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O Perfeccionismo - Pedro Martins Psicólogo Clínico / Psicoterapeuta

O Perfeccionismo

Segundo Stoeber (2014), o perfeccionismo é caracterizado por padrões de exigência extremamente elevados, acompanhado por uma tendência a ser muito crítico nas avaliações.

Esta disposição reflete-se principalmente no desempenho escolar/académico e no trabalho, mas também na aparência física.

Hollender definiu o perfeccionismo como o hábito de exigir a si próprio e aos outros um elevado grau de desempenho; maior do que o requerido pela situação.

O perfeccionismo é a tendência para estabelecer elevados padrões pessoais de desempenho juntamente com uma avaliação excessivamente crítica desse desempenho e um enorme medo de errar.

 

Perfeccionismo e Psicopatologia

A necessidade de ser perfeito ou de ser visto como perfeito pelos outros é um factor de risco para a saúde mental.

Tem sido associado à depressão, às perturbações de ansiedade, às perturbações obsessivo-compulsivas e aos distúrbios do comportamento alimentar.

As pessoas perfeccionistas esforçam-se desmesuradamente para serem perfeitas e evitar o erro, que é sentido como catastrófico.

A marca indelével deixada pelo erro contribui para a formação de um sentimento negativo sobre si mesmo. Uma baixa autoestima ou a sua diminuição pode gerar sintomas depressivos.

Inúmeros estudos encontram uma correlação significativa entre perfeccionismo e depressão.

No perfeccionista o medo de falhar gera uma enorme ansiedade no desempenho das tarefas. Quanto mais importante e investida a tarefa maior a ansiedade.

Boivin e Marchand (1996) referem que o perfeccionismo está associado a várias perturbações de ansiedade.

O resultado de vários estudos indica que o perfeccionismo afecta diretamente a ansiedade, ou seja, um maior nível de perfeccionismo gera um maior nível de ansiedade.

Guidano e Liotti (1983) sugeriram que o perfeccionismo constitui um dos traços fundamentais para o desenvolvimento da perturbação obsessiva- compulsiva nos indivíduos com personalidade obsessiva.

 

A necessidade de ser perfeito ou de ser visto como perfeito pelos outros é um factor de risco para a saúde mental.

 

O funcionamento mental do obsessivo-compulsivo organiza-se em torno de certas crenças que se caraterizam por aspetos perfeccionistas, necessidade de certezas e a convicção de que existe uma solução perfeita.

O perfeccionismo tem sido associado à perturbação obsessivo-compulsiva, na medida em que o sujeito obsessivo-compulsivo tende a apresentar um ideal de perfeição em todas as áreas da sua vida.

O sujeito obsessivo-compulsivo tem dificuldade em suportar as incertezas e por consequência, tenta eliminá-las através de um comportamento compulsivo.

A crença destes sujeitos baseia-se no facto de que, não cometendo erros, evitam a crítica – tão difícil de suportar.

O perfeccionismo também tem sido associado às perturbações do comportamento alimentar (Shafran et al., 2002), tendo um papel importante na sua patogénese, manutenção e resposta ao tratamento.

Um estudo de Forbush et al. (2007), com amostra de 2482 sujeitos mostrou uma relação significativa entre o perfeccionismo e os distúrbios alimentares, particularmente, a Anorexia Nervosa e a Bulimia.

Outro estudo de Teixeira (2008) com 1465 adolescentes e jovens adultos, com idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos que pretendia avaliar a relação entre perfeccionismo e as atitudes e comportamentos alimentares mostrou que os adolescentes que apresentavam resultados mais elevados no Teste de Atitudes Alimentares eram também os que apresentavam pontuações mais altas nos níveis de perfeccionismo.

 

O perfeccionista procura exteriormente, através do seu desempenho, uma validação que não encontra interiormente.

 

Os perfeccionistas adotam um estilo de vida marcado por um esforço intenso, persistente e compulsivo para atingir metas dificilmente atingíveis, acompanhado por autoavaliações excessivamente críticas e severas, procurando valorização através do seu desempenho.

Devido à insuficiência narcísica  perfeccionista procura exteriormente, através do seu desempenho, uma validação que não encontra internamente.

Por mais perfeito que seja, jamais alcança esse sentimento interno de que é bom o suficiente para o outro.

Daí ter uma grande dificuldade de diminuir o grau de exigência que impõe a si mesmo.

Ao mesmo tempo, pode ficar enfurecido com aquele que não se rege pelos mesmos níveis (desproporcionados) de exigência.

A liberdade e a descontração do outro são sentidas como um ataque a quem é escravo do perfeccionismo e do qual não se consegue libertar.

Enquanto não conseguir fontes internas de valorização o perfeccionista não é dono e senhor de si próprio.

Patologia Narcísica - Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Patologia Narcísica

Quando a mãe não é suficientemente boa, não ocorre a idealização do Eu, comprometendo ou impedindo a formação de um ideal do Eu.

Nestes casos o indivíduo não pode reagir de uma maneira interna, pelo que a sua autoestima, o seu sentimento de integridade vai depender dos outros, de algo exterior.

Assim na patologia narcísica a regulação da auto-estima continua a ser obtida através dos outros/exterior que, pela identificação projectiva, recebem essa função por delegação e, pela identificação introjectiva, ocuparão provisoriamente o lugar que deveria ocupar a estrutura interna.

A insegurança e os sentimentos de inferioridade que o próprio sente impedem-no de se auto valorizar, procurando a valorização através do exterior.

Somente com a formação de um ideal do Eu suficientemente estável está assegurado o narcisismo indispensável.

Assim, consideramos que narcísico é aquele que não teve, na relação com a mãe o espaço para se ver como uno.

Foi vivenciado como um pendente, um projecto da mesma, conferindo-lhe um sentimento de que não possui vida própria e independente.

Anulado na sua existência, tornou-se servo do outro com quem aprendeu que deve satisfazer e não desiludir.

Não se conheceu através do outro, não se reconhece sem ele. Vivencia com estranheza o seu corpo e os seus sentimentos, sente-se incompleto.

Projecto de uma mãe que não reconheceu as suas qualidades e de um pai que permitiu que permanecesse uma ligação fusional à mãe.

Filho de pais cujos desejos correspondem à recusa de dependência do filho bebé, porque lhes desencadeia ansiedades intoleráveis e porque exigem que o filho seja a perfeição (omnipotente), de modo a reflectir a própria imagem de perfeição dos pais narcísicos.

 

Não amado e não reconhecido no seu valor, o indivíduo passa a adoptar condutas de compensação que possibilitem o disfarce da imagem de inferioridade que tem de si próprio.

 

O narcísico impede-se de olhar para o seu interior e passa, de forma maníaca, a mascarar a sua ferida, escondendo-se no exterior e por detrás de um ideal do Eu, impessoal e megalómano, que face ao menor desequilíbrio se despenha num precipício de inferioridade e vergonha.

Quando a perda do amor do outro ocorre precocemente durante a fase de formação da auto-imagem como pessoa, durante o processo de narcisação primária, desencadeia uma tendência mais depressiva em que a imagem que o sujeito tem de si é, de um modo generalizado, negativa.

O indivíduo tem uma autoestima baixa relativamente a todo o seu desempenho.

O sujeito que ao longo do seu desenvolvimento não se sentiu valorizado estabelecerá relações amorosas que lhe permitam a ilusão de possuir uma autoestima verdadeira e de libertação dos seus sentimentos de auto-desvalorização.

O facto de ter sido amado parcialmente faz com que se ligue ao outro de modo parcial, estabelecendo relações bidimensionais baseadas em processos primários onde o que interessa são os aspectos exteriores e não a pessoa em si.

 

Na patologia narcísica a autoestima é regulada através dos outros e não pelo próprio.

 

Em termos de resumo podemos dizer que não amado e não reconhecido no seu valor, o indivíduo passa a adoptar condutas de compensação que possibilitem o disfarce da imagem de inferioridade que tem de si próprio.

Passa então, a rodear-se de pessoas que lhe conferem a ilusão mágica de “eu sou o que tenho”, possibilitando a criação de estratégias de sedução que serão tanto mais eficazes quanto se rodeie de pessoas deslumbrantes.

O indivíduo sente que para afirmar o se Eu necessita compulsivamente de possuir e ganhar poder.

Num exibicionismo contínuo que cria a ilusão de unicidade e exclusividade, acrescentando ao próprio o sentimento de que é importante.

No nosso entender o narcísico é alguém que procura através da ligação com o outro, um auto-reconhecimento e a aquisição de um sentimento de existência, que não conseguiu com os cuidadores/pais.

Considera-se que o narcísico tem uma imagem desvalida de si, procurando na ligação ao outro atingir a identificação ao Ideal do Eu, não investindo o outro, mas sim a imagem grandiosa que julga poder obter através dessa ligação.

A ligação ao outro processa-se de forma maníaca evidenciando uma tríade de sentimentos:

controle, desprezo e poder, permitindo que o indivíduo se coloque numa posição de destaque, eliminando a inveja e a competição.

Pedro Martins

Do Domínio ao Abuso Narcisista Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Do Domínio ao Abuso Narcisista

Mães-Filhas – Do Domínio ao Abuso Narcisista

Toda a mulher que alcança a condição de mãe vê-se confrontada com dois modelos de realização, que correspondem a aspirações geralmente contraditórias: ou mãe, ou mulher.

É verdade que estes dois modelos podem coexistir numa mesma pessoa, numa mesma identidade, num mesmo corpo.

Mas existem mulheres que se tornam quase exclusivamente mães, demitindo-se do seu papel de mulher.

A patologia do apego consiste em dar ao filho (bebé) todo o espaço, exercendo uma omnipotência sobre um ser totalmente dependente, exigindo em troca uma entrega igualmente infinita.

Ruth Klüger: “Só as crianças são mais dependentes que (algumas) as mulheres, é por isso que as mães são muitas vezes tão dependentes da dependência dos seus filhos em relação a elas.”

Devido à dependência total, embora transitória, os bebés de ambos os géneros esperam dedicação total da mãe.

Para a menina a mãe é também sua semelhante.

É por isso que a dependência originária não tem a mesma ressonância e não terá as mesmas consequências para cada um dos géneros.

Por esse mesma razão, observaremos esta questão, maioritariamente, na relação mãe-filha.

Nos primeiros meses de vida, a chegada de uma criança exige muito tempo e atenção, até mesmo uma certa abnegação.

Mas isso não é motivo para que uma mulher tenha por missão dedicar-se exclusivamente à filha, nem, sobretudo, obter a satisfação que deveria sentir ou reencontrar junto do parceiro.

Pelo contrário, muitas encontram a sua razão de viver na simbiose com a filha-espelho, tendo o pai sido reduzido, no melhor dos casos à transparência ou – no pior – à condição de obstáculo a ser removido.

 

O abuso narcisista é também um “abuso identitário” porquanto os filhos são despojados da sua própria identidade

 

Totalmente dedicada à filha – mas sobretudo através da filha, a si mesma e aos seus sonhos de grandeza – afasta-se do parceiro.

O lugar do pai junto da filha é inexistente pois a mãe apropriou-se da criança.

A filha é apenas o brinquedo passivo do abuso narcisista, o objecto indefeso do todo-poderoso amor devorador da mãe.

Protegido pelas virtudes da maternidade, e depois de ter “despachado” o pai, a mãe pode usar a criança para projectar nela as suas próprias fantasias de sucesso – glória e amor total – que ela não conseguiu realizar na sua vida de mulher.

Embora também exista domínio da mãe sobre o menino, é antes de tudo sobre a filha que ela se exerce, nas formas mais obscuras e mais arcaicas, chegando por vezes à violência.

Obrigação de conformidade aos modelos, depreciação do sexo feminino, imposição de segredos, culpabilizações e intrusões de toda a ordem são as formas mais visíveis – entre as quais, a confusão de identidades constitui provavelmente a forma mais subtil, mas também a mais perigosa.

 

A filha é o brinquedo passivo e indefeso do abuso do todo-poderoso amor devorador da mãe.

 

O “abuso narcisista” da criança pelos pais e, em particular, pela mãe, é a projecção do progenitor sobre a criança.

Os dons da criança são explorados, não para desenvolver os seus próprios recursos, mas para satisfazer as necessidades de gratificação dos pais.

Mas, se o abuso narcisista pode adoptar várias configurações:

– pai-filho, mãe-filho, pai-filha, mãe-filha – é no entanto esta última que assume as formas mais puras e devastadoras.

O abuso narcisista é também um “abuso identitário”, sendo que os filhos são colocados num lugar que não é o seu.

E, ao mesmo tempo, despojados da sua própria identidade justamente por aquela – a mãe – que tem a responsabilidade de ajudar a construí-la.

Sejam quais forem as causas, é muito provável que o resultado, para as meninas, seja a reprodução da insatisfação materna.

Pois o sobre-investimento pela mãe vem acompanhado de um défice de amor real, que a criança transforma em falta de auto-estima,

A insaciável busca de reconhecimento e necessidade de amor nunca é apaziguada.

 

(continuação no artigo: Conquistar o Amor da Mãe Narcisista)

Bibliografia: Meres-Filles ; Une Relation A Trois – Caroline Eliacheff e Nathalie Heinich

Conquistar o Amor da Mãe Narcisista - Pedro Martins Psicólogo Clínico Psicoterapeuta

Conquistar o Amor da Mãe Narcisista

A criança não para de multiplicar as suas proezas na tentativa de merecer pelos seus dons, o amor da mãe narcisista.

Mas este amor é sempre insatisfatório, já que nunca é dirigido para ela mesma, por ela mesma – mas apenas para aquilo que a filha representa, ou seja, a imagem idealizada da mãe.

O “dom” da criança resulta, pois, da sua capacidade, excepcionalmente desenvolvida, de responder às expectativas da mãe abusiva.

Essa insegurança afectiva, essa falta de amor engendra por sua vez uma fuga para a frente em performances cada vez mais elaboradas porque a criança nunca cessa de tentar merecer esse amor que jamais chega até ela, já que não lhe está destinado.

Por norma são adolescentes, muitas vezes brilhantes, mas sempre ávidas de satisfações narcisistas, alternando períodos de excitação e depressão, de hiperactividade e de passividade.

Sempre desejosas de agradar, mas geralmente pouco amadas, às vezes com distúrbios alimentares, e ao mesmo tempo preocupadas com as suas formas.

Afectivamente imaturas mas sexualmente experientes.

Este é o destino da menina quando a sua mãe, esquecida da sua própria identidade de mulher, a encarregou de realizar as suas aspirações no seu lugar.

O que ocorre com as mães “mais mães que mulheres” diante da autonomização das filhas?

As mães designadas de “possessivas” ou “fusionais” percebem o momento em que as filhas se vão emancipar e voltar-se para outras fontes de gratificação:

Primeiro as amigas e depois os homens, preencherão uma aspiração que a mãe, por mais amorosa que seja, não consegue satisfazer.

Pois a filha enquanto mulher, enquanto ser sexuado, já não é a filha criança.

É essa diferença que as mães têm dificuldade em admitir, isto é, integrar na relação, mesmo se, em teoria, elas o saibam muito bem.

 

A mãe tenta reter e a filha tenta sair. E desta saída depende a sua sobrevivência psíquica.

 

Excluídas da vida social e amorosa das filhas tentam adiar esse momento funesto separando-as do mundo.

Imiscuem-se nas relações das filhas e dessa forma manter o controlo sobre elas. Com a boa intenção, é claro, de não deixar a filha perder-se.

Também a filha vive dolorosamente a perda daquilo que era um encantador idílio.

Mas somente enquanto ela jogou o jogo, enquanto foi objecto passivo, o brinquedo consciente de uma mãe abismada na maternidade.

Agora a filha já não está na infância mas a escrever a sua história, e com necessidade de avançar a todo o custo. Cortar os laços e estabelecer outros.

É importante referir que existe o perigo de nos novos laços a filha da mãe narcisista recriar a fusão e a simbiose com o parceiro.

É muito difícil fazer o corte com esta mãe para se tornar mulher e muitas nunca o conseguem fazer na totalidade devido à falta de modelo.

 

Não basta crescer e tornar-se adulto para se libertar da relação com a mãe narcisista

 

Ou seja, estas mães só mostraram à filha o que é ser mãe mas ficou um vazio quanto ao ser mulher.

As que o conseguem não deixam de se debater com grandes sentimentos de culpa: “como é que se pode abandonar uma mãe que nos ama tanto?”

A culpa faz a sua parte: a filha renuncia a deixar a mãe e viver por conta própria, hipotecando a sua liberdade e as possibilidades de ser feliz.

Que enorme ingratidão seria deixar a mãe que tudo lhe deu e continua a viver só para ela!

Só uma filha desnaturada não reconhece a grandeza do amor da sua mãe.

A mãe tenta reter e a filha tenta sair. E desta saída depende a sua sobrevivência psíquica.

A filha empurra para o futuro, a mãe puxa para o passado.

Mas elas não estão numa posição simétrica no que diz respeito à fronteira entre a infância e a idade adulta, que é a adolescência.

A mãe tem a norma social que encoraja as mães a serem totalmente mães.

De modo que a filha tem contra si o peso da norma que ela internalizou em forma de amor pela sua mãe, de gratidão, de dependência, e quando procurou escapar, de culpa.

As posições não são, portanto, em nada simétricas: à consciência limpa da mãe corresponde a consciência pesada da filha.

Com efeito, não basta crescer e tornar-se adulto para se libertar da relação mãe-filha.

No pior dos casos a filha cede e renúncia à saída, pelo menos temporariamente.

No melhor, deixa de ser a criança-de-sua-mãe e realizará o seu destino de mulher.

 

Bibliografia: Meres-Filles ; Une Relation A Trois – Caroline Eliacheff e Nathalie Heinich

 

Porque as pessoas são más. Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Por que é que as pessoas são más?

Por que é que as pessoas são más? Maldade – origem e reprodução

Algumas crianças não são muito simpáticas para os seus irmãos e irmãs, nem para os seus colegas de turma na escola.

Chamam-lhes nomes, implicam com eles ou tentam estragar-lhes o recreio.

Podem fingir ser suas amigas e depois dizer coisas muito pouco simpáticas nas suas costas.

Parece que tudo o que querem é que as outras pessoas se sintam pequenas e estúpidas.

Pode ser realmente perturbador e assustador estar do lado de quem recebe este tipo de intimidação.

Mas porque é que as pessoas são más?

Porque é que uma pessoa quer fazer outra pessoa sentir-se miserável?

A resposta é muito surpreendente: é porque elas se sentem pequenas e miseráveis dentro de si mesmas.

Não se sabe ao olhar para elas — elas podem parecer fortes e confiantes e muito satisfeitas consigo próprias. Podem parecer rir-se muito — talvez rirem-se de nós.

Mas se pensarmos nisso, ninguém que seja realmente feliz quereria fazer outra pessoa infeliz.

As pessoas que são realmente fortes e confiantes são quase sempre gentis e amáveis para com os outros.

Se alguém é mau e um agressor é porque em casa, ou no passado, alguma coisa ou alguém a assustou.

Provavelmente nunca saberemos os detalhes, mas podemos imaginar.

 

As pessoas são más porque se sentem pequenas e miseráveis dentro de si mesmas.

 

Talvez tenham um irmão mais velho que se mete com elas. Ou a mãe esteja sempre a mandar nelas. Talvez os pais gritem um com o outro.

Dentro das suas cabeças, estas pessoas que parecem tão corajosas e destemidas, na verdade sentem-se tristes e preocupadas.

Estão demasiado assustadas para deixar alguém ver como se sentem realmente fracas, por isso tentam fazer-se sentir melhor, fazendo outra pessoa sofrer.

Aqueles que foram feridos, ferem os outros.

Compreender isto não resolve imediatamente o problema se alguém estiver a ser mau para nós, mas pode ajudar um pouco.

Pode ajudar-nos a lembrar que não merecemos ser mal tratados, que não é algo que tenhamos feito e que não há nada de errado connosco.

A melhor maneira de compreender um intimidador ou uma pessoa má é colocar-mo-nos na sua posição.

Pensemos numa altura em que não tenhamos sido muito simpáticos para alguém.

A maioria das pessoas é um pouco má para alguém em algum momento, ou pode até ter querido ser um bocadinho horrível, mesmo que nada venham a fazer ou a dizer.

Não é mau ou errado, é apenas a vida.

Agora pensemos porque é que fomos maus para essa pessoa — é quase sempre porque algo mais nos estava a incomodar, que não sabíamos como corrigir.

 

Alain de Botton, Big ideas for curious minds

 

Mães Narcisistas Pedro Martins Psicoterapeuta

Mães Narcisistas

Quando a psicóloga Karyl McBride começou a ler livros sobre o vínculo mãe-filha, não pôde deixar de chorar.

Esses textos despertaram lembranças do seu passado. Ela tentou encontrar situações que a lembrassem do apego e da proximidade com a mãe.

Detalhes como o perfume que ela usava, o som da sua voz ou a temperatura da sua pele quando ela a abraçava. Mas não chegou a nenhuma.

Foi assim que ela teve consciência dessa carência e deu conta que, pelo menos na literatura, não havia nada escrito para filhas de mulheres não-maternais.

“Embora esta seja uma relação que muitas vezes deixa grandes feridas, não encontrei nada escrito que falasse sobre isso.”

“As meninas não odiavam as suas mães e a maternidade era mostrada como uma instituição sagrada na maioria das culturas”, escreveu mais tarde no seu texto “A minha mãe não me mima: como superar as sequelas causadas por uma mãe narcisista” (2018).

Este foi um projecto que ela desenvolveu como uma espécie de catarse: uma viagem emocional à sua infância, momento em que se sentiu carente de afecto e absolutamente invisível.

“Há mães tão emocionalmente carentes e tão ensimesmadas e egoístas que são incapazes de dar amor incondicional e apoio emocional às suas filhas.

 

As filhas das mães narcisistas gastam tempo e energia a tentar obter amor, atenção e validação do resto das pessoas, sem resultado.

 

Eu vi como os relacionamentos turbulentos das minhas pacientes com as suas mães, bem como a relação com a minha mãe, estavam claramente relacionados com o narcisismo materno.”

 

Quais são as dinâmicas da relação entre uma filha e uma mãe narcisista?

As meninas criadas por uma mãe narcisista sentem falta da empatia e a incapacidade da sua progenitora se sintonizar com o mundo emocional delas.

Não se sentem reconhecidas, ouvidas ou vistas. Elas referem que são invisíveis para os seus pais.

E, embora em alguns casos não tenham consciência dessas situações, elas crescem com a sensação de que as suas necessidades emocionais não são satisfeitas pelos adultos.

Podem ter um teto, roupas, comida, e todas essas coisas físicas asseguradas, mas as suas emoções não são escutadas ou validadas.

A mãe narcisista não demonstra afecto pela filha, a menos que isso a ajude em alguma coisa.

O carinho é uma retribuição, algo que é dado como moeda de troca. Não é incondicional.

Então cresce e vive toda a sua vida em torno das necessidades do outro, tentando fazer a sua mãe feliz, sem espaço para se auto-construir.

 

Quais são as consequências na vida quotidiana de um adulto ter crescido com uma mãe narcisista?

Como a menina não conseguiu fazer a sua mãe feliz, ela internaliza uma mensagem negativa de “eu não sou suficientemente boa”.

A internalização da falta de empatia e de amor faz com que sinta que “ninguém me pode amar”, “sinto-me vazia”, “não confio nos meus próprios sentimentos”, “as dúvidas paralisam-me”.

Depois, as filhas das mães narcisistas gastam tempo e energia a tentar obter amor, atenção e validação do resto das pessoas, sem resultado. Isso causa-lhes tristeza, raiva, angústia e decepção.

 

“Eu vi como os relacionamentos turbulentos das minhas pacientes com as suas mães, bem como a relação com a minha mãe, estavam claramente relacionados com o narcisismo materno.”

 

A necessidade primordial de se sentir unida a alguém é interrompida e deixa essa cicatriz, porque quando a confiança é afectada na infância, torna-se difícil confiar nos outros na idade adulta.

Além disso, torna a pessoa susceptível a atrair inconscientemente outros narcisistas na sua vida, mas agora na figura de amigos ou amantes, porque é a maneira de “gostar e ser gostada” que conhecem.

A menina, já adulta, não confia em si mesma e cresce sempre com dúvidas.

A falta de validação de quem elas são e das suas emoções faz com que se tratem a si mesmas como foram tratadas pela mãe narcisista.

Isso inclui serem duras consigo e não darem crédito a nada das coisas que constroem e conquistam.

 

Como a menina não conseguiu fazer a sua mãe feliz, ela internaliza uma mensagem negativa de “eu não sou suficientemente boa”.

 

Se a pessoa não se submete a um tratamento e toma a seu cargo a sua recuperação, vai experimentar sintomas semelhantes aos do transtorno de stress pós-traumático.

 

Como se explica uma mãe narcisista?

O narcisismo resulta de um trauma na infância. E não distingue géneros. São adultos que também foram vítimas de pais narcisistas.

Crescem sem terem consciência, sem trabalhar em si mesmos, a noção de que não são responsáveis ​​por seus próprios sentimentos ou comportamentos e, portanto, transmitem o que eu chamo de “legado do amor distorcido”.

Como especialista, decidi aprofundar a relação filha-mãe, mas também a relação pais e filhos, do género masculino, que são narcisistas.

McBride enfatiza a relação mãe-filha, porque as meninas, ao contrário dos seus irmãos homens, enfrentam uma dinâmica que eles não têm: a mãe narcisista vê a filha como uma extensão, não como alguém independente, com sua própria identidade.

 

Quando a confiança é afectada na infância, torna-se difícil confiar nos outros na idade adulta.

 

É por isso que ela pressiona a rapariga a agir e reagir tal como ela faria. E, por efeito, quando a filha não recebe validação desde a mais tenra idade, descobre que não tem transcendência no mundo e que os seus esforços não têm nenhum efeito.

“Há muitos temas de adultos que não devem ser expostos aos filhos. Tem de se permitir que eles sejam crianças, para se concentrarem nas coisas que importam para eles.

Não devem ser sobrecarregados com as preocupações dos “crescidos”. Pais narcisistas envolvem os seus filhos prematuramente no mundo adulto.

Uma mãe narcisista que constantemente confia à filha as dificuldades que tem no seu relacionamento com o marido, por exemplo, não entende como isso pode ser doloroso para a menina.

A filha sabe que compartilha traços com o pai e com a mãe; portanto, a menina interpreta a crítica ao pai como uma crítica a si mesma.

 

Como se rompe com o legado narcisista?

Ao trabalhar com um adulto vítima de uma relação parental narcisista, deve, em primeiro lugar, reunir-se os antecedentes, identificar o problema, e entendê-lo a um nível cognitivo.

Processar os sentimentos relacionados com a situação: sentir e reprogramar as mensagens negativas herdadas.

O conceito chave é a aceitação.

Separar-se psicologicamente da mãe e começar a construir uma consciência autêntica.

 

Os pais narcisistas envolvem os seus filhos prematuramente no mundo adulto.

 

Pergunte a si mesma quais são os seus direitos, reconheça o seu valor, a sua capacidade de assumir compromissos e desenvolver uma mãe interior: tornar-se alguém que pode nutrir-se, amar e cuidar-se a si mesma.

Então pode começar a ter um relacionamento saudável com a sua mãe, identificar as suas próprias características narcísicas e a recusar-se a transmitir esse legado. Todos podem mudar.

No entanto, embora a perspectiva seja encorajadora, não é um caminho fácil: “A terapia é necessária nesse processo para que o paciente se possa sentir validado e reconhecido.

É difícil para os pacientes desenvolver este “processo de acusação” às suas mães por causa dos sentimentos de culpa e do tabu que essa questão desperta.

O perdão é algo interno que vem depois de processar o trauma de uma infância difícil.

É claro, costumo recomendar aos meus pacientes que evitem confrontar a mãe ou o pai narcísico porque eles não aceitarão a responsabilidade ​​e a discussão terminará com os pais a acusar o filho de estar errado ou louco.

E como você evita ser uma mãe narcisista?

Com empatia. Se você se emociona com os sentimentos dos outros, você não é narcisista. É tão simples A empatia é a antítese do narcisismo. E, portanto, essa é a melhor maneira de cuidar de um filho.

 

Entrevista de Juan Cruz Giraldo a Karyl McBride

Traduzida/adaptada por Pedro Martins

Infantilização dos filhos - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

A Infantilização dos Filhos

Tratar um adulto como se fosse uma criança – infantilização -, cria um ciclo de dependência.

A ponto de vermos jovens adultos a perguntar constantemente, o que fazer e como fazê-lo.

Os efeitos negativos da infantilização nos adultos estão bem documentados:

– traduzem-se numa crescente diminuição da capacidade de funcionar autonomamente.

Mesmo nas crianças, a infantilização pode ter consequências negativas.

Imagine que tem uma filha pequena que acabou de aprender a atar os atacadores dos ténis.

Ela, objectivamente, leva mais tempo para fazer isso do que você.

Como normalmente está com pressa para sair de casa, você vai continuar atar-lhe os atacadores de manhã para não perder uns minutos preciosos.

Ao assumir essa tarefa que ela já pode fazer sozinha, você está a afectar o sentimento de autonomia da sua filha, mesmo que esteja a fazer isso por um motivo perfeitamente legítimo.

A infantilização nos adultos traduz-se numa crescente diminuição da capacidade de funcionar autonomamente.

Depois deste exemplo, imagine o que acontece com os pais muito narcísicos.

Os pais narcísicos precisam que os filhos permaneçam dependentes deles por muito tempo.

Quando os filhos crescem estes pais têm muito medo de não se sentirem importantes na vida dos filhos.

Nathan Winner e Bonnie Nicholson (2018), estudaram o papel da superprotecção: tratamento continuado dos filhos como se fossem crianças – infantilização.

De acordo com os autores, a superprotecção envolve excesso de envolvimento e intrusão, combinada com calor humano e pronta capacidade de resposta, em situações em que as crianças não precisam de ajuda nem de se sentirem seguras.

Os pais super-protectores, ao manterem os filhos dependentes deles, podem impedir o desenvolvimento adequado da independência do jovem adulto.

O que, por sua vez, leva o indivíduo a não ser capaz de viver uma vida adulta.

A superprotecção envolve excesso de envolvimento e intrusão.

Os pesquisadores acreditam que o controlo excessivo presente na superprotecção está no centro das dificuldades que os filhos de pais narcisistas podem sentir.

Winner & Nicholson definem o “controlo psicológico parental” como uma intrusão emocional, e não apenas tentativas de limitar a criança a tornar-se um adulto.

Os resultados (obtidos através de correlações) permitiram que os autores considerassem a relação entre o comportamento de controlo excessivo dos pais e o narcisismo das crianças.

Noutras palavras, os sujeitos com sentimentos de inferioridade, foram os que estiveram expostos a pais intrusivos que os tentavam controlar.

Os autores concluem que os pais que vão longe demais no seu desejo de permanecerem proeminentes e envolvidos na vida dos filhos contribuem para o desenvolvimento de sentimentos de inferioridade.

Os pais intrusivos levam os filhos a desenvolver sentimentos de inferioridade.

A existência desta relação sugere que os problemas narcísicos podem ser transmitidos de geração em geração.

Os pais emocionalmente intrusivos produzem filhos que, por sua vez, sentem que essa é a melhor maneira de criar um filho.

Também é importante notar que os pais que são demasiado controladores, efectivamente, são muito carinhosos enquanto cuidam dos filhos e lhes dão tudo (ou mais do que tudo).

Assim, os filhos sentem que serão amados se acederam os desejos dos pais, deteriorando ainda mais o seu sentimento de autonomia.

Ter sido tratado como uma criança não significa que você tenha que ser criança para sempre.

Ao ter uma percepção da forma como se deu o seu crescimento pode, finalmente, reconhecer o seu próprio potencial para ser um adulto e encetar movimentos no sentido da independência .

Por que algumas pessoas têm tanta dificuldade de admitir os seus erros - Pedro Martins Psicoterapeuta

Por que algumas pessoas têm tanta dificuldade de admitir os seus erros?

Todos cometemos erros com alguma regularidade.

Alguns erros são pequenos, como: “Não, não é preciso pararmos no supermercado, há leite que chegue para o pequeno-almoço”.

Alguns maiores, como: “Não é preciso andarmos a correr; temos tempo de sobra para chegar ao aeroporto e fazermos o check-in tranquilamente”.

Outros com grandes implicações, como: “Eu sei que estava escuro e a chover, mas tenho certeza de que foi este homem que arrombou a casa do outro lado da rua”.

Ninguém gosta de estar errado. É uma experiência emocional desagradável.

A questão é:

Como respondemos quando descobrimos que estávamos errados?

Quando não havia leite suficiente para o pequeno-almoço; quando apanhámos trânsito e perdemos o voo, ou quando descobrimos que devido à nossa identificação um homem inocente foi preso.

Alguns de nós admitimos que estávamos errados e dizemos: “Oops, tu estavas certa. Deveríamos ter comprado leite”.

Alguns de nós insinuamos que estávamos errados, mas não o fazemos explicitamente ou de uma maneira que seja satisfatória para a outra pessoa: “Tínhamos muito tempo para chegar ao aeroporto a horas, o problema foi o trânsito estar invulgarmente caótico. Mas tudo bem, para a próxima saímos mais cedo.

Mas algumas pessoas recusam admitir que estão erradas, mesmo diante de evidências esmagadoras: “Eles libertaram-no devido aos testes de DNA e à confissão do responsável? Ridículo! Tenho a certeza que foi ele; eu vi que foi ele!”

O que é que psicologicamente torna impossível admitir os erros? O Ego

Os dois primeiros exemplos são, provavelmente, familiares para a maioria de nós, porque são respostas típicas aos nossos erros.

Aceitamos a responsabilidade total ou parcialmente (às vezes, muito, muito parcialmente), mas não contrariamos os factos.

Não alegamos que havia leite suficiente quando não havia, ou que não estávamos atrasados para ir para o aeroporto.

Mas o que leva as pessoas a reagir contra os factos; a não admitir que estavam erradas em qualquer circunstância?

O que é que psicologicamente torna impossível admitir que estavam erradas, mesmo quando é óbvio que estavam?

E porque é que sistematicamente não admitem que estavam erradas?

A resposta está relacionada com o seu ego.

Algumas pessoas têm um ego tão frágil, uma auto-estima tão baixa, uma constituição psicológica tão fraca, que admitir que cometeram um erro ou que estavam erradas é insuportável para os seus egos.

Aceitar que estavam errados, lidar essa realidade, seria tão catastrófico psicologicamente, que a mente faz algo notável para evitar isso:

– Literalmente, distorce a percepção da realidade.

Dessa forma protegem o ego frágil, mudando os próprios factos na sua mente, para que não estejam errados ou sejam culpados.

Nesse sentido, fazem afirmações do tipo:

“Eu verifiquei e havia leite suficiente, alguém deve ter bebido”.

Quando lhes é dito que ninguém esteve em casa depois de saírem, logo, ninguém poderia ter bebido o leite, eles insistem:

“Alguém deve ter bebido, porque eu verifiquei e havia leite”.

As pessoas que repetidamente exibem esse tipo de comportamento são, por definição, psicologicamente muito frágeis.

A rigidez psicológica que apresentam não é um sinal de força, antes uma indicação de fraqueza.

Aliás, a rigidez psicológica, é, regra geral, sinal de fragilidade.

Estas pessoas não decidem manter-se firmes; são obrigadas a fazer isso para protegerem os seus egos frágeis.

Para admitir os nossos erros é necessária uma certa capacidade emocional.

Normalmente ficamos aborrecidos quando erramos, mas superamos isso.

Entre os que superam os erros, temos uns que o fazem com muita dificuldade: os perfeccionistas.

Mas quando as pessoas são constitucionalmente incapazes de admitir que erraram, quando não conseguem tolerar a ideia de que podem cometer erros, é porque têm um ego demasiado frágil para superar o sentimento de que falharam.

Daí terem que deformar a própria percepção da realidade e contestar factos óbvios no sentido de se defenderem de forma rígida contra a realidade.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

Why It’s So Hard for Some People to Admit They Were Wrong – Guy Winch

O Ressentimento Nas Relações. Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

O Ressentimento nas Relações

A intensidade e a rapidez com que se instala o ressentimento afecta, sobretudo, os relacionamentos afectivos.

Como sabemos, o ressentimento está ligado à vulnerabilidade narcísica.

Estamos a falar de situações em que a pele psíquica é fina e delicada, e, portanto, facilmente ferida.

O ferimento não só desencadeia raiva, como um enorme ressentimento (característico da patologia borderline).

A decepção com alguém ou o desprazer com uma situação leva à rotura do laço afectivo e ao desinvestimento em relação à pessoa ou à situação frustrante.

Em virtude do violento, indomável e duradouro desejo de vingança, dá-se uma retracção narcísica e uma rotura relacional: a rotura por ressentimento.

Trata-se de uma rotura tendencialmente definitiva e dissolvente da representação do outro, que se apaga, quase desaparece.

Consequentemente, surge o sentimento de vazio – fruto da desertificação do mundo interior.

 

o ressentimento está ligado à vulnerabilidade narcísica.

 

O ressentimento resulta do não reconhecimento e insuficiente apreço de que o sujeito foi vítima na infância por parte de pessoas significativas.

E, por vezes, objecto de troça e alvo do ridículo.

O ressentimento é a espinha irritativa que permanentemente espicaça a agressividade destas pessoas.

De realçar que na génese da vulnerabilidade narcísea, está a ausência ou insuficiente confirmação narcísica nos momentos de reaproximação:

– Quando a criança volta à proximidade com as pessoas de referência e espera ver nestas o comportamento de aplauso pelos seus desempenhos.

Mas há ainda outro importante aspecto da rotura relacional por ressentimento. Trata-se do seu desastroso resultado:

O sujeito não parte para a luta, não se bate pela conquista ou reconquista do outro, da relação, do seu próprio objectivo. Fica preso na raiva.

A fim de limitar o sofrimento e a decepção, em fase de circunstâncias desagradáveis ou mesmo insuportáveis, retira-se e desinveste.

Trata-se de um desinvestimento temporário, voltando ao fim de algum tempo a investir de novo.

Muitas vezes, na mesma pessoa ou objectivo: o que se tornou hostil e desprezível pode voltar a ser amável e interessante.

Só a resolução de ressentimentos antigos pode pôr fim a este ciclo.

Bibliografia: “O Desespero” – A. Coimbra de Matos

As famílias dos pacientes Borderline - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

As Famílias dos Pacientes Borderline

Nas famílias dos pacientes borderline  temos um dos pontos-chave da etiopatogenia: a insuficiência narcísica dos pais e a sua própria personalidade limite ou próxima.

A necessidade que alguns pais têm de que os filhos preencham as suas lacunas narcíseas, é um dos aspectos mais importantes para o desenvolvimento dos estados limite.

O amor que dedicam ao filho depende de uma condição: que o filho os complete, lhes dê o brilho que eles não têm ou julgam não ter.

O amor que os pais dedicam não é incondicional, mas condicionado.

O filho é, então, uma espécie de prótese, instrumento ou adorno de um ou de ambos os pais. Só é valorizado enquanto tal, quando e como desempenha essa função.

Função tão essencial para o pai, que o filho será maciçamente desprezado e desinvestido se não a executar.

Vemos, portanto, um amor condicionado, não incondicional (é neste sentido que se emprega o conceito de “amor incondicional”; não, como é óbvio, na acepção de um amor exagerado, sem limites – que seria abafante e impeditivo de um desenvolvimento autónomo e diferenciado.

Trata-se de um vínculo de indiferença mais do que propriamente de hostilidade, que empobrece significativamente a interacção e a vida mental.

As pessoas vivem em conjunto mas sem intimidade afectiva; estão próximas, mas pouco comunicantes; dependentes, mas sem densidade de relação. Têm uma necessidade amorosa que jamais satisfazem.

As mães narcísicas e simbiotizantes tratam os filhos como objectos.

A mãe ou pai narcisista apresenta ainda outro aspecto patológico: o seu amor é captativo – na intenção de receber – e não de um amor oblativo como é próprio dos pais mentalmente saudáveis, e, desde logo, promotores de um desenvolvimento normal.

Cria-se então um laço filho-mãe/pai invertido: é o próprio filho que desempenha a função parental.

Se não cumpre este mandato será eternamente acusado de mau filho, sem amor pelos pais, abandonante, filho ingrato.

Em resumo a etiologia da patologia borderline:

– Personalidade borderline dos pais

– Modos anómalos de comunicação intra-familiar (informação paradoxal, abuso da mentira, manipulação).

– Encorajamento e recompensa dos comportamentos de obediência, de pendência, apego/desencorajamento e punição dos comportamentos de espontaneidade, autonomia e desapego.

– Incompetência e incoerência maternas – respostas inadequadas e ditadas, não pelas necessidades da criança, mas pelas variações de humor da mãe.

– Mães narcísicas e simbiotizantes que tratam os filhos como objectos transitivos, não considerando as suas (deles filhos) próprias necessidades – que, portanto não satisfazem – e controlando-os e utilizando-os para e a seu bel-prazer.

– Falência do pai: ausência de um pai que não só preencha as falhas como corrija os erros maternos e ajude na desidealização da mãe.

Assim, podemos considerar duas ordens de factores causais preponderantes:

a) Pais intrusivos, abafantes, controladores, agressivos, e traumatizantes. Famílias fechadas.

b) Pais distantes, abandonantes, negligentes e rejeitantes. Famílias desunidas.

Bibliografia: “O Desespero” – A. Coimbra de Matos

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