Mês: <span>Agosto 2020</span>

Quão bons foram os seus pais?Pedro Martins Psicoterapeuta / Psicólogo Clínico

Quão bons foram os seus pais?

Estranhamente, parece que nenhum ser humano pode crescer realmente saudável, a não ser que tenha sido amado muito profundamente por alguém (pais) durante os primeiros anos da sua vida.

Mas ainda estamos a aprender o que o amor dos pais pode realmente envolver. Então, quão bons foram os seus pais?

Aqui estão oito princípios de boa paternidade que podem ser usados para os avaliar.

 

1 – Sintonia

Os pais afectuosos descem ao nível da criança – às vezes literalmente, quando se dirigem a ela – para ver o mundo através dos seus olhos.

Eles compreendem que uma criança muito nova não se pode encaixar facilmente nas exigências externas e que, nos primeiros tempos, deve ser-lhe dada prioridade e colocada no centro das coisas, não para a “mimar”, mas para lhe dar uma oportunidade de crescer.

 

2 – Pequenas Coisas

Os pais afectuosos compreendem que a vida dos seus filhos gira em torno de particularidades que são, por qualquer medida adulta, muito pequenas.

As crianças de tenra idade sentir-se-ão enormemente felizes porque podem pôr as mãos numa massa qualquer ou ter a oportunidade de “espetar” uma colher numa tigela de ervilhas com energia ou dizer ‘bah’ muito alto.

E sentir-se-ão extremamente tristes porque o coelho de estimação perdeu um dos seus botões ou uma página do livro seu favorito rasgou-se.

O progenitor suficientemente bom sente que tem recursos suficientes dentro de si para não criticar a criança que está a fazer um grande alarido com o chamado ‘nada’.

Seguirá a criança na sua excitação com uma poça de água e na sua dor por causa de uma meia desconfortável.

 

Os bons progenitores sabem que aqueles que acabam por se apegar com segurança e capazes de tolerar a ausência são aqueles a quem originalmente foi permitido ter tanta dependência e ligação quanto necessário.

 

Compreende que a capacidade futura da criança ser atenciosa para com as outras pessoas e de lidar com desastres genuínos estará criticamente dependente de ela ter recebido por parte dos pais a sua grande cota de simpatia por uma série de tristezas adequadas à idade.

 

3 – Perdão

Os pais afectuosos saberão dar a melhor interpretação possível a um comportamento que possa parecer infeliz e desagradável para os outros:

a criança pequena não é ‘um desordeiro’, mas é claro que ficou muito perturbada com o nascimento do irmão. Não é ‘anti-social’, mas sente-se bem num pequeno círculo de pessoas conhecidas e especialmente reconfortantes.

A capacidade dos pais para dar explicações gentis e criativas continuará a moldar o funcionamento da própria consciência da criança; aprenderá a arte do perdão a si mesma. Não terá de se torturar pelos seus erros.

Não sofrerá as devastações da auto-aversão, nem, quando estragar tudo, será tentada a tirar a sua própria vida.

 

4 – Fases Estranhas

O progenitor afectuoso sentir-se-á suficientemente saudável para permitir que um filho seja esquisito durante algum tempo, sabendo que o chamado esquisito faz parte do desenvolvimento normal.

Não se sentirá nervoso por a criança ter decidido fingir que é um animal ou que quer comer apenas alimentos de cor vermelha ou ter um amigo imaginário a viver numa árvore do jardim.

O adulto terá fé no surgimento da sanidade – e na sabedoria de explorar uma série de opções possíveis antes de optar pela sensatez.

Será capaz de permanecer calmo diante de algumas birras e obsessões intensas, não precisará de desligar a irreverência a cada passo, será paciente em torno da infelicidade e não se deixará abater pelo mau humor do adolescente.

Os pais não atribuirão etiquetas à criança que a possam fixar num papel que estava apenas a experimentar.

 

A recompensa dos pais por todo o seu trabalho nunca será directa; chegará ao fim de muitos anos, observando que o seu filho se tornou ele próprio um bom pai.

 

Terão o cuidado de dizer a uma criança que ela é “a zangada”, “o filósofozinho”, “o sabichão” ou mesmo “a gentil”: isso permitirá à criança o luxo de escolher a sua própria identidade.

 

5 – Apegado

Os bons pais sabem que as crianças podem muito bem apegar-se por muito tempo, e nunca olharão para esta necessidade natural de tranquilidade em termos pejorativos.

Não dirão à criança para se animar e ser um “homenzinho” ou uma “jovem senhora” para sentirem-se orgulhosos.

Sabem que aqueles que acabam por se apegar com segurança e capazes de tolerar a ausência são aqueles a quem originalmente foi permitido ter tanta dependência e ligação quanto necessário.

 

6 – Perfeição

Um bom pai não se apresentará como sendo hollywoodesco, distante ou uma pessoa inalcançável, uma figura que a criança possa ser tentada a idealizar e a contemplar de longe.

Os bons pais saberão estar presentes e mostrar-se pessoas comuns na sua casa; dignos talvez, mas também, por vezes, inquinados, esquecidos, tolos e desejosos de tempo livre sem os filhos.

O bom pai saberá que os pais têm peculiaridades e defeitos para levar a criança a reconciliar-se com a sua própria humanidade – e também, eventualmente, sair de casa e seguir em frente com a sua própria vida.

 

7 – Bondade

Um bom pai saberá como fazer parecer ser monótono. Compreenderá que o que a criança precisa principalmente é de uma fonte de calma fiável, e não de fogos-de-artifício e excitação (tem o suficiente disso dentro da sua própria mente).

 

Os bons pais compreendem que deve ser dada prioridade à criança, não para a “mimar”, mas para lhe dar uma oportunidade de crescer.

 

Deve estar lá, no mesmo lugar, a dizer mais ou menos as mesmas coisas, durante décadas.

Deve ter o cuidado de ser previsível e de editar os seus estados de espírito inesperados, a criança não precisa de uma imagem completa de cada perturbação e tentação que percorre a mente dos seus cuidadores.

Os pais aceitam que ‘mamã’ ou ‘papá’ são papéis, não representações completas; deveria ser um privilégio das crianças não terem de conhecer os seus pais em todos os pormenores.

 

8 – Amor não-correspondido

Os bons pais não estão à procura de uma relação equilibrada. Ficam felizes por dar de forma unilateral. Não precisam que as crianças lhe perguntem como foi o seu dia ou o que pensa das novas medidas do governo.

Sabem que uma criança deve poder tomar um progenitor substancialmente por garantido.

A recompensa dos pais por todo o seu trabalho nunca será directa; chegará ao fim de muitos anos, observando que o seu filho se tornou ele próprio um bom pai.

Dito de forma simples: o amor é o comportamento atencioso, terno e extremamente paciente demonstrado por um adulto durante muitos anos em relação a uma criança que não pode deixar de estar largamente fora de controlo, confusa, frustrada e desconcertada – para que, com o tempo, possa tornar-se num adulto capaz de tomar o seu lugar na sociedade sem demasiada perda de espontaneidade, sem demasiado terror e com uma confiança básica nas suas próprias capacidades e possibilidades de realização.

Deveria ser uma questão de consternação global que, apesar dos nossos grandes avanços, ainda estamos apenas no alvorecer de saber como assegurar que todos tenhamos a infância amorosa que merecemos.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de: “ A test to Judge how good your parents were – Alain de Botton

A Insónia Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

A Insónia

As perturbações do sono são um fenómeno frequente nas doenças de natureza emocional; a mais frequente de todas essas alterações é a insónia.

Qualquer que seja a sua origem, a atitude do médico – como sempre – deve ser a de procurar chegar a um diagnóstico etiológico correcto e não “atacar” directamente e “levianamente” o sintoma, prescrevendo um hipnótico.

Atitude tanto mais grave quanto se usam correntemente drogas que dão habituação e dependência.

Pode parecer que fazemos uma elementar recomendação para principiantes ou leigos; mas tal não é o que a experiência nos ensina, pois o erro assinalado é cometido, com frequência, por médicos idóneos.

Simplesmente, não estão suficientemente avisados ou prevenidos para resistir à solicitação dos doentes (…), que é, em regra, a de obter uma receita para induzir, aprofundar ou prolongar o sono.

Quem consulta o médico nestas circunstâncias nem sempre está disposto a enfrentar os verdadeiros problemas com que se debate; e procura, consciente ou inconscientemente, ignorá-los, levando o médico a cair na “esparrela”.

Excertos do artigo “A Insónia”, publicado originalmente em 1977, Jornal do Médico, XCV, 1769: 398, Novembro.

Aprender a usar a Raiva - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Aprender a usar a Raiva

Há muitas razões para acreditar que um dos principais problemas no mundo de hoje é o excesso de raiva.

Mas pode ser bastante mais realista, ainda que estranho, insistir precisamente no oposto.

Qualquer que seja a impressão gerada por uma multidão de enfurecidos, o problema muito mais comum mas invisível (por natureza) é a tendência contrária.

Ou seja, uma incapacidade generalizada das pessoas de se zangar. Uma inépcia em conseguirem queixar-se com eficácia.

Engole-se a frustração e a amargura.

A consequência de não permitir que nenhuma das nossas dores legítimas seja expressa, é o surgimento de sinais (subterrâneos) de depressão.

Por cada pessoa que grita demasiado alto, há pelo menos vinte que perderam (injustamente) a sua voz.

Não estamos aqui a falar de uma raiva delirante que não leva a lado nenhum.

Não se trata de reabilitar a barbárie, trata-se de defender a capacidade de falar, de se manifestar – com dignidade e equilíbrio – para corrigir algo que não está bem, e oferecer àqueles que nos rodeiam outra perspectiva.

O problema é que dizemos a nós próprios – nos relacionamentos ou no trabalho – que os outros devem ter as suas boas razões para se comportarem da forma que se comportam; que devemos ser amáveis e bons e que seria uma afronta aos esforços dos outros manifestarmo-nos sobre um problema que, certamente, nem sequer compreendemos inteiramente.

Temos tendência para carregar a nossa modéstia desde a infância.

É uma excepção permitir que uma criança manifeste a sua frustração. Grande parte dos pais não está disposta a isso. Alguns pais estão mais interessados em ter um “bom menino”.

 

No trabalho, uma preocupação inabalável com a gentileza, a polidez e a deferência pode acabar por proporcionar as condições perfeitas para ser um pau para toda a obra.

 

Desde o primeiro momento, eles fazem saber à criança que ser “travesso” não tem graça e que esta não é uma família onde as crianças podem fazer o que bem lhes apetece com os adultos.

Birras, queixinhas e acesso de raiva não são bem aceites.

Isto certamente garante a obediência a curto prazo, mas paradoxalmente, o bom comportamento imposto inicialmente (contranatura) é geralmente um precursor de várias dificuldades.

Entre elas a dificuldade em respeitar as hierarquias e a figuras de autoridade, e um enorme mal-estar mental na idade adulta.

Sentir-se suficientemente amado para poder zangar-se e responder mal (dentro de certos limites) às figuras parentais pertence à saúde mental.

Pais verdadeiramente maduros têm regras e permitem que os seus filhos (por vezes) as quebrem.

Caso contrário, dá-se uma espécie de morte interior, resultado de ter tido de ser muito bonzinho cedo demais e de se resignar ao ponto de vista do outro sem mostrar a sua perspectiva, uma autodefesa.

Nos relacionamentos, isto pode significar uma tendência para embarcar numa viagem durante muitos anos, não em termos de abuso (embora também isso), mas de aceitar pequenas humilhações, que são uma espécie de dado adquirido nas pessoas que não conseguem mostrar o seu desagrado.

No trabalho, uma preocupação inabalável com a gentileza, a polidez e a deferência pode acabar por proporcionar as condições perfeitas para ser um pau para toda a obra.

Deveríamos – por vezes – reaprender a arte negligenciada de sermos educadamente chatos.

O objectivo é protestar com firmeza, mas de forma controlado: “desculpe-me, mas você está a destruir o que sobrou da minha vida; sinto muito, mas você está arruinar as minhas possibilidades de ser feliz; Peço desculpa, mas chega, não vou permitir que continue…”

 

A consequência de não permitir a expressão da raiva, que nenhuma das nossas dores legítimas seja expressa, é o surgimento de sinais (subterrâneos) de depressão.

 

Pensamos muito em ir de férias e experimentar novas actividades. Há muito entusiasmo em aprender outras línguas e em experimentar pratos estrangeiros.

Mas o verdadeiro exotismo e aventura podem estar mais perto de casa: na esfera emocional, e na coragem e originalidade necessárias para dar um impulso à raiva contida.

Já temos os discursos escritos nas nossas cabeças. É provável que haja um cônjuge, um pai, um colega ou um filho que não tenha ouvido o suficiente de nós durante demasiado tempo – e seria um benefício incalculável para o nosso bem-estar emocional e físico ter uma palavra a dizer.

Os tímidos imaginam sempre que a raiva pode destruir tudo o que é bom.

Esquecem – porque a sua infância os encorajou a fazê-lo – que a expressão raiva também pode ser profundamente libertador e fonte de mudanças.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de Alain de Botton “Learning how to be angry”

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