entanto, sem esse amor, a contínua admiração de milhões nunca será capaz de nos convencer de que somos bons.

Mas com esse amor, o desdém de milhões é indiferente.

As infâncias más têm a triste tendência:

— De nos levar a procurar situações em que existe uma possibilidade teórica de recebermos uma aprovação excepcional (o que também significa, um alto risco de encontrar uma enorme desaprovação) e por isso fazemos esforços desmesurados na tentativa de sermos famosos e visivelmente bem-sucedidos.

Mas é claro que o mundo em geral nunca dará emocionalmente a confirmação incondicional desejada.

Existirão sempre os discordantes, críticos e pessoas igualmente afectadas pelo seu próprio passado para poderem ser gentis com os outros.

E é para essas vozes que aqueles que tiveram infâncias complicadas se vão direccionar, por mais entusiástica que a multidão possa ser.

Ao longo do caminho podemos constatar que o principal indicador de ser um bom pai é quando um filho, simplesmente, não tem interesse em ser admirado por um grande número de desconhecidos.

Nós não ouvimos todos a mesma coisa quando somos criticados.

Alguns de nós, os sortudos, ouvimos apenas a mensagem superficial do aqui e agora: que nosso trabalho ficou abaixo das expectativas, que devemos esforçar-nos mais nas nossas funções, que o nosso livro, filme ou música não é brilhante. Isso é suportável.

Mas os mais feridos entre nós ouvem muito mais.

A crítica leva-os directamente para a ferida primitiva.

Um ataque no presente entrelaça-se com os ataques do passado e cresce desmesuradamente e de forma incontrolável na sua intensidade. O chefe ou colega pouco amável torna-se o pai que nos decepcionou.

Tudo é questionado. Não só achamos que fizemos um mau trabalho, como somos uma miséria, pois foi assim que nos sentimos naquela época, na nossa mente infantil, frágil e indefesa.

Saber mais sobre a nossa infância proporciona-nos uma via fundamental de defesa contra os efeitos da crítica.

Isso significa que podemos estar atentos, quando nos sentimos atacados e despoletamos a desnecessária auto-depreciação.

Podemos aprender a separar o veredicto de hoje do veredicto emocional que trazemos connosco e que constantemente procuramos confirmar através de eventos do dia-a-dia.

Podemos aprender que, por mais tristes que sejam os ataques que enfrentamos, eles não são nada comparados com a verdadeira tragédia e causa efectiva da nossa tristeza: que as coisas não correram bem naquela época.

Saber mais sobre a nossa infância proporciona-nos uma via fundamental de defesa contra os efeitos da crítica.

E assim podemos dirigir a nossa atenção para onde é realmente precisa; longe das críticas actuais e apontada para aquele pai da nossa infância, pouco convencido do nosso valor.

Podemos perdoar-nos por sermos, neste caso, inocentes, fatalmente sensíveis e, em essência, mentalmente afectados.

Não podemos parar os ataques do mundo, mas podemos – através da exploração das nossas histórias – mudar o que significam para nós.

Também podemos e devemos dar uma segunda oportunidade: voltar atrás e corrigir o veredicto original do mundo.

Podemos tomar medidas para nos expormos ao olhar de amigos ou, idealmente, de um bom terapeuta que possa ser um espelho mais benigno e ensinar-nos o que deveriam ter-nos ensinado desde o início:

Como todos os humanos, quaisquer que sejam as nossas falhas, merecemos estar aqui. Este é o nosso lugar.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Criticism when you’ve had a bad childhood” – Alain de Botton

verdadeiro e falso self

O Verdadeiro e o Falso Self

O Verdadeiro e o Falso Self

Uma das explicações mais surpreendentes e impactantes, sobre o porquê de nós como adultos, podermos ter problemas psicológicos, está ligada ao facto de nos nossos primeiros anos nos ter sido negada a possibilidade de sermos plenamente nós mesmos.

Ou seja, não foi permitido sermos obstinados e difíceis; não pudemos ser suficientemente exigentes, agressivos, intolerantes e egoístas como precisávamos ser.

Como os nossos cuidadores estavam demasiado preocupados ou afectados com algo, foi naturalmente necessário ajustarmo-nos a eles, sentindo que era preciso agir de acordo para sermos aceites e amados.

Um desenvolvimento saudável requer que possamos experimentar o incomensurável luxo de um período em que não precisamos de nos preocupar com os sentimentos e opiniões daqueles que cuidam de nós.

Fomos “obrigados” a ser Falso Self antes de termos tido a possibilidade de nos sentirmos verdadeiramente vivos – Self Verdadeiro.

E, como resultado, muitos anos depois, sem entendermos muito bem como, corremos o risco de nos sentirmos pouco consistentes, frágeis internamente, e, de alguma forma, relativamente ausentes.

A teoria do Verdadeiro e Falso Self resulta do trabalho de um dos maiores pensadores do século XX, o pedopsiquiatra e psicanalista inglês Donald Winnicott.

Numa série de trabalhos dos anos sessenta e com base em observações cuidadas dos seus pacientes (adultos e crianças), Winnicott desenvolveu a tese de que um desenvolvimento saudável requer que, invariavelmente, possamos experimentar o incomensurável luxo de um período em que não precisamos de nos preocupar com os sentimentos e opiniões daqueles que cuidam de nós.

Podemos ser inteiramente e, sem qualquer sentimento de culpa, o nosso Verdadeiro Self, porque aqueles que nos rodeiam – durante um período – adaptam-se inteiramente às nossas necessidades e desejos, por mais inconvenientes e difíceis que estes possam ser.

O verdadeiro Eu do bebé, na formulação de Winnicott, é, por natureza, associal e amoral. Não está muito interessado nos sentimentos dos outros.

O bebé grita quando precisa – mesmo a meio da noite ou num comboio cheio de passageiros.

Pode ser agressivo, mordendo e – aos olhos de um apreciador simpatizante das boas maneiras ou apreciador da higiene – chocante e um pouco nojento. Expressa-se onde e como quer.

Pode ser doce, é claro, mas nos seus próprios termos, e não para atrair ou regatear o amor.

Se uma pessoa tem sensação de se sentir autêntico como adulto, então deve ter desfrutado o imenso privilégio emocional de ter sido verdadeiro à sua maneira: exigir das pessoas a seu belo prazer, pontapear quando está com raiva, gritar quando está cansada, morder quando se sente irritada.

O verdadeiro Eu da criança deve ter a possibilidade de fantasiar destruir os pais quando está em fúria – e depois testemunhar que o pai sobreviveu; o que garante à criança um sentido vital e imensamente reconfortante de que não é de facto omnipotente, e que o mundo não colapsa perante os seus desejos destrutivos.

Quando as coisas correm bem, de forma gradual e voluntária, a criança desenvolve um Falso Selfcapacidade de se comportar de acordo com as exigências da realidade externa.

Isto é o que permite que uma criança se submeta às regras da escola, se torne adulto e tenha uma vida profissional.

Quando nos foi dada a possibilidade de ser Verdadeiro Self, não precisamos de nos insurgir e manifestar as nossas necessidades constantemente.

Podemos seguir as regras porque, durante algum tempo, conseguimos ignorá-las inteiramente.

Infelizmente, muitos de nós não tivemos o começo ideal.

Talvez a nossa mãe estivesse deprimida e o pai frequentemente irritado, talvez houvesse um irmão mais velho ou mais novo a viver uma crise e exigisse toda a atenção.

O resultado foi termos aprendido a cumprir cedo demais, e assim, tornado obedientes às custas da nossa autenticidade.

Nos relacionamentos podemos ser polidos e norteados para as necessidades dos nossos parceiros, mas não somos capazes de amar adequadamente.

No trabalho, podemos ser cumpridores, mas pouco criativos e originais.

Nestas circunstâncias, e esta é a sua genialidade, a psicoterapia oferece-nos uma segunda oportunidade.

Nas mãos de um bom terapeuta é-nos permitido a regredir até ao momento em que começámos a ser Falso Self.

Na sala do psicoterapeuta, contidos em segurança pela sua circunspeção, podemos aprender – mais uma vez – a sermos autênticos.

Podemos ser excessivos, difíceis, despreocupados, egoístas, agressivos, chocantes e irascíveis.

O terapeuta irá aceitar-nos – e, assim, ajudar-nos a experimentar uma nova sensação de vitalidade, que deveria ter lá estado desde o princípio.

A exigência de ser Falso Self, nunca desaparece, mas torna-se mais suportável, porque regularmente nos permitem, na privacidade da sala do terapeuta, uma vez por semana ou mais, ser Verdadeiro Self.

Winnicott era extremamente calmo e generoso com os seus pacientes quando eles estavam a tentar reviver o seu Verdadeiro Self.

Um deles partiu o seu jarrão favorito, outro roubou-lhe dinheiro e um terceiro insultava-o sessão após a sessão.

Mas Winnicott era imperturbável, sabendo que isso fazia parte de uma jornada de regresso à saúde, longe da fadiga mortal que aflige esses pacientes.

Podemos agradecer a Winnicott por nos recordar que o prazer e o sentimento de autenticidade devem passar por estágios de egoísmo e por certo tipo de comportamentos. Simplesmente, não existe outra forma.

Nós temos que ser autênticos antes de podermos ser vantajosamente, um pouco “falsos” – e se nunca tivemos permissão, então a nossa ansiedade, a nossa depressão vão dar nota de que precisamos dar um passo atrás, e a terapia está lá para isso.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de: “The True and the False Self” – Alain de Botton

falar alto e bom som

Falar alto e bom som

Por vezes pode parecer terrivelmente claro que, simplesmente, ninguém liga, ninguém se importa. Mal dão conta da nossa presença, dificilmente se aproximam para ouvir o que temos a dizer, não apanham nenhuma das nossas deixas – e, estão extremamente absorvidos com os seus próprios projetos e preocupações do dia-a-dia.

Com base em tais evidências, é fácil para nós cairmos numa conclusão perigosamente condenadora e muito dolorosa sobre nossa situação: estamos profundamente sozinhos – muito longe de qualquer possibilidade de conexão ou compreensão.

Mas a verdade pode ser ao mesmo tempo bastante mais simples e mais esperançosa.

De uma maneira geral estamos bastante disponíveis para ajudar quando percebemos que é urgente fazê-lo, mas também estamos distraídos e ocupados com nossas vidas para conseguirmos ​ aperceber-nos que se passa algo com as pessoas que nos são próximas, a menos que o problema seja apresentado de forma menos intrincada e mais clara.

Então, mas só então, entramos em acção e fazemos uso de todas as nossas capacidades e determinação de lidar com o sofrimento das outras pessoas. Por outras palavras, respondemos bem aos berros, mas terrivelmente com o subentendido.

A questão toma outra proporção nos casos trágicos em que alguém que conhecemos põe termo à sua própria vida. Estamos certos de que se tivéssemos sabido que se sentiam tão desesperados, teríamos feito qualquer coisa para ajudar. Ao mesmo tempo, também sabemos que não fazemos muitas perguntas, não olhamos muito de perto para certos sinais, e certamente, damos a impressão de estarmos constantemente ocupados. Acabamos a sentir-nos, obviamente, destroçados.

Ganharíamos muito se tivéssemos em conta certos factos sobre a natureza humana sem rancor ou surpresa quando estamos mais frágeis e desesperados. A aparente indiferença dos outros é verdadeiramente aparente. Precisamos aprender a falar de modo que se oiça – até que se oiça.

Infelizmente, tendemos a não ter confiança para fazê-lo precisamente quando é mais necessário, devido a um constrangimento primitivo que se apodera de nós quanto estamos frágeis, como se cada ser humano tivesse que passar pela vida contando apenas consigo. Parte da tragédia de estar desesperado é sentirmos que o nosso sofrimento é ilegítimo.

No entanto, nunca devemos esquecer-nos que, seja qual for a indiferença que possamos sentir, estamos rodeados de pessoas que quando vêem alguém em perigo, se atiram ao mar para o salvar. Se sabemos de forma clara que alguém (mesmo apenas um conhecido) está a precisar muito de nós, provavelmente deixamos tudo e corremos para ajudar.

Mas, ao mesmo tempo, somos incapazes de ler mentes e interpretar indirectas. Da próxima vez que estivermos em dificuldades, devemos lembrar-nos de que não devemos sentir-nos diminuídos por pedir ajuda, sabendo que a maioria das pessoas que nos rodeiam responderá à nossa dor uma vez que a ouçam. Precisamos lembrar-nos de falar alto e bom som.

 

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton

breakdown

Por que as Crises são tão importantes?

Um dos grandes problemas dos seres humanos é que somos muito bons a “continuar”, a “andar para a frente”.

Somos especialistas em render-nos às exigências do mundo externo, a viver de acordo como o que é esperado de nós e seguir as prioridades definidas pelos outros.

Continuamos a dar a imagem de sermos uns excelentes rapazes ou raparigas – e podemos, sem grandes marcas visíveis, manter esse feito mágico durante décadas.

Até que um dia, de repente, para a surpresa de todos, incluindo nós mesmos, quebramos.

A crise pode assumir várias formas.

Já não conseguirmos sair da cama. Cairmos numa depressão catatónica.

Desenvolvermos ansiedade social. Deixarmos de dormir e comer. Balbuciarmos incoerentemente. Perdemos o comando sobre uma parte do nosso corpo.

Somos levados a fazer coisas totalmente contrárias ao nosso Eu normal. Tornamo-nos completamente paranóicos em relação a qualquer coisa.

Recusamo-nos a agir de acordo com as “regras” nos nossos relacionamentos, temos um caso, fazemos uma fuga para a frente – ou, pelo contrário, colocamos um pau na engrenagem do dia-a-dia.

Uma crise não é apenas qualquer coisa a funcionar mal, é um apelo para a saúde.

As crises são extremamente inconvenientes para todos, e, sem surpresa, há uma urgência em medicalizar o problema e tentar retirá-lo de cena, para que as coisas, como de costume, possam continuar.

Mas isso é não compreender o que está a acontecer quando temos uma crise.

Uma crise não é apenas uma loucura fortuita ou qualquer coisa a funcionar mal, é algo muito real – um apelo para a saúde.

É uma tentativa de uma parte da nossa mente forçar a outra a um processo de crescimento, auto-compreensão e auto-desenvolvimento, que até então se recusou a empreender.

Se pudermos colocá-lo paradoxalmente, é uma tentativa de impulsionar o processo de ficar bem, verdadeiramente bem, através da doença.

O perigo de apenas medicalizarmos o problema e tentar fazê-lo desaparecer instantaneamente, é perder a lição embutida na nossa doença.

Uma crise não é apenas uma dor, embora também seja isso, é claro; é uma oportunidade extraordinária para aprender.

A razão pela qual quebramos é porque nós, durante anos, não quisemos ver as coisas.

Havia algo que era preciso ouvir dentro das nossas mentes, que colocámos habilmente de lado.

Existiam mensagens que precisávamos ter prestado atenção, aprendizagens emocionais e conexões que era necessário fazer e não fizemos.

E agora, depois de termos assobiado para o lado durante tanto tempo, demasiado tempo, o Eu emocional está a tentar fazer-se ouvir da única maneira que nesta fase ele sabe.

Está totalmente desesperado – e devemos entender e até empatizar com a sua raiva silenciosa.

Uma crise não é apenas uma dor, é uma oportunidade extraordinária para aprender.

O que a crise nos está a dizer acima de tudo é que as coisas não podem ser levadas como de costume.

Que as coisas têm que mudar ou (e isso pode ser assustador de testemunhar) o suicídio pode surgir no horizonte.

Por que não podemos simplesmente ouvir a necessidade emocional calmamente e, em tempo útil – evitar o melodrama de uma crise?

Porque a mente consciente é inerentemente preguiçosa e muito relutante em se envolver com o que a crise – de forma brutal – tem para dizer.

Durante anos, recusa-se a ouvir uma tristeza particular, uma ansiedade crescente, ou um problema num relacionamento.

Podemos comparar o processo com uma revolução.

Durante anos, as pessoas pressionam o governo para ouvir as suas exigências e agir em conformidade.

Durante anos, o governo diz “ok”, mas na prática não faz nada – até que um dia, as pessoas não aguentam mais, derrubam os portões do palácio, destroem as coisas à sua passagem e disparam aleatoriamente contra inocentes e culpados.

Normalmente, em revoluções, não há bons resultados.

As queixas legítimas e as necessidades das pessoas não são ouvidas nem tidas em consideração.

Há uma guerra civil muito feia – às vezes, literalmente, a morte. O mesmo se aplica às crises.

No entanto, perante as queixas físicas, os bons profissionais – tentam arduamente escutar em vez de censurar a doença.

Eles detectam entre as particularidades um pedido de mais tempo para nós mesmos, para um relacionamento mais próximo, para um modo de ser mais honesto e, para a aceitação de quem realmente somos.

É por isso que começamos a beber e a isolar-nos, ou a crescer inteiramente paranóicos ou maniacamente sedutores.

Uma crise representa uma vontade de crescimento que não encontrou outra forma de se expressar.

Muitas pessoas, depois de um horrível período de meses ou anos, dirão: “Eu não sei como é que eu teria ficado bem se eu não tivesse adoecido”.

No meio de uma crise, muitas vezes perguntamos se enlouquecemos.

Não, não enlouquecemos. Estamos a comportar-nos estranhamente, sem dúvida, mas sob a agitação superficial, estamos numa busca escondida e lógica para a saúde.

Nós não ficámos doentes; já estávamos doentes.

A nossa crise, se a pudermos superar, é uma tentativa de mudar o estado das coisas, um alarme insistente para reconstruirmos as nossas vidas numa base mais autêntica e sincera.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “The importance of having a breakdown” – Alain the Botton

sociabilidade não é sinónimo de festa

Sociabilidade não é sinónimo de festa

A ideia de sociabilidade é hoje fortemente associada a encontrar prazer em ir e, com grande probabilidade, dar festas.

Ser sociável significa aceitar a ideia de estar numa sala repleta de pessoas, muitas delas desconhecidas, a maioria das quais com um copo na mão, as luzes mais fracas do que habitual, e música um pouco mais alta do que o necessário.

Construímos conexões genuínas quando ousamos trocar pensamentos em que nos expomos, e deixamos ver quem realmente somos.

As festas tornaram-se sinónimo de sociabilidade por causa de certas ideias subjacentes sobre o que a verdadeira conexão social pode requerer e implicar.

Assumimos que a sociabilidade surge naturalmente quando bastantes pessoas estão juntas numa sala;

o que implica falar muito e, com marcada alegria sobre coisas que acontecem nas nossas vidas, de forma inteligente – idealmente – recorrendo a piadas divertidas, e se possível, envolvendo coincidências marcantes.

No entanto essas suposições levantam duas grandes objecções.

Em primeiro lugar, a verdadeira sociabilidade – que é uma conexão real entre duas pessoas – quase nunca é construída através de conversas superficiais, mas é o resultado de mostrarmos as nossas vulnerabilidades ​​diante de outra pessoa, e partilhar que por vezes nos sentimos confusos e solitários, sem sabermos muito bem o que fazer da vida.

Construímos conexões genuínas quando ousamos trocar pensamentos em que nos expomos, e deixamos ver quem realmente somos.

Fazemos amigos reais através da partilha franca e sem censura.

Em segundo lugar, a verdadeira sociabilidade requer um contexto.

Geralmente estamos sobre tanta pressão para parecermos normais, autossuficientes e sólidos, que somos, compreensivelmente, levados a espontaneamente esconder o verdadeiro Eu.

O nosso funcionamento padrão é – sem que nada de sinistro possa ser retirado daqui – é fingir sobre quem somos e como realmente correm as nossas vidas.

Isto sugere que uma ocasião genuinamente social pode ser bastante diferente do que normalmente imaginamos.

Pensamos num “bom anfitrião” como alguém que garante que haja vinho suficiente e, num instante, garanta que as pessoas saibam os nomes umas das outras.

Mas no sentido profundo, um bom anfitrião é alguém que cria as condições para que os estranhos possam começar a sentir-se seguros para mostrar quem são junto dos outros.

Fazemos amigos reais através da partilha franca e sem censura.

Infelizmente, o mundo moderno parece particularmente resistente a qualquer coisa que pareça pouco natural no que diz respeito a festas.

O pensamento é simplesmente acondicionar a sala e deixar o resto acontecer.

Mas um compromisso com uma sociabilidade mais profunda pode levar-nos a reconhecer que dependemos de uma pequena coreografia artística para nos levar à zona psicológica onde as conexões se podem desenrolar.

Podemos precisar de incentivo para compartilhar um pouco do que é mais profundo em nós.

Precisamos da ajuda de ligações não apenas para encontrar novas oportunidades de investimento, mas para nos conectarmos mais profundamente e compartilhar sentimentos.

As festas, tal como estão actualmente estruturadas, constituem um astuciosa distorção por uma minoria, talvez apenas dez por cento da humanidade, para persuadir o resto de nós de que recebemos o contacto social que desejamos.

Na verdade, é preciso que uma pessoa seja bastante limitada e misantrópica para sentir que o que se passa normalmente numa festa possa ser considerado algo que permite uma ligação entre dois seres humanos.

Se tivermos terror de festas, devemos ser generosos em relação aos nossos sentimentos.

Isso não significa que não gostamos das outras pessoas, pelo contrário, temos uma concepção demasiado ambiciosa de contacto social para aguentar o que é oferecido na maioria das festas.

A marca de uma pessoa verdadeiramente sociável pode, em muitas situações, ser simplesmente um forte desejo de ficar em casa.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Why Truly Sociable People Hate Parties” – Alain de Botton

the need to be alone psicoterapia

A necessidade de estar sozinho

Uma vez que a nossa cultura atribui um valor muito alto à sociabilidade, pode ser particularmente estranho ter de explicar o quanto

– em certos momentos – precisamos estar sozinhos.

Nós, os sufocados, sem tempo para nós mesmos, damos uma enorme importância às outras pessoas.

Escutamos atentamente as suas histórias, entregamo-nos e respondemos com emoção e empatia.

Ao longo do tempo fomos sendo afastados dos nossos próprios processos de pensamento-

As inúmeras exigências externas impedem-nos de escutar os nossos receios.

A pressão de uma alegria superficial é suficiente para negar a legitimidade dos nossos estados internos latentes – e, uma camada de senso comum achata as nossas peculiaridades e desejos.

Os momentos em que estamos sozinhos podem ser uma condição prévia para se ser um amigo melhor e um companheiro verdadeiramente atento.

Precisamos estar sozinhos porque a vida junto das outras pessoas desenrola-se muito rapidamente.

O ritmo é implacável: as piadas, os insights, as emoções.

Às vezes, para cinco minutos de vida social necessitamos de uma hora para reflectir.

É uma peculiaridade das nossas mentes que nem todas as emoções que nos impactam são, de uma vez, totalmente reconhecidas, compreendidas ou mesmo – por assim dizer – verdadeiramente sentidas.

Depois de passarmos tempo com os outros, há uma miríade de sensações que permanecem numa forma “não processada” dentro de nós.

É possível que alguém tenha tocado num assunto que nos deixou ansiosos, provocando pequenos impulsos para fazermos mudanças nas nossas vidas.

Talvez uma brincadeira tenha mexido em sentimentos desconhecidos que vale a pena descodificar e compreender.

Talvez alguém tenha disparado subtilmente um dardo agressivo contra nós, e não tivemos a possibilidade de reconhecer o ferimento.

Precisamos de algum tempo de tranquilidade para consolar-nos, formulando uma explicação sobre a origem do que sentimos.

Somos mais vulneráveis ​​e temos uma pele mais macia do que somos encorajados a imaginar.

O recolhimento em nós mesmos pode ser interpretado como falta de disponibilidade para o outro, mas os nossos momentos solitários são, na realidade, uma homenagem à riqueza da existência social.

Se não tivéssemos tempo para estarmos sozinhos, não teríamos opiniões originais, nem perspectivas vivas e autênticas.

Somos atraídos pela solidão, não porque desprezamos os outros, mas porque respondemos adequadamente ao que a companhia dos outros implica.

Largos momentos sozinhos podem, na realidade, ser uma condição prévia para se ser um amigo melhor e um companheiro verdadeiramente atento.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “The need to be alone” – Alain the Botton

psicoterapeuta pedro martins

Sonhar Acordado

Tendemos a nos repreender por olhar pela janela. Devias estar a trabalhar, a estudar, ou a fazer uma lista de tarefas. Pode parecer quase uma definição de tempo desperdiçado. Parece não produzir nada, não ter um propósito. É equiparado ao tédio, à distracção e à futilidade. O acto de colocar o queixo nas mãos junto de uma janela e deixar os olhos vaguear não goza de muito prestígio. Não andamos a dizer: “Eu tive um excelente dia: o ponto alto foi olhar pela janela”. Mas talvez numa sociedade melhor, esse é o tipo de coisa que as pessoas diriam umas às outras.

A questão do olhar através de uma janela é, paradoxalmente, não descobrir o que está a acontecer lá fora. É, antes, um exercício para descobrir o conteúdo das nossas próprias mentes. É fácil imaginar que sabemos o que pensamos, o que sentimos e o que se está a passar nas nossas cabeças. Mas raramente o fazemos inteiramente. Há uma grande parte daquilo que somos que circula inexplorado. O seu potencial está por explorar. É uma parte tímida que não surge sob a pressão do questionamento directo. Quando nos deixamos levar, o olhar pela janela oferece uma maneira de ouvir as sugestões mais silenciosas e as perspectivas das nossas partes mais profundas.

Platão sugeriu uma metáfora para a nossa mente: as nossas ideias são como pássaros pulsando na passareira dos nossos cérebros. Mas, para que as aves se estabelecessem, Platão entendeu que precisávamos de períodos de calma, livres de um propósito. Olhar pela janela oferece essa oportunidade. Nós vemos o mundo acontecer mas não precisamos de responder; não temos uma intenção particular e, portanto, as nossas partes mais profundas têm a possibilidade de serem ouvidas, como os sinos das igrejas, quando a cidade adormece.

O potencial de sonhar acordado não é reconhecido pelas sociedades obcecadas com a produtividade. Mas algumas das nossas maiores ideias surgem quando deixamos de nos sentir pressionados e, em vez disso, respeitamos o potencial criativo do devaneio. Sonhar acordado é uma rebelião estratégica contra as pressões imediatas (mas, de facto, insignificantes) – em favor da busca difusa, mas muito séria, do nosso Self.

psicoterapeuta

A importância da Vulnerabilidade

Há aspectos nossos que ao serem expostos a uma crítica pouco simpática podem resultar em humilhação.

Visto de perto nenhum de nós é impressionante. Ficamos acanhados, agitados, irritáveis e mal-humorados.

Sobre a pressão de certas situações gritamos, batemos com as portas e deixamos sair os nossos lamentos.

Vamos contra portas de vidro e damos quedas aparatosas na rua, aumentando a nossa colecção de episódios constrangedores.

Estamos constantemente preocupados como os outros nos vêem.

Desejamos o amor, mas somos distantes e pouco sensíveis com aqueles que nos são próximos.

Somos desajeitados nos nossos esforços para seduzir e dignos de pena na busca de atenção.

Os nossos corpos estão cheios de minudências e vulnerabilidades. De certos ângulos somos verdadeiramente embaraçosos.

Lutamos para esconder todas essas coisas. O nosso idiota interno é monitorizado com muito cuidado e implacavelmente silenciado.

Aprendemos desde os primeiros anos que a prioridade, quando se trata de vulnerabilidade, é disfarçá-la completamente. Sem arrependimento usamos o que podemos para parecer serenos, para apagar evidências das nossas tontices e para tentar aparentar sermos muito mais “normais” do que achamos que somos.

Estamos constantemente preocupados como os outros nos vêem.

Estamos, compreensivelmente, muito focados nas partes más da vulnerabilidade.

No entanto, a vulnerabilidade tem lados muito profundos e significativos.

Há momentos em que revelar fraquezas, longe de ser uma catástrofe, é a via para criar uma conexão.

Em certas situações podemos arriscar explicar, com rara franqueza, que estamos com medo, que às vezes nos sentimos mal e que fizemos muitas coisas disparatadas.

E ao invés de afugentarmos o outro, essas revelações podem servir para que nos vejam como mais humanos e, quem sabe, sentir que as suas próprias vulnerabilidades têm eco na vida dos outros.

Noutras palavras, as vulnerabilidades podem ser a primeira pedra de uma amizade, uma amizade propriamente dita, e não apenas um processo de admiração mútua, como troca de simpatias e consolos perante as dificuldades da vida.

Também há, é claro, formas más de lidar com a vulnerabilidade:

– Quando de forma agressiva impomos aos outros ajuda, ou quando as nossas falhas se repetem constantemente, ou quando ficamos mais perto da raiva ou da histeria, do que da tristeza e da melancolia.

A vulnerabilidade tem lados muito profundos e significativos.

A boa vulnerabilidade não espera que a outra pessoa resolva as nossas dificuldades.

Nós deixamos que eles vejam uma parte complicada de quem somos, simplesmente, na esperança que eles se sintam encorajados e mais confortáveis com eles mesmos para mostrar as partes que costumam esconder.

A boa vulnerabilidade é fundamentalmente generosa:

– Precisa do primeiro passo para ser revelada, assim como para torná-la mais segura para que as outras pessoas possam libertar-se e revelar algo do seu próprio Eu. É um presente em forma de um risco tomado por outra pessoa.

Para além disso, mostrar a vulnerabilidade é uma forma curiosa de mostrar quem nós somos, pois apesar das coisas embaraçosas, estamos longe de sermos vistos como ridículos ou dignos de pena.

Somos, pelo contrário, fortes o bastante para sermos fracos.

Deixamos que os nossos disparates e idiotices, a nossa raiva e a nossa tristeza sejam vistas, com a confiança de que essas características não têm que ser o veredicto final de quem nós somos.

É uma pequena tragédia gastar tanto tempo das nossas vidas a lutar para esconder as fraquezas, quando compartilhar abertamente a nossa vulnerabilidade é a via para que a amizade e amor possam acontecer.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins
A partir de Alain de Botton “The importance of vulnerability”

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