A Crítica – entre o desagradável e o insuportável
A crítica nunca é fácil.
Lidar com o facto de os outros nos considerarem ridículos, feios, desagradáveis ou incompetentes é um dos aspectos mais desafiadores de qualquer vida.
No entanto, o impacto da crítica é extremamente variável – e depende, em última análise, de um detalhe um pouco inesperado: o tipo de infância que tivemos.
O facto de a crítica ser experimentada como meramente desagradável ou completamente catastrófica depende do que aconteceu connosco há muitos anos com os nossos cuidadores.
O que se entende por uma “infância má” é aqui, simplesmente, uma questão de amor.
Uma criança chega ao mundo com uma capacidade muito limitada para lidar consigo própria.
É a tolerância, o entusiasmo e o perdão do outro que gradualmente nos acomoda à existência.
A forma dos nossos cuidadores nos olharem torna-se na forma como nos vemos.
É por sermos amados pelos outros que adquirimos o dom de olhar com simpatia para nós próprios.
Simplesmente, não está na nossa incumbência acreditar em nós mesmos por conta própria.
Estamos totalmente dependentes de um sentimento interior de termos sido valorizados de forma indirecta por outra pessoa, como uma protecção contra a subsequente negligência do mundo.
Nós não precisamos ser amados por muitos.
Nós não precisamos ser amados por muitos, um bastará, e doze anos podem ser suficientes (idealmente dezasseis).
No entanto, sem esse amor, a contínua admiração de milhões nunca será capaz de nos convencer de que somos bons.
Mas com esse amor, o desdém de milhões é indiferente.
As infâncias más têm a triste tendência:
— De nos levar a procurar situações em que existe uma possibilidade teórica de recebermos uma aprovação excepcional (o que também significa, um alto risco de encontrar uma enorme desaprovação) e por isso fazemos esforços desmesurados na tentativa de sermos famosos e visivelmente bem-sucedidos.
Mas é claro que o mundo em geral nunca dará emocionalmente a confirmação incondicional desejada.
Existirão sempre os discordantes, críticos e pessoas igualmente afectadas pelo seu próprio passado para poderem ser gentis com os outros.
E é para essas vozes que aqueles que tiveram infâncias complicadas se vão direccionar, por mais entusiástica que a multidão possa ser.
Ao longo do caminho podemos constatar que o principal indicador de ser um bom pai é quando um filho, simplesmente, não tem interesse em ser admirado por um grande número de desconhecidos.
Nós não ouvimos todos a mesma coisa quando somos criticados.
Alguns de nós, os sortudos, ouvimos apenas a mensagem superficial do aqui e agora: que nosso trabalho ficou abaixo das expectativas, que devemos esforçar-nos mais nas nossas funções, que o nosso livro, filme ou música não é brilhante. Isso é suportável.
Mas os mais feridos entre nós ouvem muito mais.
A crítica leva-os directamente para a ferida primitiva.
Um ataque no presente entrelaça-se com os ataques do passado e cresce desmesuradamente e de forma incontrolável na sua intensidade. O chefe ou colega pouco amável torna-se o pai que nos decepcionou.
Tudo é questionado. Não só achamos que fizemos um mau trabalho, como somos uma miséria, pois foi assim que nos sentimos naquela época, na nossa mente infantil, frágil e indefesa.
Saber mais sobre a nossa infância proporciona-nos uma via fundamental de defesa contra os efeitos da crítica.
Isso significa que podemos estar atentos, quando nos sentimos atacados e despoletamos a desnecessária auto-depreciação.
Podemos aprender a separar o veredicto de hoje do veredicto emocional que trazemos connosco e que constantemente procuramos confirmar através de eventos do dia-a-dia.
Podemos aprender que, por mais tristes que sejam os ataques que enfrentamos, eles não são nada comparados com a verdadeira tragédia e causa efectiva da nossa tristeza: que as coisas não correram bem naquela época.
Saber mais sobre a nossa infância proporciona-nos uma via fundamental de defesa contra os efeitos da crítica.
E assim podemos dirigir a nossa atenção para onde é realmente precisa; longe das críticas actuais e apontada para aquele pai da nossa infância, pouco convencido do nosso valor.
Podemos perdoar-nos por sermos, neste caso, inocentes, fatalmente sensíveis e, em essência, mentalmente afectados.
Não podemos parar os ataques do mundo, mas podemos – através da exploração das nossas histórias – mudar o que significam para nós.
Também podemos e devemos dar uma segunda oportunidade: voltar atrás e corrigir o veredicto original do mundo.
Podemos tomar medidas para nos expormos ao olhar de amigos ou, idealmente, de um bom terapeuta que possa ser um espelho mais benigno e ensinar-nos o que deveriam ter-nos ensinado desde o início:
Como todos os humanos, quaisquer que sejam as nossas falhas, merecemos estar aqui. Este é o nosso lugar.
Traduzido/adaptado por Pedro Martins
a partir de “Criticism when you’ve had a bad childhood” – Alain de Botton
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