Mês: <span>Setembro 2018</span>

Génese, desenvolvimento e reprodução da violência. Pedro Martins Psicoterapeuta - Psicólogo Clínico

Génese, desenvolvimento e reprodução da violência

Da Agressividade Natural à Génese, Desenvolvimento e Reprodução da Violência

Existe uma agressividade estrutural, endógena ou constitucional porque se admite fazer parte intrínseca da constituição biopsíquica do indivíduo.

É uma agressividade natural, em princípio benigna, posta ao serviço da construção da identidade, autonomia individual e estabelece normas para a vida em grupo.

A agressividade estrutural alimenta várias funções, possibilitando a realização de outras tantas finalidades:

– Aproximação, preensão e controlo daquele que desejamos;

– Defesa do território e do estatuto;

– Afastamento de rivais;

– Afirmação pessoal ou assertividade;

– Competição com os pares e os mais fortes e poderosos.

Esta força agressiva é, pois, um instrumento necessário à adaptação e útil ao desenvolvimento.

A agressividade reactiva é uma reacção à agressão do meio, designadamente do outro.

É desencadeada, quer pela agressão sofrida quer pela agressão prevista ou imaginada.

Surge, portanto, como resposta imediata ao ataque ou como ataque preventivo.

O homem é um animal ético por natureza porque se identifica com a vítima, o sofredor e o desvalido.

Esta forma de violência ou de agressividade, necessária à sobrevivência, é mitigada pelas regras do convívio social.

Na sua contensão, o medo do castigo, a culpa, a vergonha e os sentimentos de compaixão desempenham um papel importante.

Os sentimentos de compaixão pelo outro, derivados da capacidade de empatia e de identificação projectiva – poder sentir o que o outro sente, colocar-se na pele do outro, são as verdadeiras raízes da consciência moral.

Por isso, o homem é um animal ético por natureza – porque se identifica com a vítima, o sofredor e o desvalido.

Não precisa, a bem dizer, de uma moral ditada pelo exterior. Ele próprio a constrói.

Só aqueles que – por infeliz experiência infantil – não tiveram pessoas empáticas e disponíveis aquando do processo de identificação primária apresentam mais tarde incapacidade de empatia perante os fracos ou necessitados.

E por tal se tornam frios, perversos e criminosos; abusam do poder e exploram os outros; maltratam, negligenciam, abandonam.

Mal-amados, são incapazes de amar.

O acumular de experiências traumáticas – privações, castigos, humilhações – gera agressividade, ou propensão para desencadear comportamentos hostis e destrutivos.

Uma vez carente, magoado e ressentido, o indivíduo reage facilmente por agressão às ameaças, ataques e ofensas; o medo, o furor e a raiva narcísica impõem-na.

A frustração da expectativa de receber afecto, apreço e reconhecimento é, de entre todas, a que mais hostilidade e revolta provoca.

O homem, porque conhece o outro e se conhece, necessita de amor e reflexão.

Sem entrada de estima só se produz ódio. Ferido no seu orgulho o animal humano enraivece-se. É este o destino do que não foi amado: a violência.

Bibliografia:

– “Violência Inconsciente” – A. Coimbra de Matos

– “Génese, desenvolvimento e reprodução da violência” – A. Coimbra de Matos

Porque os pais também devem colocar limites a si próprios. Pedro Martins Psicoterapeuta Psicólogo Clínico

Os pais também devem colocar limites a si próprios

O medo do mundo exterior leva os pais a querer controlar a vida dos filhos. Mas será que os pais não deveriam colocar limites a si próprios?

“Eu não sei com quem meu filho namora, ou o que ele faz quando não está em casa. Eu gostaria de saber com quem conversa e quem conhece na internet.

Cada vez que chega a casa eu me pergunto o que ele fez o dia todo mas ele não me explica nada. Fecha-se em copas.

Às vezes eu mexo nas coisas dele ou entro no computador dele.” Estes são apenas alguns dos comentários repetidos entre pais de adolescentes.

A razão pela qual muitos pais fazem extensos interrogatórios aos seus filhos tem a ver com os medos gerados pelo mundo exterior.

Pode ser resumido no medo de que algo de mau aconteça aos filhos. O mundo, a rua ou a internet estão cheios de perigos.

Ao longo da adolescência, os jovens realizam duas operações que estão intimamente ligadas e que são necessárias.

Por um lado, ao sentir a necessidade de criar o seu próprio espaço eles recolhem-se na sua própria privacidade, livre da tutela dos pais que controlam tudo e, por outro, precisam explorar o mundo para alcançar a exogamia, que lhes permitirá formar uma família, sair de casa, ou assumir as suas próprias responsabilidades e viver em sociedade.

Há uma geração atrás, os adolescentes faziam estas duas operações rompendo com os pais numa mudança radical.

Tinham outros interesses, ouviam outra música, vestiam-se de maneira diferente. Num dado momento, havia uma ruptura, fruto de uma crise, e o jovem afastava-se dos pais e iniciava uma vida mais autónoma. Falava-se em rebeldia da juventude.

Para evitar que o adolescente tenha frustrações os pais acabam por super-proteger os filhos.

Actualmente, apesar da ilusão de que não há diferença entre uma geração e a outra, ela manifesta-se de outras maneiras. É algo estrutural em cada geração, mesmo que tenha novas formas.

Em relação às gerações passadas, agora tudo é mais subtil. Os pais esforçam-se para ouvir a mesma música, vestem-se da mesma forma, são pais “modernos”.

Mas, ao mesmo tempo, assim como com os seus próprios pais, eles tentam impedir os filhos de se separarem e acabam por recorrer à superprotecção.

O argumento usado é o de evitar que o adolescente tenha frustrações. No entanto, os pais fazem isso pelos filhos ou por eles?

Verificamos, ouvindo os adolescentes, que eles têm dificuldade em criar espaços de intimidade porque os pais estão muito em cima deles.

Uma mãe disse-me: “Eu quero que minha filha sinta que eu sou amiga dela”.

Efectivamente há perigos na sociedade e há jovens que fazem coisas delicadas. De qualquer forma, esta época não é pior do que outras em termos de perigos.

No entanto, já não vemos crianças na rua a brincar sozinhas – quando no passado era a coisa mais normal do mundo.

Na era da informação, tudo é amplificado. Algo que acontece no Bornéu pode servir para assustar os pais e pensar que isso certamente pode acontecer com os seus filhos.

Tudo isto esconde outra questão que o psicanalista Jacques Alain Miller define como “a intromissão do adulto na criança”. O que significa isto?

A intrusão tem a ver com querer moldar as crianças à nossa imagem, baseada em ideais, o que é verdadeiramente impossível e está na base do conflito geracional.

Os pais devem permitir que o adolescente possa experimentar e encontrar os seus próprios limites.

O adolescente deixa de ser transparente aos olhos dos seus pais e fecha-se mais sobre si mesmo.

A reacção dos pais é de mais controlo, opinar sobre a sua vida, interferir nos estudos, nas amizades, nos momentos de diversão, pressioná-lo para que saia ou deixe de sair, imiscuir-se sobre o que lhes convém.

A reacção lógica dos adolescentes é geralmente o silêncio ou o negativismo, o que gera um círculo vicioso de impotência e mal-estar.

Provavelmente ajuda recordar que nós adultos fomos adolescentes e que passámos por situações de confusão, momentos difíceis e que há algo inevitável em tudo isso.

Nas associações de pais, geralmente insiste-se em falar sobre como colocar limites nos filhos.

Podemos brincar com isso e pensar se os pais não precisam de se limitar para intervir menos na vida dos filhos.

Pense nos limites como uma separação. Separar-se deles para poder acompanhá-los melhor na jornada que, definitivamente, é deles.

A nossa é a nossa. Aproveitar isto para fazer uma introspecção sobre a nossa vida como adultos.

São muitos os pais que pensam que os filhos têm de viver as suas próprias experiências, cometer erros, serem mais autónomos.

Como se diz em francês: “faire confiance”, que nada mais é do que permitir que o adolescente possa experimentar e encontrar os seus próprios limites.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de “Por qué los padres también deberían ponerse límites en la relación con sus hijos” – Mario Izcovich

A erotização do contato - Pedro Martins Psicoterapeuta, Psicólogo clínico

A Erotização do Contacto

É difícil viver o defeito narcísico, por isso o depressivo o mascara. Ao mesmo tempo, as defesas contra o afecto depressivo são uma das principais causas do agravamento da estrutura depressiva.

O depressivo, duramente inferiorizado, esconde as vergonhas. O essencial, para ele, é salvar a face narcísica; mesmo que o interior continue ferido e a humilhação bem sentida.

É precisamente nos deprimidos que encontramos a maior resistência à reabertura do ferimento narcísico, falsamente cicatrizado.

A erotização do contacto é um mecanismo antidepressivo por excelência.

A dificuldade de relacionar-se, a que a inferioridade conduz (e que com ela se reforça), tem outra saída: a erotização do contacto.

A erotização do contacto é um mecanismo antidepressivo por excelência. A ansiedade relacional é erotizada e a inibição na relação curto-circuitada.

A ausência de uma figura de amor, a perda não reparada do amor dessa figura – (causa primeira e fundamental do sofrimento depressivo) é negada.

Na relação erótica o investimento no outro é substituído pelo investimento no acto; uma relação funcional e parcial vicariante da relação total de amor  – tida e considerada, como impossível.

Mas sabemos bem a miséria que esconde, a insatisfação que comporta, a monotonia em que se traduz, o aborrecimento a que conduz – a depressão que se iludiu e que cada vez mais se vai tornando mais funda.

“Fugir à depressão é agravar a depressividade”

Fugir à depressão e ao afecto depressivo da perda e ao tempo de depressão que é necessário para elaborar e fazer o trabalho do luto é agravar a depressividade.

Sem esse trabalho não é possível conquistar um novo amor – única cura da depressão-doença -, reorganizando uma relação vital (não há vida mental saudável sem uma constância de amor).

O poder sentir, reconhecer e viver o vazio – de forma temporária – conduz, lógica e necessariamente, ao preenchimento, a novo encontro ou reencontro, e assim, substitui-se o vazio – que quando ignorado, caminha para o definitivo.

Caso contrário, é a morte da esperança, com a idealização do prazer. Parafraseando Samuel Johnson, diremos que: a vida não é um salto de prazer em prazer, mas um voo de esperança em esperança.

A relação biológica, animal, é ditada pelo instinto, mas a relação humana, pessoal, é nutrida pelo afecto.

A partir de: “Compensação narcísica e erotização do contacto” – A. Coimbra de Matos

Porque repetimos os padrões autodestrutivos Pedro Martins Psicoterapeuta

Por que repetimos os padrões autodestrutivos?

É uma experiência frustrante (e comum) repetir constantemente os mesmos padrões autodestrutivos, apesar de desejarmos o contrário.

As variações deste tema são muitas: procrastinação, relacionamentos com parceiros egoístas, compras compulsivas, beber ou comer demais, etc.

Você diz a si próprio que agora vai controlar melhor as coisas e motiva-se para isso.

E, durante algum tempo, tem sucesso, mas para sua surpresa, o esforço dura pouco.

S. Freud chamou-lhe “compulsão à repetição” e compreendeu que isso estava relacionado com o nosso desejo de arrumar algo inquietante e não resolvido do nosso passado.

Originalmente pensou que a tomada de consciência do problema seria o suficiente para o resolver, mas Freud acabou por perceber, provavelmente como você, que, embora esse seja um primeiro passo, geralmente, não é suficiente para quebrar o ciclo.

Por que é que a tomada de consciência do problema não é suficiente para quebrar os ciclos autodestrutivos?

A resposta é: porque o comportamento indesejado é ao mesmo tempo o problema e a solução.

Por exemplo, estamos cientes de que as compras compulsivas são problemáticas.

Mas um olhar mais atento permite perceber que as compras compulsivas também são uma forma de lidar com um outro problema – que permanece escondido ou fora da nossa consciência.

Enquanto permanecer escondido, o ciclo indesejado de comportamentos e o sofrimento emocional associado que ele evoca, persistirão.

O comportamento indesejado é ao mesmo tempo o problema e a solução.

Na psicoterapia psicanalítica, o significado oculto é revelado, permitindo um maior controle sobre o comportamento indesejado.

À medida que a terapia avança, o terapeuta dirige a atenção do paciente para certos aspectos das experiências (das quais o paciente não tem muita percepção, ou desvaloriza), revelando dimensões ocultas que podem estar relacionadas com a questão da impulsividade.

O CASO DE MARY

Mary estava ciente de que fazia demasiadas compras, gastava demais e acabava a sentir remorsos do que tinha feito.

Os remorsos e as dívidas levaram a um ciclo de auto-depreciação ao qual ela reagiu com a destruição dos cartões de crédito e proibindo-se de fazer compras.

Os esforços para controlar as coisas duraram pouco.

Por razões desconhecidas para ela, o impulso para fazer compras ressurgiria de forma muito intensa, à qual ela não conseguia resistir.

Os remorsos desapareciam completamente no imediatismo desses momentos, e só encontrava alívio nas compras. Então, o ciclo doloroso começava novamente.

Mary descreveu a mãe como uma mulher que se definia pela sua beleza.

Os momentos mais intensos, e mais extraordinários de Mary com a mãe giravam em torno das saídas para fazer compras.

Mary lembrava-se bem de sentir-se apaixonada, como se fosse a boneca da sua mãe durante os dias de compras.

As memórias iniciais de Mary sobre esses tempos eram exclusivamente positivas, explicando pouco sobre a sua compulsão para fazer compras.

Progressivamente, o terapeuta foi dirigindo a atenção de Mary para aspectos esquecidos das suas interacções com a mãe, lançando uma nova luz sobre o problema.

As compras compulsivas são também uma forma de lidar com um outro problema que permanece escondido ou fora da nossa consciência.

Por exemplo, Mary lembrou-se de ter ficado perplexa quando a mãe lamentou as formas do corpo de Mary, a cor dos seus cabelos, as suas feições e como ela nunca ficava bem nas roupas.

Mary compreendeu pela primeira vez que tinha começado a odiar-se tanto quanto acreditava que a mãe a odiava.

Por fim, Mary foi capaz de ligar o imediatismo dos seus impulsos para fazer compras aos antigos estados de ódio a si própria.

E quando percebeu que a mãe tinha lutado ineficazmente com os seus próprios problemas de auto-estima e, portanto, foi incapaz de amparar Mary, ela libertou-se da busca inconsciente de aprovação da mãe, falsamente prometida nas idas às compras.

Em resumo, Mary destrinçou os seus verdadeiros sentimentos sobre si mesma daqueles que ela acreditava que a sua mãe sentia, alterando, assim, o ciclo autodestrutivo.

Mary podia agora responder aos problemas de auto-estima de maneira mais produtiva, e se quisesse, poderia fazer compras para o seu próprio prazer.

Freud referia que somos compelidos a repetir até nos lembrarmos.

A compulsão de Mary para fazer compras repetiu-se até que ela se recordou como e porque a sua auto-estima tinha sido afectada.

Embora fosse doloroso recordar isso, permitiu-lhe responder de maneira mais eficiente aos problemas de auto-estima.

A maioria dos comportamentos autodestrutivos, quer seja compulsão para comprar ou compulsão alimentar, acarreta alguma combinação de autodestruição e autoprotecção.

O desafio é descobrir as raízes de ambos os problemas para se encontrar uma resposta mais saudável.

Traduzido/adaptado por Pedro Martins a partir de:

“Why Can’t I Stop Repeating the Same Stupid Behaviors?”

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