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Independência: Como ser emocionalmente Independente Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Independência: Como ser emocionalmente Independente

Há uma condição determinante para alcançar a independência: uma boa dependência.

Só experienciando uma dependência segura na relação com o outro podemos interiorizar um sentimento de segurança, condição necessária à independência.

Aqueles que necessitam certificar a sua independência perante o outro, são os que estão presos numa dependência má.

Uma vez que não conseguiram/não lhes foi permitido separar-se/autonomizar-se, o “outro” representa uma espécie de ameaça; algo do qual é necessário manter distância para não se sentir dependente.

Se a minha fome nunca é saciada fico eternamente preso à fonte de alimento.

Mas se eu for devidamente alimentado terei energia suficiente para ir buscar alimento a outra fonte e não ficar dependente de uma única fonte.

Em termos de relacionamentos poderíamos dizer que obtendo alimento afectivo suficiente junto dos pais/cuidadores – relação primária -, terei energia para procurar alimento afectivo junto de uma parceira – relação adulta.

Muitas psicoterapias são interrompidas porque os pacientes começam a sentir-se dependentes.

É caso para dizer que ainda procuram a boa dependência, mas como só conhecem a má dependência, receiam desenvolver uma relação mais profunda, ou seja, ficarem dependentes.

Se o terapeuta não compreender os medos de dependência do paciente e falar sobre eles nas sessões, a psicoterapia, muito provavelmente, será interrompida.

As relações saudáveis não causam dependência. Elas proporcionam espaço para vivermos estados de dependência quando precisamos ser cuidados, e espaço para crescer e nos autonomizar-mos.

o perigo das crianças perfeitas

Os perigos das crianças perfeitas

As crianças “perfeitas” fazem os trabalhos de casa a tempo e horas, mantêm o quarto arrumado, são um bocadinho tímidas, estão sempre prontas para ajudar os pais e são muito cautelosas nas suas brincadeiras.

Uma vez que não levantam muitos problemas, tendemos a assumir que está tudo bem com as crianças bem comportadas.

Não são razão para uma preocupação particular. Essa atenção é dirigida às crianças que fazem asneiras.

As pessoas imaginam que as crianças bem comportadas estão bem porque fazem tudo o que se espera delas.

E é precisamente aí que está o problema. As tristezas secretas – e as dificuldades futuras – da menina ou menino bonzinho começam com a excessiva necessidade de satisfizer.

As crianças “perfeitas” não são “perfeitas” por um capricho da natureza, mas porque não têm outra opção.

A sua bondade é uma necessidade ao invés de uma escolha.

Assumimos que está tudo bem com as crianças bem comportadas porque não levantam problemas.

Muitas das crianças “perfeitas” são boas por amor a um pai deprimido que não consegue lidar com mais complicações ou dificuldades.

Ou talvez sejam muito bem comportadas para acalmar um pai violento que se poderia tornar insuportavelmente assustador perante qualquer sinal de conduta menos do que perfeita.

Ou talvez os pais sejam muito ocupados e distraídos e só sendo muito boa criança, poderia esperar conseguir atenção dos pais.

Embora a repressão de emoções produza uma obediência agradável a curto prazo, armazena uma enorme quantidade de dificuldades na vida adulta.

Os educadores e os pais mais experientes devem detectar os sinais de gentileza exagerada – e lidar com eles de acordo com o risco que representam.

As crianças “perfeitas” dizem palavras adoráveis e são especialistas em satisfazer as expectativas dos seus públicos, mas os seus pensamentos e sentimentos reais permanecem soterrados.

Nesse sentido, podem viver numa amargura corrosiva, apresentar sintomas psicossomáticos e surtos repentinos.

Os educadores e os pais mais experientes devem detectar os sinais de gentileza exagerada.

O problema da criança boazinha é que ela não tem a experiência de que as outras pessoas são capazes de tolerar a sua maldade.

Elas perderam um privilégio vital concedido à criança saudável:

– O de ser capaz de mostrar os seus lados invejosos, gananciosos, ego-maníacos e, apesar disso, ser tolerada e amada.

As pessoas do género “irrepreensível”, normalmente, apresentam problemas particulares em torno da sexualidade.

Em criança podem ter sido elogiadas por serem puras e inocentes.

No entanto, quando se tornam adultos, como todos nós, descobrem os arrebatamentos do sexo.

E podem encontrar excitação em situações que aos seus olhos podem ser repugnantes e perversas mas indescritivelmente prazerosas.

Isto pode contrastar radicalmente com a imagem do que eles estão “autorizados” a ser.

Podem, em resposta, negar os seus desejos, ficarem frios e desprendidos dos seus corpos – ou cederem aos seus anseios apenas de uma forma desproporcional, que seja destrutiva para outras partes das suas vidas.

As crianças “perfeitas” são especialistas em satisfazer as expectativas dos outros.

No trabalho, o adulto exemplar também vai ter problemas. Tal como as criança, eles seguem as regras.

Nunca arranjam problemas e tomam muito cuidado para não irritar ninguém.

Mas, como sabemos, quem segue todas as regras não chega muito longe na vida adulta.

Quase tudo o que é interessante, que vale a pena fazer, vai encontrar um certo grau de oposição.

Estar devidamente maduro envolve uma relação franca e sem medo com a própria escuridão, complexidade e ambição.

Envolve aceitar que nem tudo o que nos faz felizes agradará aos outros ou será honrado como particularmente “agradável” pela sociedade -, mas, apesar de tudo, pode ser importante para nos mantermos ligados.

O desejo de ser bom é uma das coisas mais bonitas do mundo, mas para ter uma vida verdadeiramente boa, às vezes precisamos ser (com os padrões da boa criança) frutífera e corajosamente mauzinhos.

Traduzido/Adaptado por Pedro Martins
a partir de Alain de Botton

psicólogo clínico

Os pensamentos patológicos

Para weiss, o que podemos chamar de instrumento operativo para a adaptação à realidade são os “pensamentos”, conscientes e inconscientes, os quais podem ser saudáveis ou patológicos.

Os pensamentos patológicos podem ser erróneos acerca da realidade externa ou sobre si mesmo, e conduzem a atitudes e comportamentos desadaptados da realidade que são fonte de sofrimento para o sujeito e, frequentemente, para quem com ele convive.

Estes pensamentos patológicos formaram-se, quase sempre, em consequência de um comportamento inadequado por parte dos pais, de relações conflituosas no ambiente familiar, por exemplo com os irmãos, ou de outras circunstâncias complexas que o indivíduo não pode assimilar.

Referi comportamento inadequado por parte dos pais porque os pensamentos patológicos não são fruto unicamente da negligência ou maltrato, mas também de um comportamento que origine uma má interpretação da realidade.

Por exemplo, um comportamento muito protector pode induzir na criança o pensamento de não se sentir capacitado para fazer frente a situações difíceis. Uma mãe que sofra de grande ansiedade nos momentos das inevitáveis e quotidianas separações mãe/criança provocará na criança o pensamento de que a separação é má e que deve ser evitada, que a realidade é perigosa, que é responsável pelo sofrimento da mãe, etc.

Adaptado de Joan Coderch
“La prática de la psicoterapia relacional”

psicoterapia daddy issues

Daddy Issues

Dizer que alguém tem “Daddy Issues” é uma maneira um pouco depreciativa de aludir a um desejo muito compreensível:

– Ter um pai que é forte e sábio, que é sensato e gentil.

Talvez com alguns defeitos, mas sempre justo e, principalmente, sempre do nosso lado.

É muito compreensível querer ter alguém assim nas nossas vidas, especialmente em momentos difíceis.

Na primeira infância somos particularmente indefesos e necessitamos de protecção.

Somos frágeis e não conseguimos entender o mundo. À nossa volta tudo é novo e fora do nosso controle.

A “fome” de um pai é – nas circunstâncias – totalmente natural.

Um homem adulto, como facilmente se pode compreender, é impressionante para uma criança pequena.

Parece que sabe tudo: a capital da Nova Zelândia, como conduzir um carro, como dizer algumas palavras numa língua estrangeira, como descascar um abacate.

Vai para a cama misteriosamente tarde e levantam-se antes de nós.

Na piscina podemos colocar os braços ao redor do seu pescoço e descansar nas suas costas.

Ele leva-nos nos seus ombros e ajudam-nos a tocar o tecto. É muito além de surpreendente – quando se tem 4 anos…

É muito compreensível desejar ter um pai forte e sábio, sensato e gentil.

O paradoxo dos “daddy issues” é que aqueles que os têm são  (quase sempre) pessoas que não tiveram pais muito bons quando eram pequenos.

Talvez o pai fosse forte, mas em última análise, cruel, intimidador ou desinteressado.

Talvez ele estivesse mais interessado noutro irmão ou no seu trabalho.

Talvez ele estivesse mais afastado, saísse de casa depois de um divórcio ou tenha morrido jovem.

O anseio adulto por um pai não é o resultado de ter tido um bom pai na infância, mas uma consequência de sentimentos de abandono.

O anseio por um pai pode inclinar-nos para alguns padrões de comportamento complicados.

Por mais maduros e cépticos que possamos ser na maioria das áreas, em relação à ideia de protecção masculina permanecemos um pouco como a criança pequena que nós fomos, pois não nos foi permitido amadurecer nessa área.

Secretamente ansiamos por um homem que possa cumprir o papel que ficou por desempenhar.

Ele vai tomar conta de nós. Ele vai tomar decisões, vai ser forte e certeiro, e fazer os nossos problemas desaparecerem.

Ele vai ficar com raiva e agressivo com quem nos faz mal; Ele terá orgulho em nós e amar-nos como nós somos.

A nossa necessidade faz com que procuremos um pai nas amizades, no trabalho e, não menos importante, na política.

O anseio por um pai pode inclinar-nos para alguns padrões de comportamento complicados.

O perigo é que esses “pais” podem, no final, prejudicar gravemente a nossa confiança, pois ninguém tem o poder de apaziguar o tipo de anseios que trazemos.

Eles podem saber muito bem o que queremos e, ingenuamente ou cinicamente prometer preencher essas necessidades, mas gradualmente (por vezes demasiado tarde) percebemos que eles têm mil defeitos, como todos nós.

Podemos perceber que eles não têm uma atitude assim tão nobre. Que os nossos inimigos não se foram.

Que eles não nos podem ajudar. Que não há de facto dinheiro suficiente no mundo para fazer o que prometeram. E que – na verdade – eles realmente não nos amam.

A fantasia da figura “pai” da idade adulta não é de facto um bom pai por uma razão:

– Verdadeiramente, os bons seres humanos sabem que não são tão poderosos e estão felizes em admitir o facto de forma clara e honesta, logo que estamos prontos para receber a notícia – o que acontece normalmente quando temos cerca de doze anos de idade e conscientes de novos poderes e capacidades.

Um bom pai (além dessa idade) não finge ser todo-poderoso.

Confessa que não pode resolver todos os nossos problemas e não pode magicamente salvar-nos de uma infinidade de perigos, não importa o quanto eles o desejem.

O bom pai decepciona-nos logo que somos fortes o suficiente para suportar a realidade.

Por amor, eles desfazem a ideia de que poderia haver um pai perfeito e ideal. Eles tentam o melhor que podem para nos ajudar a crescer.

Secretamente ansiamos por um homem que possa cumprir o papel que ficou por desempenhar.

Se encontrarmos alguém que tem “daddy issues”, a tentação é dizer-lhes para “crescer”, gozar com eles e – em particular – brincar com a figura “daddy” com a qual se podem ter identificado.

Esta não é uma estratégia muito sábia nem muito amável.

Simplesmente tende a enraizar a devoção – porque, sempre que somos atacados, naturalmente, sentimos mais do que nunca a necessidade de protecção de um pai idealizado.

O que realmente precisamos para ultrapassar os “daddy issues” é algo mais parecido com as acções de um pai genuinamente bom:

– Alguém que verdadeiramente reconhece o nosso sofrimento e os nossos medos, que profundamente quer o que é melhor para nós e não é relutante em dizer isso.

Mas que ao mesmo tempo – por amor – quer ajudar-nos a aceitar um mundo confuso e decepcionante.

Um homem que – por amor – nos encorajará a sermos independentes e, especificamente a não fantasiar que qualquer um, por mais imponente que seja, pode fazer o impossível.

Os bons paizinhos nos permitem suportar a verdade de que, no final, não existem “daddys”.

Traduzido e adaptado por Pedro Martins
a partir de Alain de Botton

psicoterapia

O direito a estar triste. Entre a tristeza e a paixão

“Há um fenómeno social, que se vê muito na família e na escola, e que a mim me impressiona particularmente, que é o não reconhecimento por parte dos adultos que as crianças têm direito de estar tristes, ou a ter tristezas, ou a ter desgostos, ou a sofrer com as suas tristezas.”

A recusa do adulto em reconhecer a tristeza da criança corresponde à recusa do adulto em reconhecer a sua própria tristeza infantil e até a sua tristeza actual.

Quer dizer, ele também foi vítima disso, ele também teve tristezas que teve de esconder, que teve de disfarçar, que teve de resolver de uma certa maneira, porque os adultos, no seu tempo de criança, também já não lhe concediam o direito à sua tristeza.

Porque a tristeza conduz a uma reflexão sobre a própria pessoa, sobre o próprio eu, leva-nos a olhar para dentro e a procurarmos ver o que se passa dentro de nós.

Enquanto, que na paixão, por exemplo, a pessoa está toda voltada para fora e só vê o objecto amado, o objecto de amor.

Quando se está apaixonado por uma pessoa, ou por uma ideia, ou seja lá o que for, a pessoa está toda voltada para fora.

Na tristeza, pelo contrário, a pessoa está toda voltada para dentro.

E na cultura ocidental nós recusamos muito a depressão, ao contrário do que acontece muito com os orientais que aproveitam muito para meditar, para pensar, para reflectir, para atingir o discernimento das coisas.

A palavra discernimento creio que significa compreender sentindo.

Corresponde mais a descobrir do que propriamente a compreender no sentido racional.

E a tristeza dá um discernimento, uma compreensão, nesse sentido, de que aliás todos nós nos apercebemos se voltarmos um pouco atrás e virmos o que foi a nossa vida.

A pessoa cresce, desenvolve-se e aperfeiçoa-se à custa desses movimentos de voltar para fora e de voltar para dentro o seu olhar.

Vemos que os momentos de tristeza nos conduziram a modificações importantes na vida.

Muitas vezes há essa reflexão, esse olhar para dentro de que às vezes a gente não se apercebe, de que não damos conta por isso, mas a verdade é que ele existe, porque a pessoa está voltada para dentro.

Nessas alturas, quer seja na adolescência quer seja na idade adulta, está de facto, a reflectir sobre todos os seus problemas, os mais íntimos, os mais pessoais, e menos voltada para as coisas de fora e para os problemas dos outros.

Esse discernimento corresponde mais a um fazer-se luz dentro de nós e portanto a compreendermo-nos melhor através de um fechar de olhos ao que está para fora e voltar o nosso olhar, a nossa compreensão das coisas para dentro.

Isso na infância é fundamental para que a pessoa cresça.

A pessoa cresce de facto, desenvolve-se, aperfeiçoa-se à custa desses movimentos de voltar para fora e de voltar para dentro o seu olhar.

De uma certa maneira são, movimentos de paixão e movimentos de tristeza.”

“Eu agora quero-me ir embora”
João dos Santos
Conversas com
João Sousa Monteiro

masturbação

Masturbação (?)

Recentemente, em casa de uns amigos, passou-se o seguinte:

O filho deles andava aos saltos de um lado para o outro, mas a mão, raramente se desprendia dos calções.

Não estará com vontade de fazer chichi, alguém perguntou. Descontraidamente, o pai respondeu, “está entretido…”

A manipulação dos órgãos genitais está associada à masturbação, mas para ser considerada masturbação falta o essencial, a fantasia.

A masturbação com um verdadeiro significado sexual é praticada em segredo, às escondidas e não no meio da sala onde todas as pessoas podem ver.

Os pais apercebem-se do que está acontecer e, felizmente, a maioria faz vista grossa à exploração que a criança faz do corpo.

Naturalmente, descobre que há partes mais agradáveis que outras.

Provavelmente, passa mais despercebido, mas é habitual encontrar-se crianças entretidas com o lóbulo da orelha ou a fazer caracóis com o cabelo.

Destituir de qualquer tipo de significado a manipulação dos genitais é cair no oposto.

Esta exploração passageira do corpo liga-se com emoções e fantasias vagas que prepara a sexualidade adulta.

Nos adultos a vida sexual infantil está reprimida, esquecida, sendo que muitos ficam angustiados com esta fase dos seus filhos, e são excessivamente severos em relação a este comportamento.

É importante que os pais/educadores possam entender e aceitar esta fase como fazendo parte do desenvolvimento, e preparação para uma vida sexual adulta e satisfatória.

Divertida-mente ou O lugar das Emoções

Admitimos com relativa facilidade que cada época tem sua própria visão de mundo ou de homem, com seus valores ídolos e demónios, contudo é menos claro que cada época tenha também sua visão do que vem a ser a alma, a mente ou a subjectividade.

Um dos problemas mais difíceis de resolver, quando se trata de psicopatologia é saber se o que Hipócrates chamava de melancolia (a bílias negra), é o mesmo que os medievais temiam pelo nome de acídia, este sentimento, perigosamente contagioso, de descrença e de suspensão da fé que assolava os mosteiros cristãos.

Seria a melancolia descrita no tratado de mais de mil páginas, publicado por Robert Burton, em 1621, a mesma doença que a melancolia apresentada por Cullen em 1785, como uma das quatro formas de doenças dos nervos?

Para o primeiro, a melancolia era um hábito e uma disposição, que incluía desde pena, carência e tristeza até sentimentos difusos de perigo, medo e luto, ocasionando uma perturbação geral da mente. Ela podia se mostrar como uma forma persistente de descontentamento ou ser acompanhada de pensamentos de angústia, vergonha de si e culpa.

Já para Cullen, este grande sistematizador da medicina a melancolia era um tipo de perturbação dos nervos sem febre, sem ataques de espasmos, sem perda de consciência ou fraqueza muscular.

Como saber se a loucura maníaco depressiva, descrita por Kraeplin em 1899, com alternância entre estados de exaltação maníaca e bruscas quedas na melancolia é de fato a redescrição do que Falret chamou de loucura circular em 1823?

Quando vemos nossos pacientes às voltas com diagnósticos como depressão ou bipolaridade e percebemos quão convencionais são tais designações, penso que todo paciente deveria ser informado da historicidade de seu transtorno.

Não apenas porque isso faria perceber que há transtornos indexados no último verão – como o transtorno disfórico pré-menstrual, o luto patológico (se exceder 15 dias) ou o transtorno da explosividade intermitente –, mas porque isso revelaria como as nossas formas de sofrimento e de adoecimento estão profundamente conectadas com a maneira como entendemos o funcionamento da alma, da psique, da mente, da subjectividade ou da personalidade (seriam elas todas a mesma coisa?).

O filósofo americano Richard Rorty certa vez propôs um experimento curioso para verificar a consequência de nossas crenças sobre a mente em nossa experiência de mente ela mesma.* Ele imaginou uma civilização completamente semelhante à nossa, nela tudo teria corrido como se deu na Terra com excepção do conhecimento sobre neurologia e funcionamento do cérebro. Isso teria levado às pessoas deste planeta conjectural a substituírem a expressão de emoções incertas e indeterminadas, como alegria, ódio, ou tristeza por descrições perfeitamente precisas. Neste outro planeta ninguém diria “estou contente de te reencontrar”, mas algo do tipo “na sua presença meu neurônio T27 foi estimulado na frequência de 1.23 neurons”. A pergunta que Rorty levanta a partir disso é se de fato este outro mundo e seus habitantes, seriam iguais a nós, com uma vantagem, sua expressão de emoções seria dada sem ambiguidade e saberíamos exactamente que os outros sentem, objectivamente como nós e nós como eles.

Tal tipo de consideração, sobre a forma como sofremos e sobre a maneira como experimentamos emoções é o fulcro do novo filme da Pixar (agora comprada pela Disney), chamado no Brasil Divertida Mente (Inside Out, 2015).

O filme é inteligente e bem feito, com um roteiro mais complexo do que o habitual para o género. Ele narra as desventuras de uma menina de nove anos do ponto de vista do que acontece em seu cérebro. E o cérebro é composto por duas funções principais: as memórias, que são armazenadas, desfeitas ou qualificadas conforme as exigências de cada momento e as emoções, que estão na torre de comando, operando os movimentos, decisões e reacções.

Encontramos aqui as cinco das seis emoções básicas descritas por Darwin e redesenhas por Eckmann e Friessen nos anos 1980: alegria e tristeza, raiva e medo, além do nojo.

Quiçá esta tenha sido uma redução necessária para dar maior continuidade ao filme, mas salta aos olhos a exclusão de uma das emoções mais importantes para definir o ser humano como um ser orientado para a descoberta e a novidade, ou seja, a surpresa ou espanto.

Ao lado das memórias e das emoções existem os pequenos mundos que se organizam como plataformas semi-independentes, qual uma loja de departamentos: a família, a bobeira, o hóquei, a escola.

Esta anatomia da mente já é por si reveladora. Não se trata mais de um conflito entre sensibilidade e intelecto (nos moldes platônico-kantianos), ou entre senso e sensibilidade (como diria Jane Austen), ou entre inconsciente e consciência (como argumentou Freud), ou entre razão e emoção (como tantas vezes insistiu a psicologia popular).

Trata-se agora de um conflito entre duas emoções: a alegria e a tristeza, que inicialmente não se reconhecem como mutuamente necessárias.

Aqui o filme é didáctico acerca de nossa ideologia contemporânea. Assim como no século XVII Descartes ou Hume se perguntavam sobre a origem do erro ou sobre a origem do mal, agora nós nos perguntamos para que serve a tristeza mesmo?

De fato a alegria é o ponto de vista de onde o filme é contado, sendo as outras emoções, figurantes, um tanto caricatos, que não devem assumir o controle da situação, a ponto de por tudo a perder. É um filme sobre nossa época, e nela, sobre o cansaço de ser alegre. Um filme sobre o mal-estar com a felicidade.

Já há algum tempo a pergunta sobre o lugar dos afectos na política vem se tornando uma pergunta crucial. Definir que tipo de corporeidade queremos para a experiência política é, de certa maneira, sancionar um tipo de afecto como central, em torno do qual os outros se organizarão hierarquicamente, exactamente como em Divertida Mente. Políticas do medo ou da esperança concorrem contra políticas do desamparo e da indiferença, como discute Vladimir Safatle em seu novo livro O circuito dos afectos. O tipo de economia de afectos que reconhecemos em nossos modelos de mente determina modalidade de sofrimento que devemos reconhecer e quais poderão ser ignoradas.

É isso que está em jogo também no chamado “trabalho emocional” e em toda a retórica dos afectos no mundo do trabalho. Os afectos tornaram-se uma espécie de selo de qualidade que dão garantia de continuidade em um universo que opera apenas na presencialidade imediata dos sistemas de interesse. Em um mundo que deve se modificar segundo a plasticidade exigida pela efemeridade das montagens ou dos projectos que organizam a produção, sintomas são a persistência do afecto, assim como verdadeiros talentos vêm com a “certificação” dos afectos, assim como experiências autênticas são as que deixam afectos soldados com memórias.

É neste cenário que devemos receber um filme como este nos lembrando da epígrafe que o Marquês de Sade colocou em seu A filosofia na alcova. Segundo sua recomendação este será um “o livro que a mãe lerá para a sua filha”.

Divertida Mente nos ensina sobre o valor da tristeza, mas também ele quer ser uma espécie de manual de neurologia universal da mente governada por emoções. Ele nos convida a pensar nossas diferenças a partir desta gramática básica e universal das emoções, o que pode ser apenas a expressão muito local de uma geografia particular onde os conflitos estão dentro de nós, e a nós nos cumpre “administrá-los” de modo mais ou menos produtivo.

O filme teria sido muito mais divertido se em vez de todos nós nos identificarmos em torno das cinco emoções básicas, tivéssemos que lidar com compleições diferentes de geografias mentais distintas. Neste caso teríamos como resposta para a conjectura de Rorty que quando mudamos o vocabulário mudamos o mundo e, portanto, nem a melancolia de Hipócrates é a nossa contemporânea depressão e nem todos temos que sofrer, da mesma maneira, em um conflito entre alegria e tristeza.

Christian Ingo Lenz Dunker

Complexo de Édipo - Uma Introdução. Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicoterapia

Complexo de Édipo – Uma introdução

Quando se fala em Complexo de Édipo a ideia que normalmente surge é: o filho quer matar o pai para ficar com a mãe.

Antes de mais, é preciso dizer que o “Complexo de Édipo” é uma metáfora criada para descrever uma quantidade de ideias, emoções e impulsos, em grande parte inconscientes, que gravitam em torno das relações que as crianças estabelecem com os seus pais. O Complexo de Édipo aponta para a angústia e culpa que a criança sente em relação aos seus desejos, assim como para as consequências de agir de acordo com eles.

Para compreendermos melhor o mito Edipiano temos que ir à origem: Rei Édipo de Sófocles.

A história de Édipo começa com a traumatização psicológica e física de uma criança por aqueles que deveriam ser os seus protectores, os pais.

Laio e Jocasta, Reis de Tebas, foram advertidos pelo oráculo que o filho deles, o bebé Édipo, estava fadado a assassinar o próprio pai. Este, depois de lhe terem trespassado os pés com uma lança, é entregue a uma pastor por Jocasta, com instruções para ser abandonado no deserto para morrer.

Édipo acaba por escapar à sua morte prematura sendo cuidado pelos reis de Corinto, Polybus e Merope, e cresce acreditando que estes são os seus verdadeiros pais.

Quando certo dia lhe é sugerido que os Reis de Corinto não eram os seus pais, Édipo fica tão consternado que vai consultar o oráculo de Delfos, e este diz-lhe, que ele matará o seu pai e casará com a sua própria mãe. Acometido com essa profecia e desejando ardentemente proteger aqueles que pensa serem os seus pais, sai de Corinto decidido a não voltar.

Entretanto numa encruzilhada tem um desentendimento e mata um homem – Laio, o seu pai.

Por fim Édipo chega a Tebas, que está nesse momento assolada pela Esfinge, que instalada num penhasco propõe enigmas a todos os que passam por perto, matando qualquer um que não desse a resposta correcta. Édipo, destroçado com tudo o que tem acontecido, e não tendo muito apreço pela vida, aceita o desafio da esfinge e consegue resolver o enigma que ela lhe apresentou. Como recompensa por ter libertado Tebas, Édipo é feito rei e casa com Jocasta.

Muitos anos depois, abate-se sobre Tebas a peste como punição do assassinato não vingado de Laio. Édipo, vai então procurar o assassino e a verdade é revelada. No fim da tragédia, Jocasta suicida-se e Édipo cega-se.

Aquilo que se entende por Complexo de Édipo tem um significado simbólico de grande riqueza referencial. Entender o Complexo de Édipo como: rapazinhos que querem matar o pai e casar com a mãe é de extrema simplificação, ou mesmo descabido. É preciso não esquecer que quando Édipo matou Laio e acabou casado com Jocasta, este não sabia que estes eram os seus verdadeiros pais. Na verdade Édipo saiu de Corinto para proteger aqueles que julgava serem os seus pais.

Hiperatividade Ó tempo volta pra trás. Já. Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicoterapia

Hiperatividade: Ó Tempo Volta Pra Trás. Já!

“Foi-se o tempo em que (…) bastava “apenas um olhar do pai” para que as crianças se reposicionassem no seu lugar de filho.

Nesse outro tempo” tínhamos a impressão que tudo tinha o seu “lugar”.

Nessa época não se ouvia falar em hiperatividade.

As crianças eram definidas como seres mal-educados que precisavam de uma educação rígida e rigorosa para se tornarem adultos civilizados.

(…) a religião e a tradição asseguravam o lugar do pai na família. (…) a autoridade do pai era sustentada não apenas pela mãe dentro de casa, mas, na esfera pública e politica, através da religião e dos costumes.

Nesse mesmo lastro residia a autoridade do professor e dos adultos em geral.

Esse cenário começou a mudar a partir de um longo processo de transformações históricas e sociais que assolapou a tradição e a religião enquanto organizadores da família e da sociedade.

A valorização da criança produzida pelo capitalismo, em que a mesma passou a sustentar a promessa de fabricação do adulto de futuro, produziu não apenas a valorização da mulher como mãe, mas, instituiu uma preocupação do estado em limitar e regular cada vez mais os poderes do pai, visando proteger a mulher e os filhos da sua arbitrariedade.

Nessa época não se ouvia falar em hiperatividade, as crianças eram definidas como seres mal-educados.

O filho tornou-se propriedade privada da mulher-mãe.

Ao pai, restou um colchão ao lado da cama do casal, agora ocupado pela mãe e pelo filho.

Quando ele intervém, é logo interpelado pela sua mulher com um “cala a boca, você não sabe nada”.

O homem-pai viu-se reduzido a uma criança que não sabe nada, nem sobre a vida doméstica nem sobre os filhos.

Ela briga com ele como briga com uma criança: “não faça isso! Faça aquilo. Você não sabe de nada!”

Diante dessa mãe omnipotente, o homem viu-se reduzido a uma criança impotente.

Pois bem, se na família patriarcal a autoridade era atribuída ao pai, na família moderna a mãe passou a ocupar esse lugar.

Diante da crise de referências instituída a partir da queda da tradição, o pai, não sabendo qual seu lugar, viu-se reduzido a uma condição infantil, ora toma a mãe como modelo de relação com os filhos, funcionando como uma “segunda mãe”, ora se identifica com a criança, demandando à mãe mais cuidados do que deveria.

Como consequência dessa crise de referências, temos encontrado um cenário muito assustador:

– Crianças que dormem com os pais, ainda usam fraldas apesar da idade, têm dentes mas ainda tomam mamadeira.

São grandes em peso e altura, mas vivem no colo dos pais.

Além de medicar, talvez os médicos pudessem dizer: ”Seu filho precisa limites!!!”.

As crianças não conhecem a frustração.

Privadas da intervenção educativa, pouco a pouco vão-se tornando pequenos monstros assustadores e demandantes: querem “tudo” e ao mesmo tempo “nada”.

As crianças tornaram-se pequenos tiranos e os pais escravos da tirania dos filhos.

Quando essas crianças chegam à escola (…) não conseguem concentrar-se e não aprendem.

Ao não reconhecer a desorganização da criança como proveniente da sua própria renúncia, os pais recorrem a um “outro-especialista” buscando uma resposta sobre o que se passa com o seu filho.

Este por sua vez, capturado numa formação organicista pautada no modelo biomédico – modelo que reduz todo e qualquer problemática humana a um defeito no funcionamento biológico – vê-se obrigado a diagnosticar a má educação da criança como hiperactividade.

Impotentes face à demanda dos pais e das escolas, os médicos medicam.

Aliás, o que poderiam fazer além de medicar? (…) Talvez os médicos pudessem dizer: ”Seu filho precisa limites!!!”.

Mas certamente seriam considerados maus médicos. Pois, ao denunciar a necessidade de limites, denunciariam as renúncias educativas dos pais!

Não sabendo o que fazer com os pequenos tiranos, solicitam à ciência e à medicina algum limite, mesmo que seja químico!

Como sabemos, um adulto precisa aprender a viver e a ter horários para dormir, assim como o adolescente precisa aprender modos de relacionamento com o outro para transar.

Por isso fica a pergunta:

Será que uma criança poderia prescindir dos adultos para se tornar civilizada?

Ou de facto acreditam que uma dose diária da “droga” seria suficiente para educá-la?

Transcrição parcial (adaptada) do artigo: A fabricação da loucura na infância, Michele Kamers

sidade-infantil-Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicoterapia

Obesidade Infantil

Uma atitude de superprotecção das crianças pode conduzir à ansiedade e, consequentemente, à obesidade pelo consumo de alimentos como procura de segurança, segundo um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

Os resultados preliminares de um estudo desenvolvido por investigadores da FMUP indicam que as crianças, “sobretudo as meninas”, que sejam educadas por pais superprotectores e “demasiado zelosos, podem ser mais propensas ao desenvolvimento da obesidade”.

De acordo com os investigadores, a atitude superprotectora dos pais leva a que as crianças tenham a imagem de um “mundo ameaçador”, sentindo ansiedade e tendo, consequentemente, “um aumento de cortisol, a hormona do stress”.

Os casos, classificados como “vinculação insegura” pelos especialistas, poderão ter “efeitos menos positivos” no desenvolvimento das crianças, levando-as a uma procura de segurança através de “conforto em actos básicos”, como a comida ou o bem-estar emocional junto de alguém.

Uma atitude de superprotecção das crianças pode conduzir à ansiedade e, consequentemente, à obesidade pelo consumo de alimentos como procura de segurança

“Os dados sugerem que, quando existe vinculação insegura, os rapazes tendem a exteriorizar o comportamento, tornando-se agressivos, por exemplo, mas as meninas parecem internalizar as emoções, comendo”, explicou Inês Pinto, estudante do programa Doutoral em Metabolismo da FMUP e investigadora principal do estudo.

A investigadora adiantou que os níveis elevados de stress sentidos pelas meninas leva a que não consigam ter sucesso quando sujeitas a dietas, visto que a comida é “a forma de obterem uma sensação de conforto e segurança”.

De acordo com a investigadora, os pais devem procurar ajuda para as meninas que tenham excesso de peso e uma personalidade introvertida, especialmente nos casos em que a alteração da dieta não surte qualquer efeito, mencionando ainda que os profissionais envolvidos terão que estar alerta para um possível “sofrimento não visível, que tem de ser observado por um especialista em saúde mental”.

O estudo foi orientado pelo director do Departamento de Neurociências Clínicas e Saúde Mental da FMUP, Rui Coelho, e por Conceição Calhau, professora e investigadora na área do Metabolismo.

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