Mês: <span>Junho 2020</span>

Por que precisamos sentir-nos escutados - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Por que precisamos sentir-nos escutados?

Um dos nossos desejos mais profundos – talvez mais profundo do que nos apercebemos – é sermos escutados e que as outras pessoas reconheçam alguns dos nossos sentimentos.

Queremos que – em momentos-chave – o nosso sofrimento seja compreendido, as ansiedades notadas e a nossa tristeza legitimada.

Não queremos que os outros concordem necessariamente com todos os nossos sentimentos, mas desejamos que, pelo menos, os validem.

 

Quando estamos furiosos, queremos que a outra pessoa diga:

Vejo que chegaste ao teu limite. Imagino que neste momento queiras desaparecer.

Quando estamos tristes, queremos que alguém diga:

Sei que estás em baixo e compreendo porque estás assim.

E quando já não aguentamos mais nada, queremos que alguém diga empaticamente:

Tem sido demasiado para ti; reconheço-o facilmente; claro que sim.

 

Parece absurdamente simples, e, de certa forma é. E, no entanto, tão pouco deste néctar emocional do reconhecimento recebemos de facto, ou presenteamos uns aos outros.

O hábito dos nossos sentimentos não serem devidamente escutados e reconhecidos começa na infância.

Os pais, mesmo os mais amorosos, escorregam frequentemente neste domínio.

Não é que teoricamente não se preocupem intensamente com os seus filhos, mas que não estimem que o verdadeiro cuidado envolve reflectir regularmente o estado de espírito das crianças – em vez de afastar subtilmente esses estados de espírito ou negar que eles existem.

Aqui estão algumas trocas típicas entre pais e filhos em que não se dá esse reconhecimento:

Criança: Estou a sentir-me triste.

Pai: Não sejas tonto, não pode ser, estamos de férias.

 

Criança: Estou realmente preocupada.

Pai: Querida, isso é ridículo, não há nada a recear aqui.

 

Criança: Quem me dera que nunca mais houvesse escola.

Pai: Não sejas tão tonto. Despacha-te que temos de sair de casa às oito.

 

Amamos tanto os nossos filhos, que não queremos imaginar que eles possam estar tristes ou preocupados, perdidos ou a passar um momento terrivelmente difícil na escola

 

Como as coisas poderiam ser diferentes, e a criança teria uma oportunidade de crescer de outra forma, se tais diálogos fossem ligeiramente afinados: se, por exemplo, os pais dissessem:

 

‘É realmente esquisito como podemos ficar tristes nos momentos mais estranhos, como nas férias…’

Ou: ‘Vejo que estás assustado: aquele vento lá fora está realmente muito forte…’

Ou: ‘Deve ser horrível começar a manhã logo com duas aulas de matemática, particularmente depois de um fim-de-semana tão agradável…’

 

Há uma razão pela qual não reconhecemos as coisas como poderíamos: o medo.

Os sentimentos que afastamos são todos, de uma forma ou de outra, emocionalmente inconvenientes, perturbadores ou aborrecidos:

Amamos tanto os nossos filhos, que não queremos imaginar que eles possam estar tristes ou preocupados, perdidos ou a passar um momento terrivelmente difícil na escola.

Além disso, podemos pensar que ao reconhecer um sentimento difícil, o tornará muito pior do que é. Isso significará fomentá-lo indevidamente ou ceder inteiramente a ele.

Receamos que, se dermos um pouco de espelhamento imparcial aos nossos filhos, possamos estar a encorajá-los a tornarem-se depressivos, cronicamente tímidos ou inteiramente resistentes à autoridade.

Mas é exactamente o oposto. Uma vez escutados, os nossos filhos não se afundam nos sentimentos que os assolam, mas libertam-se deles.

A pessoa zangada fica menos enfurecida quando a dimensão da sua frustração é reconhecida.

A criança rebelde cresce mais, e fica mais inclinada a cumprir e aceitar as normas quando os seus sentimentos de querer incendiar a escola, partir os óculos ao director e fugir para uma ilha deserta tiverem sido escutados e identificados.

Os sentimentos tornam-se menos fortes assim que lhes é dado espaço para se expressarem. Tornamo-nos “bullies” quando ninguém nos ouve, e nunca porque nos ouviram em demasia.

 

Um dos nossos desejos mais profundos é sermos escutados e que as outras pessoas reconheçam alguns dos nossos sentimentos

 

O problema dos sentimentos não reconhecidos não acaba – infelizmente – com a infância. Os casais passam rotineiramente pelo mesmo. Por exemplo:

 

Parceiro 1: Às vezes sinto que não me ouves…

Parceiro 2: Só podes estar a brincar comigo; eu dedico-me tanto a esta relação. 

 

Parceiro 1: Estou preocupado com a possibilidade de ser despedido

Parceiro 2: Isso não é possível, trabalhas tanto.

 

O caminho para um divórcio litigioso ou para um caso extraconjugal começa a traçar-se.

 

A boa notícia é que é possível melhorar bastante as coisas com muito pouco esforço.

Basta, simplesmente, aprendermos a mudar a forma como habitualmente respondemos às afirmações daqueles que nos interessam.

Só precisamos reconhecer os seus sentimentos, mesmo os potencialmente embaraçosos, durante alguns momentos, usando certas frases mágicas:

 

Eu vejo que tu precisas muito de…

Tu deves estar a sentir-te tão…

Compreendo perfeitamente que…

 

Tais frases podem mudar o curso das vidas. A pessoa que precisa que os seus sentimentos sejam reconhecidos quase nunca usará isso como licença para aumentar a sua angústia ou culpa.

As leis da psicologia ditam que uma crise começa imediatamente a desvanecer uma vez que um simples espelhamento sem julgamento tenha tido lugar.

 

A pessoa zangada fica menos enfurecida quando a dimensão da sua frustração é escutada e reconhecida

 

Não precisamos de ser escutados por todos. Podemos suportar muitos sentimentos não reconhecidos quando determinadas pessoas – algumas delas na nossa infância, e idealmente uma delas no nosso “quarto” e no nosso círculo de amizades – de vez em quando nos escuta e nos faz voltar para nós.

Aquele que reclama, a pessoa movida por um desejo rígido de que todos os outros a ouçam, evidencia as consequências assustadoras de nunca ter sido ouvida quando isso era importante.

Quase não há limite para o que podemos estar dispostos a fazer por aqueles que nos prestam a imensa honra, psicologicamente redentora, de ocasionalmente nos escutarem, reconhecendo o que realmente estamos a sentir, por estranho, melancólico ou inconveniente que possa ser.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de: Why We Need to Feel Heard – Alain de Botton

A História da Solidão - Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

A História da Solidão

Até há cerca de um século atrás, quase ninguém vivia sozinho; Como é que a vida moderna se tornou tão solitária?

Nós temos fome de intimidade; vamos secando sem ela. E no entanto, muito antes da actual pandemia, o isolamento forçado e o distanciamento social, os humanos tinham começado afastar-se e isolar-se.

Antes dos tempos modernos, muito poucos seres humanos viviam sozinhos.

Lentamente, há não muito mais de um século, isso mudou.

Nos Estados Unidos, mais de uma em cada quatro pessoas vive agora sozinha; em algumas partes do país, especialmente nas grandes cidades, essa percentagem é ainda mais elevada.

Podemos viver sozinhos sem nos sentirmos sós, e podemos sentir-nos sós sem vivermos sozinhos, mas as duas coisas estão intimamente ligadas, o que torna o confinamento muito mais difícil de suportar.

A solidão, escusado dizê-lo, é terrível para a saúde.

Em 2017 e 2018, o antigo cirurgião-geral americano Vivek H. Murthy declarou a existência de uma “epidemia de solidão”, e o Reino Unido nomeou um ministro da Solidão.

Para diagnosticar esta doença, os médicos da U.C.L.A. desenvolveram uma Escala de Solidão.

 

Com frequência; por vezes; raramente; ou nunca se sente desta forma?

– Estou infeliz por fazer tantas coisas sozinho.

– Não tenho ninguém com quem falar.

– Não posso tolerar sentir-me tão só.

– Sinto-me como se ninguém realmente me compreendesse.

– Já não estou próximo de ninguém.

– Não há ninguém a quem possa recorrer.

– Sinto-me isolado dos outros.

 

“Solidão” é um termo em voga e, como todos os termos em voga, cobre todo o tipo de coisas que a maioria das pessoas prefere não nomear e não tem ideia de como resolver.

 

Antes dos tempos modernos, muito poucos seres humanos viviam sozinhos. Como é que a vida moderna se tornou tão solitária?

 

Há muitas pessoas que gostam de estar sozinhas.

Eu própria gosto de estar sozinha. Mas o isolamento, que é uma coisa de que eu gosto, é diferente da solidão, que é uma coisa que detesto.

A solidão é um estado de profunda angústia.

Os neurocientistas apresentam a solidão como um estado de hipervigilância cujas origens se encontram entre os nossos antepassados primatas e no nosso próprio passado de caçadores-coletores.

Grande parte da investigação neste campo foi conduzida por John Cacioppo, no Center for Cognitive and Social Neuroscience, na Universidade de Chicago.

Cacioppo, que morreu em 2018, era conhecido como o Dr. Solidão.

No novo livro “Together: The Healing Power of Human Connection in a Sometimes Lonely World” (Harper Wave), Murthy desenvolve a teoria evolutiva da solidão de Cacioppo, que foi testada por antropólogos da Universidade de Oxford.

Estes traçaram as suas origens desde há cinquenta e dois milhões de anos, até aos primeiros primatas.

Os primatas precisam de pertencer a um grupo social íntimo, a uma família ou a um bando, para poderem sobreviver.

Isto é especialmente verdade para os humanos (humanos que não conhecemos podem muito bem matar-nos; problema que não é partilhado pela maioria dos outros primatas).

Estar separado do grupo – quer esteja sozinho ou se encontre entre um grupo de pessoas que não o conhecem e não o entendem – desencadeia uma resposta de luta-ou-fuga.

Cacioppo argumentou que o corpo interpreta o estar sozinho, ou estar com estranhos, como uma emergência.

“Ao longo de milénios, esta hipervigilância em resposta ao isolamento ficou incorporada no nosso sistema nervoso e produz a ansiedade que associamos à solidão”, refere Murthy.

A nossa respiração fica mais rápida, o coração acelera, a pressão arterial sobe e temos dificuldade em dormir.

 

Os neurocientistas apresentam a solidão como um estado de hipervigilância

 

Agimos com medo, na defensiva e focados em nós próprios, o que afasta as pessoas que poderiam realmente ajudar-nos.

Desta forma, as pessoas solitárias não fazem o que mais as beneficiaria: juntar-se aos outros.

Evolutivamente falando, entrar em pânico enquanto se está sozinho é altamente adaptativo, mas num mundo em que as leis (na sua maioria) nos impedem de nos matarmos uns aos outros, e precisamos de trabalhar com estranhos todos os dias, é uma espécie de tiro pela culatra.

Murthy refere que a solidão está por detrás de uma série de problemas – ansiedade, violência, trauma, crime, suicídio, depressão, apatia política e até mesmo polarização política.

Pertencer é sentir-se em casa. “Estar em casa é ser conhecido”, escreve ele.

O lar pode ser em qualquer lugar. As sociedades humanas são tão intrincadas que as pessoas têm laços significativos e íntimos de todos os tipos, com toda a espécie de grupos de pessoas, mesmo à distância.

Você pode sentir-se em casa com amigos, no trabalho, num refeitório universitário, na igreja, num estádio, ou no café do seu bairro.

A solidão é a sensação de que nenhum lugar é “casa”.

“Em várias comunidades”, escreve Murthy, “conheci pessoas solitárias que se sentiam sem-abrigo, apesar de terem um tecto sobre as suas cabeças”.

Talvez aquilo que as pessoas que experimentam a solidão e as que são sem-abrigo precisem seja casas com outros seres humanos que as amem e precisem delas, e de saber que são necessárias na sociedade. Isto não é uma agenda política. Isto é uma acusação à vida moderna.

Em “A Biography of Loneliness: The History of an Emotion” (Oxford), a historiadora britânica Fay Bound Alberti define a solidão como:

“Um sentimento cognitivo consciente de afastamento ou separação social dos outros significativos”.

 

Algumas pessoas referem que o sucesso das redes sociais é produto de uma epidemia de solidão

 

Alberti opõe-se à ideia de que a solidão é universal, trans-histórica, e a fonte de tudo o que nos aflige.

Ela argumenta que a condição verdadeiramente não existia antes do século XIX, pelo menos de forma crónica.

Não é que as pessoas – viúvas e viúvos, os muito pobres, os doentes e os marginalizados – não se sintam sós, mas como não era possível sobreviver sozinho, e sem ligações a outras pessoas por laços de afecto, lealdade e dever, a solidão era uma experiência passageira.

Os monarcas eram, provavelmente, solitários crónicos. Mas, para a maioria das pessoas comuns, a vida diária envolvia teias muito intrincadas de dependência, troca e abrigo partilhado, que ser cronicamente ou desesperadamente solitário era sinónimo de estar a morrer.

A palavra “solidão” raramente aparece em inglês antes de cerca de 1800.

Robinson Crusoe estava sozinho, mas nunca solitário.

Uma excepção é “Hamlet”: Ophelia sofre de “solidão” e acaba por suicidar-se por afogamento.

A solidão moderna, na opinião de Alberti, é filha do capitalismo e do secularismo.

“Muitas das divisões e hierarquias que se desenvolveram desde o século XVIII – entre Eu e o mundo, individual e colectivo, público e privado – foram naturalizadas através da política e da filosofia do individualismo”, refere Alberti.

“Será coincidência que o idioma da solidão tenha surgido ao mesmo tempo?” Não é uma coincidência.

O aumento da privacidade, ela própria um produto da economia de mercado – a privacidade é algo que se compra – é um factor de solidão.

Tal como o individualismo, pelo qual também se tem de pagar.

O livro de Alberti mostra que independentemente do ângulo que se olha para a epidemia de solidão ela está intimamente associada a viver-se sozinho.

 

Pela primeira vez na história da humanidade, um grande número de pessoas optam por permanecer solteiras.

 

Se viver sozinho torna as pessoas solitárias ou se as pessoas vivem sozinhas porque estão sós pode ser mais difícil de dizer, mas a preponderância das provas apoia a primeira: é a força da história, e não o exercício da escolha, que leva as pessoas a viver sozinhas.

Este é um problema para as pessoas que tentam combater uma epidemia de solidão, porque a força da história é implacável.

Antes do século XX, de acordo com os melhores estudos demográficos longitudinais, cerca de cinco por cento de todos os agregados familiares (ou cerca de um por cento da população mundial) eram constituídos por apenas uma pessoa.

Este número começou a aumentar por volta de 1910, impulsionado pela urbanização, pelo declínio dos trabalhadores por conta de outrem, pela diminuição da taxa de natalidade e pela substituição da família tradicional, multigeracional, pela família nuclear.

Quando David Riesman publicou “The Lonely Crowd”, em 1950, nove por cento de todas as famílias eram constituídas por uma única pessoa.

Em 1959, a psiquiatria descobriu a solidão, num subtil ensaio da psicanalista alemã Frieda Fromm-Reichmann.

“A solidão parece ser uma experiência tão dolorosa e assustadora que as pessoas farão praticamente tudo para a evitar”, escreveu ela.

“O desejo de intimidade interpessoal existe em todo o ser humano desde a infância e faz-se presente pela vida fora e não há ser humano que não esteja ameaçado pela sua perda” (Frieda Fromm-Reichmann).

As pessoas que não são solitárias têm tanto medo da solidão que evitam os solitários, com medo de que a condição possa ser contagiosa.

E as pessoas que estão sozinhas ficam tão horrorizadas com o que estão a viver que se fecham e ficam obcecadas consigo próprias.

 

Podemos viver sozinhos sem nos sentirmos sós, e podemos sentir-nos sós sem vivermos sozinhos, mas as duas coisas estão intimamente ligadas.

 

“Isso produz a triste convicção de que ninguém mais experienciou ou alguma vez sentirá o que está a experienciar ou experienciou”, escreveu Fromm-Reichmann.

A tragédia da solidão é que as pessoas solitárias não conseguem ver que muitas pessoas se sentem da mesma forma.

“Durante o último meio século, a nossa espécie embarcou numa notável experiência social”, escreveu o sociólogo Eric Klinenberg em “Going Solo: The Extraordinary Rise and Surprising Appeal of Living Alone“, de 2012.

“Pela primeira vez na história da humanidade, um grande número de pessoas – de todas as idades, em todos os lugares, de todas as convicções políticas – optam por permanecer solteiras.

A partir dos anos sessenta, a percentagem de famílias unitárias cresceu a um ritmo muito mais acentuado.

Foi impulsionada por uma elevada taxa de divórcios, uma taxa de natalidade ainda em queda e uma maior longevidade em geral. (Após a ascensão da família nuclear, os idosos começaram a residir sozinhos, com as mulheres a viverem normalmente mais tempo do que os seus maridos).

Cacioppo iniciou a sua investigação nos anos noventa, altura em que os seres humanos estavam a construir uma rede de computadores, para nos ligar a todos.

Empenhado na compressão do que leva as pessoas a optar por viverem sozinhas, Klinenberg, a partir da sua própria história, refere:

“Suponho que eu era um deles. Tentei viver sozinho quando tinha vinte e cinco anos, porque me parecia importante.

Possuir um móvel que não encontrara na rua pareceu-me significativo, um sinal de que tinha atingido a maioridade e podia pagar a renda.

Podia dar-me ao luxo de comprar privacidade, posso dizer agora, mas naquela altura teria dito que me tinha tornado “a minha própria pessoa”.

 

A solidão, escusado dizê-lo, é terrível para a saúde.

 

Durou apenas dois meses. Não gostava de ver televisão sozinho, e também não tinha televisão, e esta, se não era a idade de ouro da televisão, era a idade de ouro dos “The Simpsons”, por isso comecei a ver televisão com a pessoa que vivia no apartamento ao lado. Fui morar com ele, e depois casámos.”

Esta experiência pode não se enquadrar tão bem na história que Klinenberg conta; ele argumenta que as tecnologias de comunicação em rede, a começar pela adopção generalizada do telefone, nos anos cinquenta, ajudaram a tornar possível viver sozinho.

Rádio, televisão, internet, redes sociais: podemos sentir-nos em casa online. Ou não.

O influente livro de Robert Putnam sobre o declínio dos laços comunitários americanos, “Bowling Alone“, foi publicado em 2000, quatro anos antes do lançamento do Facebook, que monetizou a solidão.

Algumas pessoas dizem que o sucesso das redes sociais foi produto de uma epidemia de solidão; outras pessoas referem que contribuiu para isso; e há quem refira que é o único remédio para a solidão.

Ligue-se! Desligue-se! The Economist declarou que a solidão é “a lepra do século XXI”. A epidemia continua a crescer.

 

A tragédia da solidão é que as pessoas solitárias não conseguem ver que muitas pessoas se sentem da mesma forma.

 

Não se trata de um fenómeno particularmente americano. Sendo comum viver sozinho nos Estados Unidos, é ainda mais comum em muitas outras partes do mundo.

Entre elas, a Escandinávia, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Austrália e Canadá, e está em ascensão na China, Índia e Brasil.

Viver sozinho funciona melhor em nações com fortes apoios sociais.

Funciona pior em lugares como os Estados Unidos. É melhor ter, não só Internet, mas também uma rede de segurança social.

Depois começou o grande confinamento global: isolamento forçado, distanciamento social, encerramentos e restrições.

O Zoom é melhor do que nada. Mas por quanto tempo?

A pandemia é uma experiência terrível, assustadora, um teste à capacidade humana de suportar a solidão.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

A partir de “The History of Loneliness” – Jill Lepore

 

 

 

 

Elaboração Psíquica - Afecto, Emoção e Sentimento Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Elaboração Psíquica- Afecto, Emoção e Sentimento

Antes de vermos o que é a elaboração psíquica da emoção, é importante rever os termos afecto, emoção e sentimento.

Em 1917, Sigmund Freud, com a sua habitual antevidência, descreveu os afectos como experiências compostas que incluem “determinadas inervações ou descargas motoras” e “certos sentimentos”.

Desde então, os psicólogos têm definido:

Emoção como a componente neurofisiológica/expressão motora do afecto (ou seja, o que acontece no corpo);

Sentimentos como a componente subjectiva, cognitivo-experiencial (ou seja, “o que é ter essa emoção”; “o que nos faz sentir essa emoção”).

Segundo António Damásio, a emoção é um conjunto de reacções corporais, automáticas e inconscientes, face a determinados estímulos provenientes do meio onde estamos inseridos.

O sentimento surge quando tomamos consciência das nossas emoções, isto é, o sentimento dá-se quando as nossas emoções são transferidas para determinadas zonas do nosso cérebro, onde são codificadas sob a forma de actividade neuronal.

O termo “afecto” abrange tanto a componente emocional como a componente sentimental. Os afetos exprimem-se através de emoções e em sentimentos.

Para os nossos fins – elaboração psíquica da emoção -, pensemos no afecto como sendo expresso em quatro “registos” diferentes: somático, motor, fantasmático e verbal (seguindo o modelo proposto pela primeira vez pelos psicanalistas franco-canadianos Serge Lecours e Marc-André Bouchard nos anos 90).

No registo somático, o afecto é expresso através de sensações fisiológicas internas.

O afecto é experimentado pela primeira vez na infância – nos órgãos internos, cabeça, musculatura e pele – através de sensações de dor, tensão, calor ou náusea.

Ao longo da vida, o corpo continua a ser o nosso derradeiro cenário emocional, o lugar onde qualquer experiência que não possamos experienciar e elaborar mentalmente continua a deixar a sua marca.

 

O psicoterapeuta ajuda o paciente a colocar em palavras os afectos que permaneceram não reconhecidos, ou seja, a promover a elaboração psíquica

 

O nível seguinte em termos de complexidade, também experienciado pelas crianças, é o registo motor. Este envolve o comportamento e a acção do corpo/sistema muscular.

Os bebés contorcem-se, agitam-se, choram e sorriem – tudo isto são manifestações reflexivas de sensações afectivas corporais.

No entanto, os adultos também usam a actividade corporal como meio de expressão dos afectos: lutas no pátio da escola, bater as portas e abraços calorosos são, em parte, expressões deste registo.

O próximo nível na cadeia que liga corpo e mente é o fantasmático. Este envolve a utilização de imagens mentais e cenas para representar estados corporais elementares.

O seu conteúdo pode tomar a forma de imagens expressas em sonhos e fantasias.

É um passo fundamental, pois é o primeiro a utilizar símbolos para representar o afecto.

Estes, em particular, podem ser combinados para permitir a criação de estruturas de significado mais complexas.

Note-se que nem todas as expressões fantasmáticas do afecto têm esta qualidade representativa: considere as alucinações persecutórias, que muitas vezes são vividas como “coisas em si mesmas” sem qualidades simbólicas.

Por último, temos o registo verbal que implica a manifestação do afecto através linguagem (“pôr em palavras”).

Considerado o topo da nossa estrutura emocional, permite-nos ligar o passado ao presente, suster uma experiência e examiná-la de diferentes ângulos, colocar as nossas emoções “em pausa” e actuar sobre elas.

 

O afecto pode ser expresso em quatro “registos” diferentes: somático, motor, fantasmático e verbal

 

Como argumentou o psicanalista britânico Donald Winnicott no século passado, o afecto é, antes de mais, uma experiência corporal para as crianças.

E é somente num ambiente intersubjectivo “suficientemente bom” – a relação entre mãe e filho – que o “psico-soma” começa a desdobrar-se através da elaboração psíquica do afecto como experiência corporal.

A psicoterapia é, de certa forma, semelhante. A relação entre terapeuta e paciente cria um novo espaço intersubjectivo destinado a promover a elaboração psíquica da emoção.

Ou seja, a elaboração do afecto em imagens e palavras, e a crescente complexificação e sofisticação entre as imagens e as palavras.

O psicoterapeuta, tal como a mãe “suficientemente boa”, ajuda o paciente a colocar em palavras os afectos que permanecem não reconhecidos, a fim de serem psiquicamente elaborados.

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