O desejo de agradar
Quando conhecemos alguém por quem nos sentimos atraídos temos o forte desejo de agradar.
E, com naturalidade, assumimos que a melhor forma de o fazer é mostrar repetidamente o quanto estamos em sintonia com as suas opiniões e escolhas.
Nos primeiros encontros, quando por acaso mencionam que adoram dançar, mostraremos, portanto, que também gostamos muito.
Ou quando referem que acham os museus aborrecidos, esconderemos que numa viagem a Madrid no ano passado, passamos um dia encantador no Museu do Prado.
Podemos não estar a mentir, mas estamos a esticar e a dobrar a verdade até aos seus limites, de modo a criar uma sensação de entendimento quase total.
A nosso desejo de agradar pode atingir o auge em torno do sexo:
Não podemos, naturalmente, arriscar-nos a introduzi-los nos caminhos reais da nossa imaginação erótica. Apenas afirmamos querer (por milagre) exactamente o que eles querem.
Ao longo do caminho, raramente nos ocorre que eles possam estar a fazer o mesmo connosco.
Ou seja, que também estejam a ajustar a sua auto-apresentação de formas subtis mas poderosas, para se adaptarem ao que consideram ser as nossas preferências e valores.
Há um aspecto tragicómico no aprofundamento da nossa atracção mútua.
Duas pessoas sérias estão a tentar ser tão simpáticas quanto podem.
Ninguém está a tentar enganar e, no entanto, gradualmente, um conjunto de ideias extremamente enganadoras e perigosas sobre quem cada pessoa realmente é, estão a formar-se.
O nosso enorme desejo de agradar pode encorajar-nos a viver juntos e, mais tarde, em casar.
E, então – inevitavelmente – o escrutínio prolongado e íntimo revelará a escala das nossas expectativas equivocadas.
Desilusão após desilusão, cada um de nós ficará triste, desapontado e chocado ao descobrir com quem nos juntámos.
Quando nos sentimos atraídos temos o forte desejo de agradar e assumimos que a melhor forma de o fazer é mostrar que temos os mesmos gostos
Surgirão recriminações, discussões e reconciliações frágeis, até que, uma das partes chegue à triste conclusão, mas ainda assim surpreendente, de que nunca existiu compatibilidade.
Também podemos ignorar isso e continuar numa crescente infelicidade.
As férias jamais envolverão visitas aos museus que tanto gostamos.
Teremos de nos resignar a nunca termos tido o tipo de sexo que desejamos.
Ou, ainda mais grave, acabaremos por embarcar numa vida dissimulada; aproveitaremos os momentos em que eles estão longe para perseguir necessidades que fingimos não ter.
Até que um dia a nossa vida dupla seja exposta – e afogar-nos-emos em amargura, fúria, tristeza e arrependimento.
No entanto, na origem de tais pesadelos esteva apenas um enternecedor, mas arriscado e dolorosamente falhado, desejo de estabelecer uma combinação perfeita.
Queríamos simplificar, mas acabámos por criar com uma enorme confusão.
Uma abordagem verdadeiramente mais simples deve ser algo complexa desde o início.
Quando surge o tema da dança, o sensato é dizer imediatamente que não gostamos de dançar.
Em relação aos museus devemos afirmar com franqueza a paixão por esses espaços.
Quando se trata das rotinas e gostos, devemos ousar mencionar o prazer que temos numa cozinha muito bem limpa e arrumada ou explicar que precisamos de uma hora para realmente acordar.
Não há necessidade de ser petulante ou exigente. E não há nenhuma exigência de que o nosso par esteja de acordo ou que tenha de ficar para além da sobremesa.
Alguns fugirão, e é melhor que fujam.
Ser sincero nos encontros amorosos é uma forma de duas pessoas não perderem tempo e pouparem-se a previsíveis desgostos
A fim de revelar as nossas verdades, precisamos de um sentido básico de aceitação.
Temos de saber que não somos perfeitos, mas isso não nos torna desprezíveis ou vergonhosos.
A nossa atitude em relação à cozinha pode ser um pouco excessiva sem ser doentia.
O nosso acordar pode ser pouco convencional, mas é perfeitamente são.
Em torno do sexo, sabemos que uma preferência pode ser estatisticamente invulgar sem ser reprovável.
A nossa convicção interior de que as nossas particularidades são essencialmente razoáveis permite que nos apresentemos a outra pessoa sem medo ou de forma defensiva.
A nossa franqueza dá-nos o direito de pedir ao outro que revele – com semelhante honestidade – o que pode ser pessoal e difícil sobre si próprio.
Se eles insistirem que são realmente muito simples e ”fáceis”, podemos ser gentis mas firmemente cépticos.
Eles são humanos, e ser humano é ser complicado.
É impossível que eles não tenham imensas peculiaridades.
Raramente o problema com quaisquer parceiros potenciais passa por serem demasiado estranhos, mas em não aceitarem a sua especificidade ou não encontrarem uma linguagem que lhes permita apresentar-se aos outros de uma forma que possa ser plausivelmente compreendida e aceite.
Ser sincero nos encontros amorosos é um mecanismo para que duas pessoas não percam tempo – e para se pouparem à agonia no processo.
Devemos saber que uma superfície polida não é uma imagem verdadeira de uma pessoa.
Somente depois de esboçadas as nossas complexidades mútuas, podemos sentir, com enorme alívio, que estamos na presença de uma pessoa madura.
Teremos relações tão simples quanto desejamos, quando nos atrevermos a revelar e a acolher as complexidades reais da natureza humana.
Traduzido/adaptado por Pedro Martins
a partir de “Being honest on a date” – Alain de Botton
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