Por que precisamos sentir-nos escutados?
Um dos nossos desejos mais profundos – talvez mais profundo do que nos apercebemos – é sermos escutados e que as outras pessoas reconheçam alguns dos nossos sentimentos.
Queremos que – em momentos-chave – o nosso sofrimento seja compreendido, as ansiedades notadas e a nossa tristeza legitimada.
Não queremos que os outros concordem necessariamente com todos os nossos sentimentos, mas desejamos que, pelo menos, os validem.
Quando estamos furiosos, queremos que a outra pessoa diga:
Vejo que chegaste ao teu limite. Imagino que neste momento queiras desaparecer.
Quando estamos tristes, queremos que alguém diga:
Sei que estás em baixo e compreendo porque estás assim.
E quando já não aguentamos mais nada, queremos que alguém diga empaticamente:
Tem sido demasiado para ti; reconheço-o facilmente; claro que sim.
Parece absurdamente simples, e, de certa forma é. E, no entanto, tão pouco deste néctar emocional do reconhecimento recebemos de facto, ou presenteamos uns aos outros.
O hábito dos nossos sentimentos não serem devidamente escutados e reconhecidos começa na infância.
Os pais, mesmo os mais amorosos, escorregam frequentemente neste domínio.
Não é que teoricamente não se preocupem intensamente com os seus filhos, mas que não estimem que o verdadeiro cuidado envolve reflectir regularmente o estado de espírito das crianças – em vez de afastar subtilmente esses estados de espírito ou negar que eles existem.
Aqui estão algumas trocas típicas entre pais e filhos em que não se dá esse reconhecimento:
Criança: Estou a sentir-me triste.
Pai: Não sejas tonto, não pode ser, estamos de férias.
Criança: Estou realmente preocupada.
Pai: Querida, isso é ridículo, não há nada a recear aqui.
Criança: Quem me dera que nunca mais houvesse escola.
Pai: Não sejas tão tonto. Despacha-te que temos de sair de casa às oito.
Amamos tanto os nossos filhos, que não queremos imaginar que eles possam estar tristes ou preocupados, perdidos ou a passar um momento terrivelmente difícil na escola
Como as coisas poderiam ser diferentes, e a criança teria uma oportunidade de crescer de outra forma, se tais diálogos fossem ligeiramente afinados: se, por exemplo, os pais dissessem:
‘É realmente esquisito como podemos ficar tristes nos momentos mais estranhos, como nas férias…’
Ou: ‘Vejo que estás assustado: aquele vento lá fora está realmente muito forte…’
Ou: ‘Deve ser horrível começar a manhã logo com duas aulas de matemática, particularmente depois de um fim-de-semana tão agradável…’
Há uma razão pela qual não reconhecemos as coisas como poderíamos: o medo.
Os sentimentos que afastamos são todos, de uma forma ou de outra, emocionalmente inconvenientes, perturbadores ou aborrecidos:
Amamos tanto os nossos filhos, que não queremos imaginar que eles possam estar tristes ou preocupados, perdidos ou a passar um momento terrivelmente difícil na escola.
Além disso, podemos pensar que ao reconhecer um sentimento difícil, o tornará muito pior do que é. Isso significará fomentá-lo indevidamente ou ceder inteiramente a ele.
Receamos que, se dermos um pouco de espelhamento imparcial aos nossos filhos, possamos estar a encorajá-los a tornarem-se depressivos, cronicamente tímidos ou inteiramente resistentes à autoridade.
Mas é exactamente o oposto. Uma vez escutados, os nossos filhos não se afundam nos sentimentos que os assolam, mas libertam-se deles.
A pessoa zangada fica menos enfurecida quando a dimensão da sua frustração é reconhecida.
A criança rebelde cresce mais, e fica mais inclinada a cumprir e aceitar as normas quando os seus sentimentos de querer incendiar a escola, partir os óculos ao director e fugir para uma ilha deserta tiverem sido escutados e identificados.
Os sentimentos tornam-se menos fortes assim que lhes é dado espaço para se expressarem. Tornamo-nos “bullies” quando ninguém nos ouve, e nunca porque nos ouviram em demasia.
Um dos nossos desejos mais profundos é sermos escutados e que as outras pessoas reconheçam alguns dos nossos sentimentos
O problema dos sentimentos não reconhecidos não acaba – infelizmente – com a infância. Os casais passam rotineiramente pelo mesmo. Por exemplo:
Parceiro 1: Às vezes sinto que não me ouves…
Parceiro 2: Só podes estar a brincar comigo; eu dedico-me tanto a esta relação.
Parceiro 1: Estou preocupado com a possibilidade de ser despedido
Parceiro 2: Isso não é possível, trabalhas tanto.
O caminho para um divórcio litigioso ou para um caso extraconjugal começa a traçar-se.
A boa notícia é que é possível melhorar bastante as coisas com muito pouco esforço.
Basta, simplesmente, aprendermos a mudar a forma como habitualmente respondemos às afirmações daqueles que nos interessam.
Só precisamos reconhecer os seus sentimentos, mesmo os potencialmente embaraçosos, durante alguns momentos, usando certas frases mágicas:
Eu vejo que tu precisas muito de…
Tu deves estar a sentir-te tão…
Compreendo perfeitamente que…
Tais frases podem mudar o curso das vidas. A pessoa que precisa que os seus sentimentos sejam reconhecidos quase nunca usará isso como licença para aumentar a sua angústia ou culpa.
As leis da psicologia ditam que uma crise começa imediatamente a desvanecer uma vez que um simples espelhamento sem julgamento tenha tido lugar.
A pessoa zangada fica menos enfurecida quando a dimensão da sua frustração é escutada e reconhecida
Não precisamos de ser escutados por todos. Podemos suportar muitos sentimentos não reconhecidos quando determinadas pessoas – algumas delas na nossa infância, e idealmente uma delas no nosso “quarto” e no nosso círculo de amizades – de vez em quando nos escuta e nos faz voltar para nós.
Aquele que reclama, a pessoa movida por um desejo rígido de que todos os outros a ouçam, evidencia as consequências assustadoras de nunca ter sido ouvida quando isso era importante.
Quase não há limite para o que podemos estar dispostos a fazer por aqueles que nos prestam a imensa honra, psicologicamente redentora, de ocasionalmente nos escutarem, reconhecendo o que realmente estamos a sentir, por estranho, melancólico ou inconveniente que possa ser.
Traduzido/adaptado por Pedro Martins
a partir de: Why We Need to Feel Heard – Alain de Botton
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