A Depressão e a impossibilidade de expressar a raiva
Às vezes somos varridos por um clima de tristeza que parece não ter nenhuma causa.
Acordamos desanimados e apáticos. Falta-nos energia e um sentido.
As coisas perdem o sabor e os menores desafios tornam-se incontestavelmente pesados.
Lutamos para tentar ver sentido em qualquer coisa.
Estamos – como os médicos dizem – num estado de depressão severa.
A depressão pode estar relacionada com uma raiva que não encontrou forma de se expressar.
Uma das descobertas sobre a depressão foi encontrada em trabalhos de psicanálise.
Segundo esses estudos a depressão pode não estar unicamente relacionada com a tristeza.
Mas ser uma espécie de raiva que não tem sido capaz de encontrar forma de expressão e nos deixa tristes com tudo e com todos.
Quando, na verdade, estamos apenas irritados com certas coisas e pessoas específicas.
Se ao menos pudéssemos entender a nossa decepção e raiva mais intimamente poderíamos, eventualmente, recuperar a nossa paz.
Como é possível estarmos profundamente zangados e ainda assim não conhecermos as causas ou o sentido do nosso aborrecimento?
No entanto, essa falta de autoconhecimento não é, em termos de nosso funcionamento mental, inteiramente surpreendente ou anómala.
Nós somos endemicamente maus para perceber a origem e a natureza de muitos dos nossos sentimentos, e não apenas no que diz respeito à tristeza e à raiva.
Mas há uma razão mais forte, pela qual podemos perder o contacto com a nossa raiva:
– fomos ensinados, provavelmente desde a infância, que não é muito agradável estar com raiva.
A raiva viola a imagem de nós mesmos como pessoas gentis e solidárias.
Pode ser muito doloroso e culpabilizante reconhecer que podemos sentir-nos furiosos e vingativos, principalmente, em relação às pessoas que amamos.
O que nos irrita também pode ser considerado absurdo.
Há pessoas que nunca se atreveram a levantar as suas vozes e amargamente tiveram de engolir as mágoas.
Talvez tenhamos sido feridos pelo tipo de coisa que pode ser vista como “insignificante” e que aprendemos a não prestar atenção porque nos imaginamos fortes e acima de sermos afectados por pequenas coisas.
Por fim, podemos não conseguir ficar zangados porque à nossa volta não assistimos às vantagens da expressão da raiva.
Podemos associar a palavra à destruição, a uma loucura tão perigosa quanto contraproducente.
Ou então vivemos muito tempo rodeado de pessoas que nunca se atreveram a levantar as suas vozes e amargamente tiveram que engolir as mágoas.
Não é a existência per se que nos deixou em baixo, mas alguns eventos particulares e actores cuja identidade perdemos de vista.
No luto transformamos a tristeza ilimitada e inominável numa dor concreta
O caminho para sair desse tipo de depressão é perceber que a alternativa não é a alegria, mas o luto.
O luto é uma palavra útil para indicar um tipo focalizado de sofrimento sobre um tipo identificável de perda.
Ao estarmos “enlutados”, transformamos a tristeza ilimitada e inominável numa dor muito mais específica:
– uma dor sobre o pai que não estava lá para nós, sobre o irmão que nos humilhou, o amante que nos traiu, o amigo que mentiu.
Não passa necessariamente por sair e confrontar estas pessoas (algumas delas podem até já estar mortas), mas reflectir sobre o que aconteceu e tomar consciência da dimensão da nossa raiva e do fardo que ela representa.
É possível que isso implique levantar alguma poeira sobre certos relacionamentos e episódios na nossa mente, mas rapidamente a vida como um todo se torna mais manejável e esperançosa.
Traduzido/Adaptado por Pedro Martins
a partir de Alain de Botton
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