Mês: <span>Abril 2018</span>

orgulho, vaidade, psicoterapia,

Orgulho ou Vaidade? Descubra as diferenças

O Homem é essencialmente um animal narcísico – que se admira e precisa ser admirado. A sua qualidade é o orgulho; o seu defeito a vaidade.

O bom narcisismo assenta num sentimento de dignidade pessoal. A deficiência narcísica, o sentimento de vacuidade, de vazio e miséria interiores conduz à vaidade.

O orgulho tem brio, porque assume a plenitude do seu ser; senhor do seu amor-próprio e do seu valor social.

O vaidoso pinta-se com tinta brilhante para esconder as mazelas, as máculas da auto-imagem; como é pouco, assenhora-se de apetrechos que o possam fazer brilhar; a sua problemática é a de o ter – para suprimir aquilo que não é.

 

“O orgulhoso tem brio, o vaidoso procura brilhar.”

 

O orgulhoso, seguro de si deixa-se observar; o vaidoso, inseguro mas desejoso de mostrar o contrário, exibe-se. O orgulhoso tem brio, o vaidoso procura brilhar.

Esta distinção entre orgulho e vaidade procura tão-somente salientar o que há de diferente entre o narcisismo positivo (amor a si próprio), decorrente de um bom investimento de si mesmo, e o narcisismo negativo (aversão a si próprio), condicionado por um deficiente investimento de si próprio e que acarreta frequentemente um mecanismo de supercompensação com a construção ilusória de uma auto-imagem grandiosa.

O processo de compensação narcísica pela grandiosidade, pela exaltação ilusória da auto-imagem é como um prémio de consolação que o indivíduo atribui a si mesmo pelo facto de não se ter sentido e sentir suficientemente amado e admirado pelos outros (reconhecido no seu próprio valor).

Resulta, pois, da necessidade de reparar pelos seus próprios meios o insuficiente investimento que recebeu e que recebe dos outros – não amado nem admirado, é ele próprio a amar e admirar a sua imagem reflectida pelo espelho: necessariamente má porque, à partida, não apreciada pelo olhar do outro (não desencadeou o espanto e o desejo) e que, por isso mesmo, ele procura artificialmente valorizar (retoques, exibição) para retomar a finalidade primeira, ser desejado.

Em última análise, o narcísico enamora-se de si mesmo em razão de não ser ou não se sentir objecto do enamoramento do outro.

 

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

Triste e sem saber porquê Pode estar deprimido psicoterapia

Triste e sem saber porquê? Pode estar deprimido

A tristeza aparece quando se perde algo ou alguém a que se estava fortemente ligado.

Quando esse algo que se perdeu era já tido como uma posse incerta ou duvidosa, só mantida por uma convicção ligada a certa omnipotência, a tristeza é sentida, mas negada a realidade da perda – ou, mais precisamente, negado o sentimento de perda.

“A Depressão é a negação do sentimento de perda.”

E assim se instala a depressão. A depressão é, pois, a negação do sentimento de perda; está-se triste sem se saber porquê.

Quando se perdeu alguém de quem se estava dependente, mas cuja dependência era sentida como uma inferioridade pessoal, da mesma forma a tristeza é sentida, mas negado o sentimento de perda. E, pela mesma razão, se instala um quadro depressivo.

Por conseguinte, a depressão é uma tristeza cujo o motivo se procura negar para manter incólume o narcisismo, a auto-imagem.

Mas negando o sentimento de perda, o trabalho de luto não se faz: a tristeza mantém-se, a depressão arrasta-se.

A cura da depressão passará, portanto, pela realização de um trabalho de luto que está bloqueado: pela consciencialização, aceitação e elaboração da perda; sobretudo, pela vivência e aceitação do sentimento de perda.

Portanto, enquanto no luto normal há propriamente uma perda de alguém, na depressão ou luto patológico há uma perda narcísica, uma perda de auto-estima.

O depressivo é um indivíduo em deficiência narcísica. O seu mundo – das coisas e das pessoas – serve para confirmar ou infirmar, avaliar, medir o seu valor próprio: é o espelho da sua auto-representação. O indivíduo vê-se no efeito que produz à sua volta, no reflexo da circunstância, na admiração e amor que desperta nos outros.

O défice narcísico, em consequência, acompanha-se sempre de uma faceta exibicionista. Ainda que de um exibicionismo tímido, envergonhado, dado o sentimento de inferioridade que caracteriza a estrutura depressiva.

Compreendemos agora melhor a reacção à perda nestas personalidades: a perda é negada para evitar o ferimento narcísico, para evitar o sentimento de lesão da auto-estima.

A auto-estima já de si pobre não pode expor-se a novo empobrecimento; por isso a consciência procura ignorá-lo. Mas a realidade impõe-se, e lá está a depressão para o evidenciar.

E, por micro-depressões sucessivas, o quadro de depressão crónica – latente, manifesta ou mascarada – vai-se agravando. Esta é a história existencial da personalidade depressiva.

 

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

automutilação -psocura de atenção ou de vinculação

Automutilação: O Que É e Como Ajudar

A automutilação num amigo, num parceiro, num filho ou em alguém com quem você trabalha pode gerar uma profunda ansiedade e suscitar uma série de sentimentos perturbadores – confusão, raiva, desamparo, preocupação e até pânico.

Esses sentimentos podem levar aqueles que estão a tentar apoiar a pessoa que se mutila a entrar num modo socorrista (eu tenho que fazer tudo o que eu puder para que ele pare) ou, em vez disso, uma espécie de menosprezo bem-intencionado (eles estão à procura de atenção, se eu ignorar, isso desaparece).

 

“É como se toda a dor que se vem acumulando há dias, simplesmente, se desvanecesse num único momento”

 

Porque é que ele se magoa? Porque é que não pode, simplesmente, falar comigo? Como posso pará-lo? Essas são as questões que circulam em torno do problema da automutilação. Então, naturalmente, no meio de toda esta preocupação e pânico – há a questão de como é ser a pessoa que se está a ferir?

Porque se automutilar?

A automutilação não é um distúrbio mental. A automutilação é um problema na regulação emocional. A regulação emocional significa a capacidade de uma pessoa (a) perceber que está a viver uma experiência emocional; (b) que a nomeie e compreenda; (c) a expresse aos outros de uma forma sadia e, finalmente (d) gerir o sentimento de modo a torná-lo mais tolerável. Algumas crianças, adolescentes e adultos voltam-se para a automutilação porque o seu sistema de regulação emocional não é suficiente para diminuir a dimensão – insuportável – da sua dor.

Podemos ver isso na forma como as pessoas que se mutilam descrevem o que sentem. Essa percepção é valiosa para aqueles que tentam entender a automutilação. Eis o que nos foi dito por pessoas que acompanhamos em psicoterapia:

“É como se toda a dor que se vem acumulando há dias, simplesmente, se desvanecesse num único momento”

“Quando eu me corto, é o único momento que me sinto real, viva, como estou aqui agora”

“É como se a automutilação fosse o meu único amigo que me faz sentir melhor.”

“Eu não quero que as pessoas saibam, não se trata de dizer “olhe para mim”, é sobre encontrar uma maneira de me sentir calma sem magoar ninguém”

“É a única coisa que posso controlar na minha vida, por isso diminui a minha ansiedade.”

“Se eu não me cortasse, estaria morta. Cortar, literalmente, mantém-me viva”

 

Indivíduos que lutam para tolerar a dor e o stress e pessoas com problemas psicológicos, frequentemente, encontram-se num estado de hiper-excitação (excepcionalmente alerta, nervosos, ansiosos) ou num estado de hipo-excitação (sentindo-se mortos e entorpecidos interiormente). A automutilação é uma maneira poderosa de encontrar o meio-termo entre os dois estados emocionais extremos. Quando estão ansiosos, a automutilação acalma; e quando se sentem mortos por dentro, a automutilação desperta o corpo e a mente. A automutilação torna-se a figura de vinculação da pessoa, a sua base segura.

Procura de atenção ou procura de vinculação?

Como pais, amigos, professores, cônjuges – nós tentamos fazer o melhor possível para entendermos quem se mutila. Podemos, naturalmente, vê-lo como uma maneira de chamar à atenção; e assim podemos ignorá-lo, minimizá-lo ou criticá-lo, ou pior – gozar.

Há uma outra maneira, mais compassiva, mas também mais eficaz, de ver e compreender a automutilação: é vê-la como uma busca de vinculação.

Um marco fundamental para uma criança pequena é aprender a regular as suas emoções, e elas fazem isso com a ajuda das suas figuras de vinculação (pais, cuidadores, outras pessoas importantes), que de alguma forma entremeiam essa regulação.

 

“Aqueles que não desenvolveram a capacidade de regulação emocional em pequenos vão encontrar outras maneiras de trazer as suas figuras de vinculação para perto.”

 

A teoria da vinculação mostra-nos que aqueles que não desenvolvem a capacidade de regulação emocional quando são pequenos (devido ao stress familiar, estilo parental, temperamento, problemas de saúde e assim por diante) encontram outras maneiras (inseguras) de trazer as suas figuras de vinculação para perto. De alguma forma, isso traz-lhes conforto e segurança. Alguns indivíduos escondem as suas emoções e, portanto, mantêm os outros por perto porque não são um “problema”; outros podem fazer um grande alarido das suas necessidades, e isso mantém os outros por perto, com o intuito de responder à crise.

Então, o que é que isso tem a ver com a automutilação? A automutilação é um comportamento de busca de vinculação. Aqueles que se mutilam em segredo (sem que ninguém saiba) regulam as emoções e mantêm os outros afastados. Assim, lidam com dor sozinhos, pois para eles parece mais seguro. Os que não escondem a automutilação sentem-se mais seguros quando os outros os atendem, seja por meio de compreensão ou por meio de críticas. Qualquer atenção é melhor que nenhuma atenção.

Embora a ‘atenção’ possa ser uma consequência da autoagressão, o propósito dela é regular a emoção e / ou aproximar os outros, a fim de atender a uma necessidade emocional não satisfeita.

Então, o que fazer?

A experiência de trabalhar com pessoas que se mutilam mostrou-nos que minimizar, ignorar ou criticar a pessoa não funciona. Na verdade, isso piora! As reações bem-intencionadas de outras pessoas aumentam o sentimento de vergonha e autoaversão na pessoa que se mutila, o que aumenta a necessidade de se mutilar.

Em vez disso – procure ligar-se emocionalmente e reflicta sobre o que sente. Faça o que precisa fazer para se sentir emocionalmente conectado – mostre que se importa; mostre que está lá. Então, e só então, você pode ajudá-los a lidar com o problema.

Aqui estão as nossas principais dicas:

  1. Fale sobre isso. Deixe-os saber que você notou; que está curioso. Que você questiona que sentimento leva uma pessoa a magoar-se. Não deixe que a automutilação seja um elefante no meio da sala.
  2. Mantenha-se calmo e com os pés assentes na terra. A sua ansiedade criará mais ansiedade neles. Eles precisam que você seja firme, cuidadoso e que não faça julgamentos.
  3. Tente imaginar que necessidade emocional está por trás da automutilação, caso eles não o consigam colocar em palavras. Ofereça-lhes a sua “linguagem afectiva”, seja isso um abraço, aceitação, palavras gentis, actos de reflexão ou respeito.
  4. Mostre que você “os mantém em mente” mesmo quando não estão juntos.
  5. Ajude-os a elaborar os seus “gatilhos”. O que lhes dá a vontade de se mutilar? Pensar em conjunto que tipo de coisa faz disparar a vontade de se mutilar pode levar à sua redução.
  6. Escolha com cuidado a quem você conta. Outras pessoas saberem pode causar vergonha, mas também pode ser um alívio. Decidam juntos.
  7. Fique de olho na segurança. A automutilação não leva ao suicídio, mas as pessoas com tendências suicidas são mais propensas a se automutilar. Incentive-os a cuidar das suas feridas.
  8. Considerem o tratamento psicoterapêutico. Situações destas raramente se resolvem sem apoio especializado.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “Self-harm: Attention seeking or attachment seeking? –  Shoshanah Lyons

depressão inferioridade culpa

Depressão – Sentimento de Culpa e Inferioridade

No que diz respeito à depressão é importante olharmos a natureza e a qualidade da perda que origina o fenómeno depressivo lato sensu:

1 – Natureza da Perda: o doente depressivo não perdeu uma pessoa significativa (por morte ou retirada), mas o afecto de pessoas significativas, ou seja, a perda do amor de pessoas e não a perda de pessoas.

2 – Qualidade da Perda: Na depressão* o afecto que o indivíduo perdeu, foi o amor: o amor dedicado, generoso e oblativo.

Na depressão anaclítica ou borderline perdeu-se a protecção e assistência do cuidador.

Na depressão* pode permanecer a função de cuidar, mas falta o amor, o desejo de estar/conviver com o outro. (* designada depressão verdadeira)

A Depressão estrutura-se através da inferioridade e da culpa

A culpa resulta de duas origens convergentes:

1 – Idealização do “outro” – com a respectiva tendência a desculpabilizá-lo.

2 – Indução da culpa pelo “outro” – o qual, ao mesmo tempo se idealiza e se faz idealizar.

O sujeito projecta (coloca no outro) a sua bondade e introjecta (recebe do outro) a maldade.

Neste caso verifica-se um processo de inversão da experiência vivida no qual é influenciado pelo outro.

É este processo de despojamento da sua bondade e assimilação da maldade que conduz ao erro de avaliação da realidade pelo depressivo:

– “Eu sou mau, ele é bom”.

Há um erro lógico (cognitivo) de apreciação da realidade – erro em que é induzido pelo “outro”, o qual projecta a sua culpa no sujeito e absorve a bondade deste.

A relação depressígena (causadora de depressão) consiste precisamente nisto: culpar e idealizar-se a si mesmo.

A depressão pode ser vista como a relação que se estabelece com a pessoa depressígena:

– Que não desculpa mas culpa, que não ama mas capta o amor do outro; Trata-se de uma pessoa culpabilizante e desamante.

Por isso a culpa depressiva é uma culpa patológica e ilógica (erro lógico).

É este erro que o terapeuta tem que corrigir: fazer com que o paciente recupere o investimento perdido na idealização do “outro” e re-direccionar a culpa para o verdadeiro responsável; isto é, processar uma inversão do processo patológico.

O mesmo se passa para a inferioridade. A pessoa depressígena é aquela que inferioriza o outro e engrandecendo-se a si próprio. No grau máximo, é alguém que humilha.

Não há depressão sem culpa e sobretudo sem inferioridade, porque a retirada do amor – a causa prínceps da depressão – é só por si desnarcisante.

Por isso um dos sintomas da depressão é a baixa auto-estima.

Bibliografia: Matos, A. C. (2001). A Depressão. Lisboa: Climepsi Editores

haunting

www. Ghosting, Haunting e Benching. com

Ghosting, haunting e benching: as práticas das novas relações

“Numa época em que a sociedade está repleta de meios de comunicação que permitem, cada vez mais rápido, estar em contacto com outros, nunca foi tão fácil conhecer e esquecer pessoas. Abre-se o Facebook, o Instagram ou até o Tinder e basta enviar uma mensagem, pedir para seguir ou “gostar” para que se possa estar em contacto com alguém. Ao mesmo tempo que isso acontece, as relações profundas tornam-se caminhos mais difíceis de encontrar. As redes sociais, as aplicações de encontros e, mais importante, a maneira como são usadas, têm cada vez mais impacto nas relações que vivemos: o ghosting, o haunting e o benching são só algumas das novas práticas que ganharam nome nos últimos anos, graças à sua visibilidade, e à maneira como as pessoas vivem as suas relações nesta nova era.”

Tive muito gosto em conversar com a jornalista Adriana Claro da “MAGG” sobre as práticas das novas relações.

continuar a ler: https://magg.pt/2018/04/03/ghosting-haunting-e-benching-as-praticas-das-novas-relacoes/

 

Devaneio psicoterapia

O Sintoma como trampolim para o devaneio

Thomas Ogden descreve a psicoterapia como uma oportunidade para o devaneio. Ele cita R.M. Rilke (1904)

“I hold this to be the highest task of two people; that each should stand guard over the solitude of the other.”

Ogden recorda-nos que não só temos partes sexuais do corpo que são privadas, como também temos processos mentais privados, que podem ser compartilhados, ou não, como assim entendermos. A concepção da psicoterapia como promotora do devaneio e da presença de um mundo interno privado, contrasta com uma das regras fundamentais de Freud de que devemos instruir os nossos pacientes a dizerem-nos o que está na sua mente.

Pelo contrário, refere Ogden, nós temos que ajudar os nossos pacientes a expandir os seus devaneios e, em seguida, escolher o que desejam compartilhar connosco. Ogden vê essa regra de Freud como contra-terapêutica, pois o nosso objectivo como terapeutas é incentivar e orientar em vez de ditar o que deve ser feito. Pacientes deprimidos, ansiosos, obsessivos e histéricos não conseguem ter devaneios, porque os sintomas sequestraram o seu cérebro de tal forma que eles estão restringidos no que “escolher” para poder ser pensado.

Aqui, a escolha da palavra implica uma escolha inconsciente, onde, por razões misteriosas, o cérebro do paciente está em shut-down e, como tal, estão limitados na capacidade de aceder ao seu próprio cérebro. É como se tivessem uma casa muito grande, mas todos os quartos estão fechados, e o paciente tem medo de encontrar a chave, pois ele teme o que vai encontrar, de modo que circunscreve-se a um pequeno quarto, onde sabe o lugar de tudo.

Ao conseguirem a chave os pacientes vêem a exploração da casa, do cérebro, como um devaneio, como uma fonte de mais pensamento, ao invés de um lugar que temem, tão doloroso que possam ficar presos na dor. A ironia aqui é que os pacientes estão presos, mas temem avançar, pois podem ficar presos de uma forma diferente e a mudança é assustadora.

O conceito de devaneio está associado a um espaço de interesse, de curiosidade e de livre flutuação de ideias, em vez de dor e sofrimento. Ser curioso é pensar, enquanto sentir a dor é o estreitamento, é ser autocentrado. Orientar os pacientes para a curiosidade, longe do seu foco no sintoma, é o coração da psicoterapia. Outros tipos de psicoterapia trabalham ao contrário, concentram-se nos sintomas e desencorajam a curiosidade. Pode dizer-se que eles se complementam e os pacientes podem beneficiar de ambos. Ogden refere, que seria tentado a concordar, mas o alívio a longo prazo vem do pensar sobre o pensar e de desafiar os nossos pacientes a questionar o que os sintomas significam para eles, de forma a usar o sintoma como um trampolim para devaneio.

ghosting

Ghosting – O Novo Mundo das Relações

O vocábulo ghosting foi eleito pelo dicionário britânico Collins como uma das palavras do ano de 2015. Derivada do inglês ghost (fantasma), o termo tem sido usado para designar uma forma de terminar relacionamentos (inclusive, quando, aparentemente, tudo está bem) na era digital em que a pessoa desaparece, tal qual um fantasma, e deixa de responder às mensagens dos aplicativos e redes sociais, eximindo-se de dar qualquer explicação.

O ghosting está intimamente ligado à forma superficial como a maioria das relações on-line é construída. Não é, portanto, de estranhar que a maneira como certos relacionamentos terminam esteja em linha com a forma como começam.

O facto de tudo se passar muito rapidamente, impede o aprofundamento. Sem tempo para as pessoas se conhecerem melhor (essência das relações), os relacionamentos não se consolidam.

Numa altura que o vídeo e a fotografia estão tão presentes no nosso dia-a-dia é natural que a imagem tenha um peso muito grande. O “match” que por vezes está na base de alguns relacionamentos deu-se através de uma “imagem” que editei de mim próprio e que atraiu o outro. Se eu mostrar a minha “imagem” não editada a atracção acaba? Posso mostrar quem realmente sou? Receando as respostas, o aprofundamento fica comprometido, e sem isso é espectável que as relações durem pouco. Começar / Terminar acaba por ser apenas mais um aspecto dentro deste modelo de relacionamentos.

 

A Conexão é muito mais frágil que o Vínculo

Actualmente estamos todos conectados uns com os outros mas o número de vínculos é cada vez menor. O vínculo é um tipo de ligação mais profunda. A conexão pode ser vista como estar em “contacto com”, e a vinculação como uma união. A união-relação pressupõe a criação de uma quantidade de vias que me ligam ao outro e nas quais circulam os afectos.

Nós precisamos das relações para nos conhecermos e para nos alimentarmos afectivamente. Os relacionamentos são uma espécie de espelho que nos devolve a imagem do que somos mas, tendo em conta que são também um alimento, do que poderemos vir a ser. Se não se aprofundam as relações, perpetua-se a fragilidade – nas pessoas e nos relacionamentos.

Os outros são um espelho onde nos vemos, mas essencialmente, onde nos conhecemos e reconhecemos. Se o espelho que me valida não tem uma presença continuada (porque se afasta ou eu me afasto dele) não consigo avançar, porque a cada 10 segundos paro para perguntar: “Espelho meu, espelho meu, há alguém mais bonito que eu?”.

 

“Saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou.”

O desaparecer sem deixar rasto não é novo. O mítico episódio “foi comprar cigarros e não voltou” perdeu o glamour cinematográfico e caminha para uma banalidade assustadora. Actualmente 50% dos homens e das mulheres referem terem sido alvo de ghosting, e um número aproximado praticou.

 

O que leva a fazer Ghosting?

Entre as principais razões podemos encontrar:

– Imaturidade emocional: “Eu não compreendia exactamente o que sentia, então, em vez de tentar falar, eu ghosting (desapareci).”

– Evitar o confronto.

– Nos casos em que se desenvolveu uma empatia é mais difícil terminar.

Quanto mais isto acontece, mais as pessoas ficam insensíveis a isso, e a probabilidade de que o reproduzam aumenta.

 

Como se sente alguém que foi ghosted?

– A impossibilidade de encerrar pode ser considerada “enlouquecedora” (no sentido de não poder ser pensada; de não ter uma lógica).

– Pode ser uma experiência traumática (que leve a fugir de novas relações)

– Aquele que é deixado sofre ainda mais devido à indiferença. Pior do que ser deixado é perceber que o companheiro nem sequer achou que valesse a pena “terminar”.

– Paralisado e impotente. O ghosting não dá nenhuma pista para reagir. A pessoa fica sem conseguir lidar com a situação porque não sabe o que verdadeiramente se passou.

– O ghosting é uma forma de crueldade emocional porque a possibilidade de reagir é restringida. Não me sendo dada a possibilidade de fazer perguntas, de arranjar elementos que me ajudem a construir uma narrativa para o sucedido, eu posso ficar enredado numa quantidade de “porquês” (que podem conduzir a uma culpabilização). Perante esta situação eu fico impedido de processar emocionalmente a experiência de rejeição e de perda.

– A ausência do outro impede-me de expressar, de exteriorizar em direcção a ele o que estou a sentir. Impede-me de gritar, de partir pratos, de protestar, enfim, ser ouvido (a existir; sou ouvido logo existo). Este processo de nos “defendermos do ataque” desferido por aquele que nos rejeita é fundamental para a preservação da auto-estima. Numa situação de ghosting é provável que em vez de pôr em causa a relação eu próprio me coloque em causa.

 

A vida continua

Embora trabalhos recentes mostrem que uma percentagem dos sujeitos acha o ghosting aceitável em algumas circunstâncias (relações curtas), a maioria considera que se trata de uma atitude inaceitável.

Para algumas pessoas o ghosting pode ser uma experiência devastadora. Apesar disso, as pessoas mais maduras e equilibradas emocionalmente conseguem com maior rapidez encontrar uma saída para esta situação. A capacidade de rever os acontecimentos, de compreender e aceitar o papel que desempenhámos no relacionamento, permite, não só sair da situação mais rapidamente como desenvolver um faro para reconhecer situações semelhantes.

 

O Ghosting é muito frequente?

Nos trabalhos de Freedman et al. recentemente publicados no Journal of Social and Personal Relationships, 25% dos participantes referem que foram alvo de ghosting, e 20% indicaram que o praticaram aos companheiros.

Sem surpresa, a maioria dos sujeitos referiram que o ghosting é uma forma inaceitável de terminar uma relação. No entanto, quanto mais curta a relação mais aceitável.

 

Quem está mais susceptível ao Ghosting?

Entre os vários factores que podem influenciar o ghosting, Freedman et al. analisaram as crenças acerca dos relacionamentos.

As pessoas que acreditam no destino – “Se um relacionamento está destinado a resultar, ele irá resultar, e se não estiver, ele falhará”-, são mais propensas a olhar para o ghosting como aceitável.

Por outro, as pessoas que acreditam no crescimento das relações, que consideram que os bons relacionamentos exigem trabalho, e que o sucesso de um relacionamento depende do esforço do casal, consideram o ghosting inaceitável.

É provável que aqueles que têm uma vinculação insegura e personalidades narcísicas  possam recorrer mais ao ghosting como forma de terminar um relacionamento.

 

Culpados e inocentes

Não temos números que nos digam que o ghosting acontece mais agora, mas é razoável assumir que na era digital, e tendo em conta novos contextos de relacionamentos (on-line dating), a probabilidade de algumas pessoas, simplesmente desaparecerem, seja maior.

Não entrando em comparações entre aquele que pratica e aquele que foi sujeito ao ghosting, ambos podem ser vistos como vítimas desta nova era onde reina o individualismo e as pessoas são vistas como objectos descartáveis.

mundo moderno

Como o Mundo Moderno nos está Afectar

O mundo moderno tem muitas coisas maravilhosas (a odontologia é boa, os carros são confiáveis, podemos facilmente entrar em contacto a partir do México com a nossa avó na Escócia) – mas também é poderosa e tragicamente capaz de causar um alto nível de ansiedade e estados depressivos.

Existem seis características particulares da modernidade que têm um efeito psicologicamente perturbador. Cada uma tem uma cura potencial, que só pode ser colocada em acção colectivamente quando conhecermos mais sobre o problema em questão.

 

  1. Meritocracia:

As nossas sociedades dizem-nos que todas as pessoas são “livres de fazer”, caso tenham talento e energia. A desvantagem dessa ideia, ostensivamente libertadora e apaixonante, é que qualquer insucesso sentido não é, como no passado, um acidente ou infortúnio, mas um sinal claro de falta de talento ou preguiça. Se aqueles que estão no topo merecem todo o seu sucesso, então aqueles que estão no fundo, certamente, devem merecer todo o seu fracasso. Uma sociedade que pensa em si mesma como meritocrática em vez de olhar para os que falharam como desafortunados, rotula-os de perdedores.

A cura é uma crença forte e culturalmente apoiada em duas grandes ideias: a sorte, que diz que o sucesso não depende apenas do talento e do esforço; e a tragédia, que diz que as pessoas boas e decentes podem falhar, e merecem compaixão em vez de desprezo.

 

  1. Individualismo:

Uma sociedade individualista prega que o indivíduo e suas realizações são “tudo” e que todos são capazes de ter um destino especial. Não é a comunidade que importa; A união, o grupo, é para os desesperançados. Ser “comum” é considerado uma maldição. Como resultado a maioria de nós acabará, estatisticamente falando, associada ao fracasso.

A cura passa pelo culto da boa vida trivial – e apreciar os prazeres simples do quotidiano.

 

  1. Secularismo:

As sociedades seculares não acreditam em qualquer coisa que seja maior ou superior a elas mesmas. As religiões costumavam ter o papel de manter os nossos caminhos insignificantes e batalhas internas em perspectiva. Mas agora não há nada para admirar ou relativizar nos seres humanos, cujos triunfos e percalços acabam por ser um tudo ou um nada.

A cura envolveria a utilização regular de fontes de transcendência para gerar uma perspectiva benigna e relativizada sobre as nossas mágoas: a música, as estrelas à noite, os vastos desertos ou os oceanos tornar-nos-iam mais humildes.

 

  1. Romantismo:

A filosofia do romantismo diz-nos que para cada um de nós há uma pessoa muito especial que nos pode tornar completamente felizes. No entanto, de uma maneira geral, temos que nos contentar com relacionamentos aceitáveis com alguém que é muito agradável em várias coisas e muito difícil noutras. Parece um desastre – em comparação com as nossas grandes expectativas.

A cura passa por perceber que não errámos: fomos encorajados a acreditar num sonho muito improvável. Em vez disso, devemos construir as nossas ambições em torno da amizade e do amor fraternal.

 

  1. Os média:

Os meios de comunicação têm um prestígio enorme e um lugar gigantesco nas nossas vidas – mas rotineiramente orientam a nossa atenção para as coisas que assustam, preocupam e irritam, ao mesmo tempo que nos retiram o poder de termos uma acção pessoal efectiva sobre essas coisas. Normalmente foca os lados menos bons da natureza humana, e deixa por mostrar a existência de boas intenções, responsabilidade e decência.

A cura passaria por notícias que se concentrassem em apresentar soluções ao invés de gerar indignação; despertar uma consciencialização para problemas sistémicos ao invés de enfatizar os bodes expiatórios e os monstros emblemáticos – e isso nos lembraria, frequentemente, que as notícias sobre as quais precisamos focar-nos veem das nossas próprias vidas e experiências directas.

 

  1. Aperfeiçoamento:

As sociedades modernas enfatizam que depende de nós sermos profundamente felizes, sanos e realizados. Como resultado, acabamos a detestar-nos, sentir-nos fracos e que estamos a desperdiçar a vida.

Uma cura seria uma cultura que promove permanentemente a ideia de que a perfeição não está ao nosso alcance – que esta, do ponto de vista mental, ligeiramente (e por vezes muito) tristonho é uma parte inescapável da condição humana e do que precisamos, acima de tudo, são bons amigos com quem podemos estar e conversar honestamente sobre nossos verdadeiros medos e vulnerabilidades.

As causas do sofrimento psicológico no nosso mundo são – actualmente – muito maiores e mais activas do que as curas que necessitamos. Nós merecemos muita pena pelo preço que pagamos por termos nascido nos tempos modernos. Mas, mais esperançosamente, as curas estão disponíveis de forma individual e colectiva, se reconhecermos, com clareza suficiente, as fontes das nossas verdadeiras ansiedades e tristezas.

 

Traduzido/adaptado por Pedro Martins

a partir de “How the modern world makes us mentally ill” – Alain de Botton

depressão infantil

Depressão Infantil. Direito à Tristeza e à Alegria

Depressão Infantil. Direito à tristeza e à Alegria

A organização psíquica do homem faz-se a partir de dois fenómenos de base: a angústia e a depressão. São estas duas situações que, por assim dizer, nos ensinam a viver. Um indivíduo, que no curso da sua evolução não se angustiasse, não organizava convenientemente as suas defesas. Um indivíduo que não se deprimisse tornar-se-ia rigidamente sempre igual.

A alegria e a tristeza aprendem-se na relação com a mãe, mas quando os ritmos e os equilíbrios entre as duas formas de estar não são favoráveis a uma resolução mental, a criança aprende a esconder a tristeza com a falsa alegria da instabilidade, com comportamentos provocatórios ou doenças várias.

Se a aprendizagem da relação afectiva com a mãe, e a resolução mental da depressão se não fazem adequadamente antes da escola, a criança não pode aceitar o que lá se ensina, porque apenas vê nela uma tralha informe de instrumentos que a torturam e que não servem as suas necessidades afectivas. Ela quer ser amada e encontrar quietação num ambiente tranquilizador, e fornecem-lhe matérias desafectadas, como as letras e os algarismos, as canetas e os papéis.

A criança é espontaneamente alegre quando é aceite e compreendida nas suas reacções afectivas e, entre estas, a sua tristeza.

O bloqueio afectivo e intelectual pode ser uma forma de tentar dominar a depressão.

A alegria é a descoberta do Eu e da autonomia do pensar. A tristeza é o que pode, em termos psicológicos, conduzir à depressão normal, que possibilita as mudanças evolutivas de estrutura psíquica, ou à depressão patológica, que se descarrega sobre os outros, sobre a forma de comportamento, ou sobre os órgãos, sobre a forma de doença psicossomática. O bloqueio afectivo e intelectual pode ser uma forma de tentar dominar a depressão.

Da tristeza e da paixão tem a criança de aprender o que dela fazer. Sem que ninguém lhe ensine… porque estar triste é olhar para dentro e reflectir sobre o próprio Ser. Os estados de tristeza e de paixão são, na vida da criança e do Homem, momentos de reflexão e, portanto, de criatividade.

Estar apaixonado é olhar para fora, para um ser que nos permite criarmo-nos a nós próprios como Seres humanos.

Nada de criativo existe no homem sem o Eu e o Outro…, mas a criança do Homem está a ser devorada na sua espiritualidade. Há que proclamar o direito da criança a agitar-se, manifestar sinais e sintomas de sofrimento psíquico, físico e moral, sem ser submetida a tratamentos medicamentosos ou a medidas repressivas. A cultura não se ensina, aprende-se no convívio dos homens, na livre descoberta que cada um possa fazer do amor dos outros.

Um sintoma de fundo que se observa em grande número destes sintomas reactivos é o da depressão infantil, que nem sempre se revela por inibições, como a gaguez; por compensações, como o furto; por conversão histérica, como a enurese; ou por angústia, como os terrores nocturnos. Às vezes, revela-se por tristeza manifesta, turbulência e por muitos actos, geralmente designados nos manuais por perturbações da conduta.

Todos os sintomas da idade escolar, mesmo que tenham conotações com perturbações somáticas, têm que ver com formas reactivas da criança lutar contra a depressão e a ansiedade. Como dissemos anteriormente, no fundo dos problemas das crianças em idade escolar há sempre a ansiedade e a depressão, uma e outra, às vezes inaparentes no exame superficial.

Tem uns escassos decénios a descoberta que há depressões infantis, e os educadores, ainda hoje, reagem a essa ideia, na convicção de que as crianças não têm o direito de estar deprimidas porque eles, adultos, fazem tudo por elas.

 

João dos Santos

Vida, Pensamento e Obra de João dos Santos

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